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segunda-feira, 18 de julho de 2016

Cultura, anos 80

            Andava eu procurando uns apontamentos “que ainda não achei”, quando encontro este folheto do Teatro Experimental de São Vicente. Divulga mais uma peça teatral, desta feita um auto do grande poeta e dramaturgo Gil Vicente: “Auto da Barca do Inferno”. O encenador foi o professor Francisco Barroso “já nessa altura tinha queda para a arte de Talma” O teatro Morcego de Coimbra editou um livro da sua autoria, “Assim Fala Zaratustra”, uma adaptação teatral do meu cunhado Francisco. A tiragem foi de 500 exemplares, teve o apoio do ministério da cultura e da câmara municipal de Coimbra… adiante.




            A partir de certa altura, o grupo fez uma parceria com o Sport Clube de São Vicente da Beira. Embora ligados, continuavam autónomos. Rapazes e raparigas talentosos entregavam-se com denodo à arte de representar: Cila; António Candeias; Edite, “faleceu tragicamente num acidente de viação”; António Esteves; Manuel Leitão; Tó Luís; Luzita…
          O barracão paroquial era o nosso centro cultural. Filmes, teatros, exposições, colóquios, casamentos, baptizados… nele se instalou “através do padre Branco” uma pequena indústria:- confecção de malhas; mais de vinte jovens raparigas trabalhavam nesse espaço, fazendo camisolas…
            Tem história o barracão. A missão para que foi criado há muito terminou, fica a memória de tantos eventos que lá ocorreram.
        Aproveitando a embalagem, no mesmo momento encontrei este folheto da primeira exposição organizada pelo GEGA e que o “barracão” acolheu. Desde trajes antigos, uma grafonola, pedras com inscrições, cantareira… alguns objectos eram propriedade do grupo, outros foram cedidos temporariamente por particulares. O entusiasmo, a alegria, a entrega e o empenho, que muitos de nós demos ao trabalho de por de pé este acontecimento, contagiou as pessoas. A RTP veio fazer uma reportagem sobre o evento, foi um sucesso!



J.M.S


Belos tempos, boas recordações e grande encenador o Francisco Barroso! Pegou num grupo de jovens com diferentes ocupações e capacidades académicas e conseguiu pô-los a representar o "Auto da Barca do Inferno" e "Frei  Luís de Sousa, fazer os adereços e os cenários, (o Tó Luís era um artisa). Fizemos um grande sucesso e chegámos a representar em aldeias próximas.
Aqui ficam fotos dos mesmos:


Barca do Anjo e do Diabo.(Eu, a Cila, o Paulo Inês (parvo), Tó "patrão", 
Edite, Manuel, Maria José Lobo e Zé Carvalho.


Numa saída ao Casal da Serra.
Maria da Luz Teodoro

sábado, 11 de junho de 2016

Tempos gloriosos


Aproveitando a maré.... queria acrescentar mais uma fotografia desses tempos idos e "gloriosos". 
É mais um boneco que o meu primo João "Brito" tirou. Naquele tempo, ele, juntamente com o Chico do Caldeira, eram os fotógrafos de "serviço". 
Esta fotografia foi tirada num domingo à tarde no então novíssimo café do "João "Cagarola" tempos áureos da construção da barragem, a empresa Terbal "construtora do grande lago" empregava muitos operários, os cafés, os comércios fervilhavam de gente, durante dois anos o marasmo desapareceu. Quem não se lembra "rapazes e raparigas do meu tempo" do gira discos que lá existia. metia-mos uma moeda de dez tostões num orifício, escolhíamos um disco (Roberto Carlos, Roberto Leal, tango dos barbudos...) um braço ia buscá-lo e era uma torrente a deitar música.
Esta barragem foi a primeira grande albufeira do concelho, na freguesia já existia outra: "Sales Viana ou Penedo Redondo" que se situa na ridente povoação do Casal da Serra, custou 472.000$00 e foi construída em 1934.
A cidade com o tempo foi crescendo, a água daquela barragem passou a ser insuficiente daí a necessidade de se construir novo lago: desta feita o local escolhido foi o Casal do Pisco.
Adjudicada à empresa Terbal pela quantia de:-29.971.012$10; tem 16 m de altura, armazena 1.400.000 metros cúbicos de água; e por aí fora...
Do lado de baixo da barragem situa-se este lindo edifício "Lugar do Ainda" que se estava a transformar numa ruína. Aqui está um exemplo que deve ser seguido, a história da casa mantêm-se, o espaço enriquecido e valorizado. (Quem acode à casa Cunha!...).
O padre José Maria Sarafana do Rosário viveu os últimos anos da sua vida neste lugar, Fonte da Pipa. Era um homem alto, seco de carnes, coxeava um pouco, olhar penetrante e grave. Durante muitos anos, paroquiou as paróquias alentejanas de Bencatel, São Romão, o histórico santuário de Nossa Senhora da Conceição e a bela igreja de São Bartolomeu em Vila Viçosa.
Todos os dias o senhor Manuel "criado da casa" se deslocava na sua bicicleta à vila buscar o correio, comprar o pão...
Era um senhor forte, alto. Assim que chegava à fonte encostava o velocípede à parede da casa do senhor João "Coxo" (actual sede da banda), entrava na taberna, emborcava um canjirão e seguia à sua vida.
Com estes entretantos, quase me ia esquecendo da rapaziada da fotografia.
Da esquerda para a direita: Jaime Madeira (Jaime scanta) a fazer o seu cigarrinho; depois sou eu, o Zémanel mosca, enrolando o cigarro; Joaquim Ambrósio (Jaquim parrego) pensativo; José Augusto (Zé do café) empinando um caneco; por fim Madeira (Tó scanta) com o  cigarro pronto para ser fumado. Encenação...
Aqui deixo mais esta: Bebe vinho, mas nunca bebas o siso.

J.M.S

quinta-feira, 2 de junho de 2016

1895


1895, setembro; as parreiras deixavam ver entre a folhagem belos “gachos” de uvas prontos para serem colhidos, “algumas com muita parra e pouca uva”, as festas de verão estavam à porta; quarta-feira; lavradores e camponeses, começavam a faina, “embora alguns já andassem vindimando”.
Na Fonte Velha junto ao chafariz dornas, pipos, tonéis eram tratados com água para as aduelas incharem e o vinho novo não vazar por alguma frincha.
A praça municipal fervilhava de munícipes que vinham dos mais recônditos lugares para tratarem de assuntos inerentes às suas vidas, pagar a décima ou fazer compras no comércio que a circundava.
Ao fundo da praça ouvia-se o barulho cadenciado do martelo batendo na bigorna, ferrador não tinha mãos a medir ferrando as alimárias. O céu azul começou a toldar-se de nuvens escuras, grossas pingas começaram a cair, a poeira da praça num ápice se transformou em lama, a cachopada corria descalça lapacheirando-se uns aos outros.
Um cidadão com um saco na mão subiu o balcão da cadeia como habitualmente, entrou na câmara, entregou-o e saiu. Todos os dias fazia o trajecto S. Vicente, Castelo Novo à tarde; no outro dia de manhã regressava. Comboio levava e trazia as cartas, encomendas e todo o género de valores.
Uma carta chama a atenção ao presidente da câmara, “vinha do governo” ao lê-la, seu rosto ficou branco como a cal. Estava sonhando, só podia; dentro vinha uma cópia do diário do governo que suprimia o concelho, a chuva continuava a cair, o céu tristonho parecia querer comungar da mesma desgraça, o martelo continuava a bater na bigorna, as festas estavam à porta, o povo não queria acreditar, os principais monumentos da vila cobriram-se de faixas negras. “ o escudo que encima a velha fonte ainda se podem ver os pregos que serviram para o tapar com um pano preto, em sinal de luto”.
Ganhões atravessavam a praça transportando dornas cheias de uvas para serem desfeitas nas adegas. Os sinos dobravam, as pessoas choravam, a autonomia municipal deixou de existir.
A partir daquele momento a vila passou a ser uma simples freguesia sem qualquer poder administrativo. Depois; bem, depois, começou a debandada dos funcionários, a partida de muita gente para outras paragens, a vila a começou a fazer uma longa travessia no deserto. Durante muitas décadas o marasmo, o esquecimento, a apatia foram os “donos e senhores do burgo” sessenta e três anos depois a casa da câmara foi restaurada. As sonaves, os caibros e as telhas viam-se, não havia forro, os pardais e as andorinhas na primavera esvoaçavam fazendo seus ninhos nos caibros, de vez em quando uma chinca obrigava os alunos e terem que mudar as carteiras para que a água não caísse em cima das cabeças, os espaços onde outrora existiram repartições passou a haver jovens estudantes. Cada sala possuía duas classes; primeira com a terceira e a segunda com a quarta classe. Para além do quadro negro de ardósia na minha sala existia junto à janela um ábaco, as andorinhas e os pardais sobrevoavam o espaço chilreando e nós aprendíamos o bê á bá através de uma grande senhora, a professora dª Susana. Ao cimo do balcão da cadeia existiam duas portas, uma dava acesso directo à sala do antigo tribunal.
Com a remodelação do edifício essa porta desapareceu, a Domus foi restaurada, levou sobrado novo, forro, retretes,” um luxo”, salamandras que nos aqueciam durante os dias frios e chuvosos invernais.
Por essa altura a vila possuía muitos habitantes, as crianças de ambos os sexos em idade escolar andariam à volta de 120 alunos. A praça fervilhava de catraios correndo e brincando.
(…) Mais uns anos de pasmaceira, em 1961 rebenta a “bernarda” em Goa, Damão e Diu. Nehru invade com cerca de cinquenta mil soldados aquelas parcelas de território “Luso”.
Angola, Moçambique… seguem as pisadas, a partida dos mancebos para as ex colónias, emigração para os países devastados pela grande guerra, a sangria humana; a desertificação começa, a vila continua “pasmada”, nada de novo, até que 70 anos depois novo surto de desenvolvimento. Barragem, saneamento básico, água ao domicílio, luz eléctrica, “à meia-noite mais ou menos os candeeiros eram desligados ficando as ruas às escuras” A velhinha calçado basáltica foi substituída por paralelos graníticos; a estrada que liga Alcains ao Castelejo aos poucos foi sendo alcatroada 78 anos depois da queda do concelho, a Pequena Lisboa recebeu uma embaixada da Grande Lisboa, chefiava-a o presidente da câmara. Um “obelisco” é levantado na Fonte Velha para comemorar os oitocentos anos da deslocação de alguns homens bons à capital do reino para oferecerem o povoado ao rei D. Afonso Henriques.
A vila sempre a aumentar; novas artérias, casas, serviços, indústrias. A baixa densidade humana… a partida dos naturais procurando novos rumos transformaram-na. Na zona medieval vivem cada vez menos cidadãos, a maioria idosos, não há sangue novo.
No dia de Corpo de Deus, fizeram a primeira comunhão quatro crianças.
Com tantos melhoramentos que existem:- ”piscina, escola, banco, estradas (quase todas asfaltadas) falta a velhinha Cascalheira, santuário da Senhora da Orada primorosamente alindado, templos recuperados,… filarmónica, rancho, bombos, bombeiros, escoteiros… há cada vez menos pessoas a habitar a donairosa vila de São Vicente da Beira
Quo vadis interior!

J.M.S                                                                                                                            

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Andava o deus Pã apascentando seus rebanhos na campanha de Trans Serre, tocando com sua flauta mágica músicas campestres. Impulsivo, lascivo, sua cabeça cornuda, barbicha hirsuta e patas de bode percorria montes e vales. À medida que guardava o seu rebanho, cantava e tocava. O Eco imitava-o, ele ficava danado e continuava a tocar músicas simples do campo.
De vez em quando, corria em perseguição de uma ninfa ou pastora, pudera; lascivo e folgazão como ele era!
Algumas ninfas não iam na sua conversa, nem se deixavam cativar pelas músicas campestres.
Foi o caso da Siringe que se transformou numa cana por não ter cedido ao seu apetite sexual. Aproveitou-a e fez com ela uma flauta que o passou a acompanhar para todo o lado, desta maneira tinha sempre a sua amada nos lábios.
Certo dia, tendo-se afastado um pouco mais das pastagens habituais “embora andasse por todo o lado”, foi dar a uma pequena aldeia moura, teve sede, dirigiu-se à Fonte da Portela para se saciar.
Quando chegou, estava enchendo sua bilha uma linda moura; faces rosadas, olhos pretos brilhantes como o sol, sorriso arrebatador.
Lascivo, luxurioso como sempre foi, não se conteve e agarrou a linda moura. Ela esbracejou, gritou, por fim conseguiu libertar-se das manápulas de Pã e fugiu em direcção à sua cabana.
Com seus pés de cabra, Pã lançou-se numa correria desenfreada para apanhar a linda moça.
Já não estava muito longe de casa, mas, ao olhar para trás, não teve dúvida nenhuma, estava prestes a ser agarrada. Gritou com todas as forças, mas ninguém apareceu. A solução foi transformar-se numa cobra que por sua vez se metamorfoseou.
Desde essa altura a moura continua enfeitiçada, transformada numa pedra à espera que alguém a desencante.
Cuidado, ela é enganadora. Pela manhã mostra melhor a sua bocarra, nem todos os locais em seu redor servem para a admirar. É preciso saber escolher o sítio para que se deixe ver.
Quem sabe se numa manhã de São João algum príncipe afagando o penedo não a desencante!


J.M.S