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domingo, 10 de abril de 2016

Lugares aonde se torna - 8

Santo Ofício – os avós denunciantes

Em São Vicente, quem primeiro compareceu a denunciar foi Silvestre Rodrigues, de 23 anos, tratante; no mesmo dia, 7 de Junho de 1579, vieram também Sebastião Fernandes, lavrador, de 38 anos, e Pedro Fernandes, proprietário, de 34. Os três, aqui moradores, e cristãos-velhos.
A receber as denúncias, o inquisidor Marcos Teixeira, acompanhado no acto por «notário apostólico e do Santo Ofício».
Esta sua «visitação» em terras do Continente começara no princípio do ano, em Portalegre, seguindo depois para outras terras de além-Tejo – Arronches, Marvão, Montalvão, e Nisa – passando depois à Beira; antes de chegar a São Vicente, a missão de que estava incumbido levara o senhor inquisidor a Abrantes, Sarzedas, Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Monsanto e Penamacor. A derradeira etapa, depois de São Vicente, começou em Alpedrinha, seguindo-se Fundão e a vila da Covilhã e seu termo, onde concluiu, em 11 de Julho de 1579.
Seis dias durou a função em São Vicente. Invariavelmente, os denunciantes apresentavam-se no local onde pousavam o inquisidor e o notário, muito possivelmente a igreja, declarando pretender denunciar alguém. Ordenava-lhes, então, o inquisidor que jurassem dizer a verdade, com a mão sobre os Evangelhos. Do que diziam, era elaborado um registo, que devia ser assinado pelo inquisidor e pelo declarante; não sabendo este escrever, o notário assinava por ele.
Do que ali tinham ido dizer, eram mandados guardar segredo. Era prática da Inquisição que as denúncias se mantivessem anónimas, que as vítimas não soubessem quem as denunciara.
Oitenta pessoas em São Vicente apresentaram-se para denunciar – mais exactamente, 76, homens (31) e mulheres (45), de idades e condição social diversas; 23 têm menos de 25 anos de idade, sendo de 17 anos as duas denunciantes mais novas: Catarina, criada de Manuel Francisco, cristão-novo, e Maria Vaz, já casada. Da relação dos denunciantes, somente 5 têm 50 anos ou mais, identificando-se com 70 anos os dois mais velhos no exercício da delação: a sogra de Sebastião Fernandes, Ana, viúva, e Jorge Gonçalves, lavrador, ambos da vila.
Dos 76, são 28 os que sabem assinar e o fazem; todos homens, muitos deles exercendo profissão manual, aqueles que as Ordenações referiam como trabalhando «per afã de seu corpo».
Na sua grande maioria, são pessoas casadas; todavia, referenciam-se 13 mulheres viúvas, mas não há viúvos. São pessoas morando na vila, quase todas, ou terras do “termo” (Sobral, Freixial, Ninho do Açor); de fora, denunciantes em São Vicente, só o alfaiate Pedro Gonçalves, residente em Alcaide, e um Sebastião «preto, de Manicongo», que veio de Alcains denunciar aquela de quem era escravo («cativo»), Ana Lopes, cristã-nova e mais uns tantos membros da família desta, de Alcains, Castelo Branco e São Vicente.
Os registos das declarações incluem também a condição religiosa de cada um – cristão-velho/cristã velha, é a regra; significa isso, pessoas nascidas em famílias cristãs, sem ascendentes de outra fé e observantes da mesma religião; o acto de denúncia constituía, aliás, uma obrigação do “bom crente”. Nos registos que servem de base à presente notícia identificam-se excepções: o cinquentenário ferreiro, Gil Antunes, e o já referenciado alfaiate do Alcaide, Pedro Gonçalves, ambos «com raça de cristão-novo» – foi assim que se apresentaram ao inquisidor –, e Sebastião «preto», também já referido, sem nenhuma menção de estado em matéria de religião – a condição de escravo, equiparado a besta, retirava-lhe capacidade para tais atributos, mas não a de denunciante, estabelecido que foi, reza a o registo, ter ele «juízo e entendimento», jurando por isso, como os outros, «os santos evangelhos».
As vítimas das denúncias são, quase sempre, cristãos-novos. Os denunciantes referem práticas judaizantes, alguns com soma de detalhes – a isso eram incentivados por quem os ouvia –, com identificação clara de quem e quando os actos haviam sido praticados e se outras pessoas os tinham presenciado. Esses factos haviam de servir, a posteriori, para acusar os seus autores. Em geral, a mesma pessoa denunciava várias pessoas; com frequência, os denunciantes haviam tido convivência, em alguns casos, de portas adentro (criados e serviçais…) com aqueles que vêm acusar.
A denúncia ao Santo Ofício é referenciada pelas autoridades eclesiásticas como uma obrigação do bom cristão, como se de um acto piedoso, uma boa acção que acarretaria benefícios a quem delatasse. Isso mesmo era transmitido aos fiéis, antes da inquisição: na missa de domingo, acompanhada pelo inquisidor itinerante, anunciava-se aos paroquianos o início dos actos, invocando-se o Édito da Fé, em conformidade com o qual o cristão tinha o dever de denunciar actos de que tivesse conhecimento, directa ou indirectamente, contra a sua religião, os seus dogmas e rituais, a prática do judaísmo ou da feitiçaria, mas também certas condutas em matéria de casamento e sexualidade, como a bigamia ou a homossexualidade. O denunciante, além dos actos, deveria identificar o seu ou seus autores.
A legislação canónica, as bulas papais, o Santo Ofício e seus agentes, “garantiam”, a quem denunciasse, graças várias, mas principalmente o perdão dos pecados e por essa via o acesso mais fácil à salvação eterna. Apesar do peso da Igreja, do poder da Inquisição e da discricionariedade da sua acção, com o apoio da máquina do Estado, também existe em São Vicente (noutros sítios seria o mesmo) quem discorde do que vê: no Livro 1º das Denúncias da Visitação do Santo Ofício nas Ilhas dos Açores, Alentejo e Beira encontramos António Vaz, por alcunha Cabeças, dirigindo-se, da porta de sua casa, atrás da igreja, a duas mulheres que vão denunciar, dizendo-lhes: «Vão muito depressa, pensando que ganham perdões, mas vão é ganhar o Inferno». Por isso, o Cabeças é também denunciado.
Não são apenas gente comum, os denunciantes. Fazem-no também pessoas que exercem localmente cargos políticos e administrativos, como o procurador do número, Manuel Carrilho, o escrivão da Câmara, Manuel de Brito, e Sebastião Nunes, juiz ordinário na vila, o último declarante nesta “visitação”, em 13 de Junho; curiosamente, apresenta-se em nome de sua mulher que, por estar doente, não pôde vir depor. Finalmente os “padres-denunciantes”: três, “deveriam” ser, pelo menos, três – Jorge Machado, «clérigo de missa», o «cura» Fernão Valente e o «cura» Sebastião Carvalho; mas são somente dois, Jorge Machado e Fernão Valente, que coincidem nas denúncias – as práticas diferentes dos cristãos-novos da terra no enterro dos seus mortos, e o padre Sebastião Carvalho, por comportamento herético, ao recusar uma segunda extrema-unção a uma moribunda, a quem ministrara, pouco tempo antes, o mesmo sacramento.
No dia 14 Junho de 1579, o inquisidor Marcos Teixeira iniciava a recepção de denúncias em Alpedrinha.
José Miguel Teodoro

domingo, 17 de outubro de 2010

Prata = Cristão-Novo

Recebi mensagem do Brasil, de um desconhecido

«Meu nome é Lourval dos Santos Silva. Sou professor em Santos-Brasil, mas de Matemática. Meu avô Abrahão dos Santos Silva nasceu na Póvoa de Rio de Moinhos em 1911 e em 1912 imigrou para o Brasil com seus pais, José dos Santos Silva e Maria Rita Prata. Maria Rita Prata, minha bisavó, era prima de segundo grau de seu avô João Prata. Tenho quase toda a genealogia de seu bisavô António Prata.»

Na resposta, eu desconfiei daquele Abrahão e o Lourval confirmou: somos cristãos-novos. Confirmou e apresentou provas. Aqui as deixo:

Síntese da genealogia da família Prata (entre o anterior e o seguinte há sempre uma relação de pai para filho (filha):

1. Rodrigo Tomás casou com Beatriz Antunes (terão vivido cerca de 1560-80)
2. Tomás Roiz casou com Isabel Ferreira
3. Rodrigo Antunes casou com Helena Fernandes (vivia em Castelo Branco e era ferreiro; viveu cerca de 1620-30)
4. Manuel Fernandes
5. Ana Rodrigues
6. Manuel Gonçalves Prata (este já o conhecia, das minhas investigações sobre a Póvoa; viveu cerca de 1770; era membro da governança da Póvoa)
7. Manuel Gonçalves Prata (ou será este?)
8. Tomé Gonçalves Prata
9. José Tomé Prata
10. João Prata
11. António Prata (era ferreiro, natural da Póvoa, mas foi trabalhar para São Vicente, onde casou com Maria Castanheira, cerca de 1870-80)
12. João Prata, casado com Dorotheia de Jesus dos Santos (os meus avós maternos; João Prata nasceu em 1885 e era irmão de Ana Prata)
13. Maria da Luz, casada com António Teodoro (os meus pais; Maria da Luz, irmã dos meus sete tios e tias Prata)
14. José Teodoro Prata, casado com Idalina Maria Cardoso Rodrigues (eu, irmão das minhas sete irmãs, primo direito dos filhos dos meus tios e tias Prata, primo em segundo grau dos netos de Ana Prata)

(Nos números 13 e 14, cada descendente de João Prata tire o meu nome ou o da minha mãe e coloque o seu ou do seu pai ou mãe; os descendentes de Ana Prata substituem João Prata por Ana Prata, no número 12, e fazem o mesmo, depois.)

O meu parente Lourval dos Santos Silva tem certidões de nascimento e casamento desta gente toda. Quando eu as tiver, partilho-as.

Mandou-me o processo do Rodrigo Antunes, na Inquisição de Lisboa:

PT-TT-TSO/IL/28/9954> Título Processo de Rodrigo Antunes Datas 14/3/1627-20/4/1634 NívelDescrição Documento Composto DimensãoSuporte 63 folhas CódigoReferAlternCota Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 9954 ÂmbitoConteúdo Acusação -judaísmo
Profissão -ferreiro
Naturalidade -Vila de Castelo Branco
Morada - Vila de Castelo Branco
Idade -27 anos
Filiação -Tomás Roiz e Isabel Ferreira
Estado Civil - casada com Helena Fernandes
Sentença -Abjure publicamente seus heréticos erros em forma e em pena e penitência deles lhe assinam cárcere e hábito a arbítrio dos Inquisidores e será instruído nas coisas da fé necessárias para a salvação da sua alma e cumprirá as mais penas e penitências espirituais que lhe forem impostas e mandam que excomunhão maior em que incorreu seja absoluto in forma ecclesia
Data da sentença - 8 de Abril de 1634, lida em Auto
Observação - Preso em 25 de Abril de 1633
Avós Paternos - Rodrigo Tomás e Beatriz Antunes
Avó Materna - Beatriz Antunes
Entidade Detentora ANTT


Olha se o Hitler tivesse atravessado os Pirinéus!!!
(Durante a Segunda Guerra Mundial, Hitler perguntou a Salazar o que fazer com mais de dois mil judeus húngaros, mas que se diziam portugueses, pois daqui tinham partido os seus antepassados, fugidos da Inquisição. Salazar não quis saber e eles morreram no Holocausto.)

sábado, 5 de junho de 2010

Cruciformes


Casa da Rua Manuel Simões, ao cimo, já perto do entroncamento com a Rua da Cruz.

Em trabalho anterior, expliquei a origem, segundo alguns estudiosos, das pedras salientes dos lados das janelas.
Um outro vestígio deixado pelos nossos antepassados cristãos-novos são os cruciformes: cruzes de várias formas, gravadas nos portados das habitações.
Estas cruzes encontram-se por toda a Beira raiana, região onde se fixaram dezenas de milhares de milhares de judeus expulsos de Espanha, após 1492.
Em 1495, é a vez de Portugal ser varrido pela intolerância religiosa que proibiu o culto dos judeus e dos mouros (muçulmanos). Milhares de judeus abandonaram o Reino de Portugal, nos anos seguintes, mas muitos outros aqui permaneceram, tendo-se convertido ao cristianismo.
Estes passaram a ser designados por cristãos-novos, em oposição aos portugueses que praticava o cristianismo desde sempre e por isso conhecidos por cristãos-velhos.
Ora os cristãos-novos eram olhados com desconfiança pelos cristãos-velhos, alguns injustamente, mas outros não, pois continuavam a praticar secretamente ritos religiosos judaicos.
Uns e outros gravavam cruzes nos portados das suas habitações, para mostrarem a todos que eram bons cristãos e assim se livrarem de desconfianças e perseguições, sobretudo da Inquisição, introduzida em Portugal, no ano de 1536.
Vários cristãos-novos de S. Vicente da Beira foram presos e julgados por este tribunal religioso que prolongou a sua acção até à segunda metade do século XVIII.


Janela da casa acima apresentada, com porta de madeira, do tempo em que ainda não se usavam janelas com vidros.


Portado da mesma casa, com o cruciforme na ombreira da direita.


Pormenor do cruciforme do portado anterior.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Judeus e Cristãos-Novos

Participei, neste domingo, num passeio à judiaria de Castelo Branco e numa conferência sobre "Judeus, Cripto-Judeus e Cristãos-Novos: a casa doméstica na Beira Interior quinhentista", ambos dinamizados pelo Arquitecto José Afonso.
Falou-se frequentemente de S. Vicente da Beira, uma das muitas povoações da Beira onde existiu uma comunidade judaica desde finais da Idade Média.
Tenciono apresentar informações sobre esta comunidade, na I Feira de Artesanato e Gastronomia, a realizar nos dias 18, 19 e 20 de Junho (e não nos dias 11, 12 e 13, como inicialmente estava previsto e cheguei a noticiar neste blogue).
Será no dia 20, domingo, entre as 9 e as 12 horas, numa visita guiada pela Vila.


Segundo estudos realizados, a tradição beirã de deixar pedras salientes dos lados da janela, onde se colocam vasos de flores, tem a sua origem na tradição judaica de ali colocar o candelabro aceso, nas noites de festa religiosa.
Casa da Rua Manuel Lopes.



Candelabro judaico (Menorah), um dos símbolos religiosos do judaísmo.