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quinta-feira, 5 de abril de 2018

Origens da família Mesquita


            Penso que o sr. José Romualdo Mesquita e o seu irmão João Romualdo Mesquita foram os últimos a permanecer em São Vicente da Beira, filhos de José de Mesquita e de Maria do Carmo Romualdo.

            José de Mesquita nasceu em São Vicente da Beira a 2-02-1883 e Maria do Carmo Romualdo a 24-09-1871.
            João de Mesquita pai do anterior, nasceu em São Vicente da Beira em 1844 e casou com Maria do Patrocínio de Oliveira da mesma Vila em 1851, casaram a 4-11-1874 e tiveram: João de Mesquita * 12-01-1876, Luiz de Mesquita *14-07-1877, Maria Pulquéria Mesquita * 3-08-1879, Joaquim de Mesquita * 5-10-1880 (Padre) e José de Mesquita * 2-02-1883 (pai do José e João Mesquita).
            João de Mesquita pai do anterior, nasceu em São Vicente da Beira em *13-08-1808 Τ 08-01-1874, casou na Vila a 6-02-1832 com Maria Henriques *17-02-1804 Τ 20-09-1877.
            José de Mesquita pai do anterior, nasceu em São Vicente da Beira cerca de 1757 e casou com Roza Jacinta na Póvoa Rio de Moinhos e tiveram Anna de Mesquita, Jozefa Jacinta de Mesquita * 1801, Joana de Mesquita -1807 Póvoa de Rio de Moinhos, João de Mesquita *13-08-1808 e Antónia de Mesquita *24-03-1812.
            José de Mesquita Seixas, pai do anterior, nasceu em São Vicente, cerca de 1730, casou na Vila a 26-07-1753 com Maria Genoveva de Oliveira, natural de são Vicente da Beira, tiveram Anna Joaquina de Mesquita, José de Mesquita e penso que seria pai do Padre Francisco José de Mesquita, este penso que faleceu entre 1823 e 1830.
            Manuel de Mesquita, natural de Travanca, Amarante, casou em São Vicente da Beira a 20-03-1711 com Maria Velosa, natura da Vila.
            António de Mesquita, natural de Travanca, Amarante, casou em Travanca em 1688 com Antónia de Seixas *1655 natural de Travanca, Amarante.
            Domingos de Mesquita, natural de Pombeiro, casou com Damiana de Mesquita, natural de Ribas, Travanca, Amarante.
            Urbano Rodrigues, natural de Travanca, Amarante * 1610, casou com Maria Seixas * 13-09-1615, natural de Travanca, Amarante, pais de Antónia de Seixas.

Jaime da Gama

segunda-feira, 26 de março de 2018

quarta-feira, 21 de março de 2018

Dia Mundial da Poesia


Discurso de Saudade

Em todas as casas te procuro, Casa onde habitou a infância
hora luminosa e matinal em que o galo canta e o sino toca
punhados de granizo tamborilando no telhado
e a silente carícia da neve pousando nos peitoris.
Em todas as casas te procuro, Casa:
vento de inverno uivando pelas frestas
madrugadas de susto em que os foguetes
te sacudiam, branca e recatada abadessa
à esquina da rua do convento,
fazendo abanar os caixilhos da vidraças das janelas
onde mais tarde se desfraldavam colchas de damasco
para ver passar os anjos – eu, entre eles.

Em todas as praças te procuro, Praça das cirandas
Praça do pelourinho com a barca, o pássaro, o escudo real
primeiras interrogações ao mistério do capitel.

Em todos os rios te navego, Ribeira a fluir prateada
sob o arco do tempo
para esfolhar-se na roda do moinho
dentro da primavera de malmequeres
quando me sentava à tua beira
mordendo a cor vermelha da cerejas.

Em todas as paisagens te procuro, aquarela de centeio
e oliveiras, pinhais agrestes, ramos de giestas,
urzes, amoras, muros velhos de musgo e heras antigas.

Em cada pôr-de-sol ardente vos espero
cegonhas de vôo lento e branco
hóspedes de verão na torre da igreja.

Em cada chafariz te procuro, Fonte
explosão de vida, líquidas estrelas de cristal
recolhidas em meu cantarinho de zinco.

Longe ficou o mundo em que a única ameaça
era os ciganos, seu rufar de bombos e de pratos
acompanhando a evolução dos acrobatas no trapézio
suspense anunciando os capítulos da vida
em que seria eu a trapezista.

São Vicente, único país riscado a sangue
no mapa das minhas lembranças,
tantas ruas atravessei no mundo
porém as únicas que me atravessam são as tuas
aldeia encravada nas serras do meu coração:
ruas de São Vicente
onde a minha infância passou correndo
com as tranças se desmanchando ao vento
andorinhas emigrando sem retorno.

Maria de Lurdes Hortas, Recife, 7 de Julho de 1984


Maria Libânia Ferreira

segunda-feira, 19 de março de 2018

Dia da poesia

O Dia Mundial da Poesia é na próxima quarta-feira, mas nós já o celebrámos.
A récita ocorreu ontem, domingo, na Igreja da Misericórdia, sob a batuta do Adelino Costa,
apoiado pela Junta, Filarmónica e Misericórdia.
Recitámos poesia de mais de duas dezenas dos nossos poetas populares, 
a maioria dita pelos próprios autores ou seus familiares.
O tema comum era a nossa terra, São Vicente da Beira. 
Foi bonito e haverá mais!









  




Fotos de Ana Jerónimo, Filipa Teodoro e João Craveiro
José Teodoro Prata

quinta-feira, 15 de março de 2018

Grande Guerra: O “raid” de 9 de março de 1918

Há já três anos que eu e a Libânia nos envolvemos no projeto de descobrir e honrar os nossos combatentes na Grande Guerra. Pensávamos que pouco passariam de uma dúzia, mas descobrimos muitas dezenas.
Entretanto, deixei a Libânia no terreno, onde se move como peixe na água, e abracei um outro projeto de nível regional, muito mais modesto, que será uma espécie de introdução à investigação da Libânia.
Aguardamos apoio para a sua publicação, no âmbito do centenário do fim da I Guerra Mundial.
O artigo que abaixo se apresenta é uma amostra do nosso trabalho que foi publicado no jornal Reconquista da semana passada. Nele a Libânia homenageia os combatentes beirões, e os sanvicentinos em particular, que participaram num dos feitos mais heróicos da nossa intervenção na Flandres (nordeste da França e Bélgica).
Desfrutem!

As tropas portuguesas tinham partido para França, no início de 1917, após um período de treino intensivo a que chamaram “O Milagre de Tancos”. Mas, longe de constituir um milagre, a instrução recebida em Tancos não foi suficiente nem adequada para o que as esperava. A isto juntava-se a fraca motivação para participar num conflito do qual não percebiam as razões nem as vantagens.
Mesmo assim, lá partiram de Alcântara logo que houve navios disponíveis para as levar até Brest. E de Brest foram metidas em comboios para a Flandres, onde, perto da região pantanosa do rio Lys, ficaram acantonadas. 
Os primeiros meses foram passados a receber mais instrução, pelo que só em meados de 1917 se confrontaram de perto com os ataques inimigos que, à medida que o tempo ia passando, iam aumentando em número e em força.
Em sentido inverso, ia evoluindo o ânimo dos nossos homens, consequência, sobretudo, das expetativas, nunca concretizadas, do fim da guerra ou da obtenção de licenças para gozarem em Portugal. A perceção inicial de muitos, de que tinham sido vendidos aos aliados, era reforçada pela sensação de abandono em que se encontravam. Perante esta realidade, percebeu-se que era urgente tomar medidas que elevassem o moral das nossas tropas. Este foi um dos objetivos da operação realizada no dia 9 de março de 1918, que ficou conhecida como O "Raid" de 9 de Março.
O ataque começou a ser preparado com a antecedência necessária pelos oficiais responsáveis e que nele participaram: Tenentes Henrique Augusto e Luís de Sousa Gonzaga, Alferes Victorino Rodrigues Corvo e Alípio Cruz de Oliveira e Capitão António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
Assim, no dia 9 de março, pelas 4 horas da madrugada, estava tudo a postos para o início da operação que começou com um forte ataque de artilharia na direção das tropas inimigas. Ao fim de quase uma hora de fogo, foi a vez das tropas de infantaria saltarem das suas trincheiras e avançarem sobre as trincheiras adversárias; em silêncio, mas decididas.
Apesar da surpresa desta “visita” tão inesperada, os alemães ainda ripostaram com tiros de metralhadora e granadas de mão, o que, por momentos, fez hesitar as nossas praças; mas, à voz de comando e seguindo o exemplo dos seus superiores, precipitaram-se sobre as trincheiras inimigas. Muitos alemães refugiaram-se dentro de abrigos, alguns dos quais foram destruídos; outros começaram a fugir debaixo de fogo e foram mortos ou feridos; outros foram atacados dentro das trincheiras, onde os portugueses, rapazes de sangue na guelra, habituados à luta corpo a corpo e ao uso de varapaus, foram mais fortes. Terminados os combates, à voz do comandante, os nossos regressaram rapidamente às suas trincheiras, exibindo os troféus.
Os objetivos do raide foram atingidos: captura de algum material de guerra, destruição de vários equipamentos, morte de muitos militares e outros que foram feridos ou feitos prisioneiros. Do lado português houve 20 feridos, entre eles o Tenente Luis Gonzaga e o Alferes Alípio de Oliveira, mas regressaram todos às trincheiras portuguesas pelo próprio pé. Cumpriu-se, também, o objectivo principal daquele raide, que era a moralização dos nossos militares, protagonistas do 1.º raide levado a cabo com tão grande sucesso. Esta moralização foi reforçada pelos elogios vindos dos comandos português e aliado e pela forma como passaram a ser vistos pelos alemães que, até ali, os olhavam com desdém.
Muitos dos militares que participaram no raide foram louvados, condecorados, promovidos ou compensados com várias regalias. Alguns oficiais foram condecorados com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe, e muitas praças receberam a Cruz de Guerra de 3.ª Classe.
À 1.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 21 foi também atribuída a Cruz de Guerra de 1.ª Classe «…pela bravura e intrepidez com que realizou o raid de 9 de Março de 1918, em que atingiu todos os objectivos que lhe tinham sido determinados, fazendo prisioneiros, tomando material, e causando baixas e estragos consideráveis ao inimigo, demonstrando assim as qualidades do soldado português, com o que muito contribuiu para fortalecer o moral das tropas e para realçar o seu prestígio perante os nossos aliados.»
Neste raide, entre oficiais, sargentos e praças, participaram militares da 1.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 21, oriundo da Beira Baixa, num total de cerca de 150 homens, comandados pelo Capitão António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho. Participaram também alguns militares da 3.ª Companhia de Sapadores Mineiros.
Provavelmente pela sua participação neste raide, coube ao Capitão Ribeiro de Carvalho, entretanto promovido a Major, comandar os militares portugueses que desfilaram em Paris, no Dia da Vitória.

         Dos cerca de 55 mil portugueses que participaram na Grande Guerra, em França, 55 eram da freguesia de São Vicente da Beira. No raide de 9 de março, estiveram pelo menos cinco dos nossos conterrâneos: Aires Pedro (1894-1962); António Amaro (1984-1966); António Fernandes (1895-1961); Bernardo Cruz (1894 –1970); Francisco Patrício Leitão (1894-?). Todos eles foram louvados «…pela coragem e disciplina demonstradas no raid efetuado pela sua companhia, no dia 9 de março de 1918, contribuindo pelo seu esforço e ação para o completo êxito daquela operação.»

Aqui fica também o nosso louvor, 100 anos depois!

Maria Libânia Ferreira

terça-feira, 13 de março de 2018

sábado, 3 de março de 2018

Campanha do azeite


Estamos no início de Março e claro a campanha da azeitona/azeite está a terminar...



Roda do lagar do Major


Nesta época do ano, mês de novembro e princípios de dezembro, com alguma variação das condições climatéricas, os campos enchem-se de uma enorme agitação com ranchos familiares, amigos e vizinhos para fazerem a apanha da azeitona. 
Estamos no ano de 1980, eu com 10 anos, todos os dias ia levar o almoço e jantar ao meu irmão Fernando que, com 13 anos, trabalhava no lagar do sr. Major, mesmo ali ao lado da horta do meu avô.
Era um lagar muito bem equipado e com  um dos melhores acessos. O mestre era o sr. António Rodrigues (da Rosa) e mais três lagareiros: o Lino (homem da Ramos), o Tó Relojoeiro e o meu irmão Fernando. O ganhão era o sr. João da Resgate, sempre com o carro de bois a transportar a azeitona dos  ditos ranchos que andavam colher a azeitona.
O Lino era um homem com uma força bruta, quando chegava a azeitona em enormes sacas que chegavam a pesar cerca de 100 Kg, era ele que subia aquela escada para o piso superior onde se encontravam as tulhas.
O lagar trabalhava 24 horas sobre 24 horas, nos períodos em que havia mais stock da matéria-prima. Os lagareiros dormiam no lagar  durante toda a campanha.
Quando ia levar o almoço ao meu irmão Fernando, entrava no lagar e aquele cheiro intenso e o calor da fornalha... Hoje digo que eram mesmo momentos mágicos que nunca vou esquecer. Almoçavam todos juntos, mas sempre alguém com atenção à rotina do lagar. Adorava explorar todos os cantos, mas com a autorização do mestre, e até ia deitar azeitona no pio, o que se fazia pelo piso superior.
O mestre sempre na sua zona a controlar todo o trabalho dos lagareiros e a gerir a separação do azeite para as tarefas e medir o azeite dos clientes para as vasilhas que eram do lagar. O ganhão também tinha a responsabilidade de entregar o azeite aos clientes que depois devolviam as vasilhas. 
Havia sempre homens que provavam as tradicionais tibornas e que eu também comia. Eram deliciosas! Um belo pedaço de pão torrado na fornalha e mergulhado no azeite, era uma delícia.  
No final do século XX, o método tradicional de produção de azeite sofreu grandes alterações. As novas tecnologias levaram ao processo de transformação contínuo, tendo-se assistido, também, à mecanização na apanha da azeitona, ainda que em alguns locais continue a ser efetuada manualmente. 
          As forças políticas desta maravilhosa vila e a cidade de C.B. nunca pensaram em realizar um verdadeiro museu, aproveitando este belo lagar.
Em jeito de conclusão: Vale a pena pensar nisto...


Pio


Prensas


Tulhas

Nota: A foto da roda do lagar é da minha autoria e as restantes foram retiradas da net.

Jaime da Gama

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Couves extremas

I

Naqueles invernos negros, de pouco ou nenhum sol, os dias eram pequenos e as noites enormes! A partir do mês de novembro, tinham lugar, em casa de Garrancho, os grandes serões de família. O que sucedia à volta da colossal lareira, na cozinha, à telha vã!
— Boa casa, boa brasa! — dizia ele, em voz forte e sonora, para a ti’ Maria, a mulher, com a espontaneidade e confiança de quem está em sua casa!
Invariavelmente, estavam ao pé um do outro! Unidos, como unha e carne! Caminhavam ligados na vida, havia décadas! Por regra, no tempo do frio, achavam-se na cozinha àquela hora! A hora em que o dia caía e a noite se aproximava.
À luz da candeia de azeite, ela, sempre a remexer e a saraçar, lá andava nos seus afazeres domésticos.
Ao ouvi-lo, atirou-lhe, sem desviar os olhos da faca com que migava, em pedaços grandes, o punhado de couves galegas para a ceia:
— Não fales tão alto, homem, que aborreces os vizinhos! O que é que há de dizer o nosso compadre e a mulher, que são, mesmo aqui, parede com parede, connosco?!
— Homessa! Se um homem não está à vontade para botar palavra entre as suas quatro paredes, então onde diabo vai dar soltura àquilo que quer deitar do peito para fora?! Na taberna? Na adega? Ora, adeus! Aí, muitas vezes, já não é ele a falar! É o briol a falar por ele! Olha que a casa de um homem é como se fosse o seu castelo!
A mulher calou-se e aquiesceu. Entretanto, Garrancho ia pondo, no lume, mais uma boa cavaca de lenha de castanho velho, que tinha trazido da serra.
Era um homem alto de corpo! O mesmo de estatura moral! Contratos onde entrasse, não necessitavam papel! A sua palavra era lei! Tinha uma boa disposição duradoura e um coração imenso!
Às vezes, calhava vir à conversa, um caso de amor juvenil, vivido pela filha, que ele bem amava. Razões do coração de custosa compreensão para a esposa! Bem o viram, então, com o âmago lacerado e repartido, sentado à roda do lume, de lágrimas a esbagoarem-se-lhe pela cara!
Um alma de S. Pedro!
A diferença é que Pedro era pescador e Garrancho lavrador! Se o primeiro, andava no mar a pescar e a molhar os pés na água, o segundo andava a cavar, a semear e a engolir o pó da terra! Mas foi aquele apóstolo, rude como Garrancho, rijo como uma rocha de granito, que Cristo escolhera para nele edificar a sua Igreja!   
O casamento com Garrancho não podia se não ser uma bênção para a ti’ Maria! Ouvia-a, ouvia-a! Que ela — sabia-o ele muito bem — era também moldada por uma grande alma, mas um poucochinho mais dura! Porém, entre eles, a vida prosseguia! Não era preciso que as suas almas fossem gémeas. Bastava que fossem, como a dele, suficientemente tolerantes. Escutava-a, escutava-a! E a boca dele não se abria! A não ser para tentar compreender as suas razões, procurando suavizar-lhe a rigidez na forma de ver o mundo, as coisas e as pessoas.
No início de novembro, ainda se estava quase a dois meses de terminar o outono, a que se seguiria o inverno. Contudo, o frio e a chuva eram de molde a que não se sabia quando acabava um e começava o outro! E quase com toda a certeza, que já tinha nevado na Estrela e, quiçá, também na Gardunha. Se o tempo era mau, logo pelos Santos, era contar que, afora o verão de S. Martinho, assim iria até lá para o fim de fevereiro! Com o sol de março é que se começava já a sentir a terra a aquecer e a vida a querer despertar do torpor da hibernação.  
No entretanto, o fumo e o calor curtiam as morcelas e os chouriços dispostos em fila, nas varas, por cima da lareira. Ao mesmo tempo que secavam as castanhas, no caniço, ao lado do fumeiro. À época, as castanhas eram já poucas. A maior parte dos castanheiros tinha sido substituída por oliveiras, que davam o rico fio doirado do azeite, produto bem mais rentável!
Garrancho e Maria contavam para cima de sessenta. Sempre foram velhos! Ou assim parecia aos olhos dos netos, moços e moças a transbordar mocidade!
Tinham tido uma vasta progenitura de dez filhos! Agora restavam eles. Sós, naquela casa enorme! Carregada de memórias!
Por entre a crueldade dos males e doenças, tinham vingado, até à idade madura, oito deles! Seis rapazes e duas raparigas. Uma menina falecera em criança. Outra, pouco passaria dos 18 anos! E os que eram vivos, todos estavam casados e apartados em suas casas. Salvo um deles e a mulher que morreram pouco depois do casamento.
Foi esse infortúnio que levou o filho destes, o neto Juvenal, ainda criança, a ir viver com os avós, ajudando-os nas lides da terra. O que, ao menos, lhes suavizava um pouco o sofrimento naqueles anos da velhice.
Era ele que, agora, mais enfrentava as intempéries. Era ele que, no inverno, se demorava na serra, até mais tarde, a trabalhar. À chuva e ao frio! A tratar das cabras. A ordenhá-las. A fechá-las convenientemente, na corte, à noite. Para impedir algum ataque de animal feroz que, conforme o porte — raposa ou gato toirão — podia, se não mais, pelo menos, pôr em perigo as crias do rebanho!
Todas as noites, os velhos esperavam que o neto chegasse da serra, de labutar. Bastas vezes encharcado. E a chegar-se ao lume para enxugar a roupa!
Depois, os três, comiam, na paz do Senhor, a ceia que a avó preparava com sábias mãos!  

II

A cozinha situava-se em cima, na “casa velha”, numa espécie de primeiro andar. Para se lá chegar, passava-se em baixo, pelo corredor da “casa nova”, situada do lado direito, à entrada da porta principal.   
No tempo, havia um grande respeito e confiança entre as pessoas da vila. Razão por que esta porta estava sempre aberta! Aberta, é um modo de dizer. Porque, na realidade, estava presa no trinco, mas em singelo. Sem a fechadura corrida. Bastava premir a peça de balanço com o polegar e levantar a tranqueta interior, para entrar.
Tinha um pormenor que, porventura, a distinguia de todas as outras portas. Atrás, fora pregada, por uma das pontas, uma tira de metal flexível. Mas suficientemente forte para, na outra extremidade, ter suspensa, balançando, uma campainha. De modo que, se alguém abria a porta, ao mínimo movimento, a campainha tocava, ouvindo-se por toda a casa! E reconhecia-se de imediato a voz da dona: 
— Quem é que lá vem?!
— Eh! ti’ Maria, sou eu…! Hoje precisa de sardinha ou chicharro?! — gritava lá de baixo a Mira Sardinheira.
— Lá vai, lá vai!...
Descia as escadas. A conversa prosseguia entre as duas mulheres, sobre saber se precisava ou se lhe agradava algum peixe para aquele dia!  
Franqueavam-se, assim, as portas a quem quisesse entrar. Todos estavam por bem! Desde logo, bem entendido, os vizinhos e a família. Se os pais moravam ao cimo da rua, os filhos moravam, quase sempre, por essa rua abaixo. Ou, mesmo, noutras ruas da vila! Em todo caso, perto uns dos outros. Prontos a ajudar se houvesse qualquer aflição. As gerações sucediam-se e a vila achava-se cheia de gente! Não se tinha dado, ainda, a emigração em massa para França e para o litoral!
Era nessa conjuntura de vizinhança que, o Lopo, a bem dizer, porta com porta com Garrancho, frequentava com regularidade, a casa deste, havia longos anos! As mulheres até se chamavam mutuamente por “comadres”. Embora não se soubesse bem a razão e o porquê! Talvez porque entendiam que a amizade, o conhecimento e o traço de união entre as famílias, mereceria mais que o simples tratamento por “vizinhas”!
Como local de sociedade e encontro, Lopo e Garrancho privilegiavam, quase sempre, a adega, onde se encontrava o pipo do vinho, a salgadeira com o presunto, os queijos a fazer a cura e a talha das azeitonas. E, onde nunca faltava uma bolsa com pão dessa semana. Cozido no forno da serra ou no da viúva do Mesquitela - homem de muitas posses - na rua Velha. Estava guardado dentro de uma caixa de madeira, robusta, para evitar ser roído pelos ratos.
Como os dois gostavam de estar sempre muito próximo do espicho do barril do vinho, chegavam a ficar, às vezes, bastante entradotes. Não, somente, pelo odor que lhes atravessava a pituitária, mas, sobretudo, pelo gosto frutado e tanino do tintol que lhes passava nas gustativas! Davam-lhe forte e bem! Quando Garrancho se preparava para encher o primeiro copo, o Lopo punha-se logo a dizer, com receio de desperdícios e a deixar supor que estaria pronto a beber o segundo, se lho dessem:
— Ó amigo, não enchas o copo demais, que o vinho não faz cogulo! Olha que podes estragar a pomada! Sempre ouvi dizer que o que se estraga, nem as galinhas o aproveitam! E antes dois copos que entornar…! — alegava.
— Ora o damonho do homem! Sim, senhor! Ai o alma de cântaro! Hã! — ria-se, sarcástico, Garrancho, não diretamente para o Lopo, mas como se imaginasse ali presente uma terceira pessoa.
Depois, para ele:
— Onde aprendeste semelhante ladainha, ó Lopo? Na taberna do Arrebotes ou na do Coxo?!
— Ná! Nem numa nem noutra. Esta já ma contava o meu pai, que no céu esteja!
— Pois! Muito me contas, mas não são notas de conto!
E a conversa prosseguia. Garrancho esforçava-se por pôr os copos bem cheios de vinho tinto rematados por uma coroa de espuma vermelha, em cima da mesa improvisada. Armada com uma tábua larga sobre o fundo de um barril de cinquenta litros, vazio, colocado, na vertical, sobre o chão térreo. Uma vez e outra vez! Mais um pedaço de presunto no prato! Mais um naco de pão centeio ou de broa esnocado a esmo! Mais um bocado de queijo e uma mão cheia de azeitonas! E mais uma rodada!
Assim corriam as suas pândegas e comezainas, até o vizinho regressar a casa, do outro lado da mesma rua, duas portas acima. E, ou era dos olhos de Garrancho, ou o Lopo já ia um pouco entornadote.
Depois da função, um tanto para o tarde, era quando Garrancho ia ver da ti’ Maria que estava já deitada, apenas a dormitar! Não serenava enquanto não sentia o homem a abrir as mantas e a aconchegar-se ao pé dela.
Mas, antes, na despedida, os dois homens, ainda tinham tido tempo de emborcar mais um copo de tinto, para a sossega. Era quando o Lopo dizia para Garrancho, com a voz entrecortada pelo efeito dormente da pinga:
— Ó amigo, na tua casa mando eu! E na minha casa mandas tu! Hã?!...
Garrancho bem o compreendia! Com a tirada, o Lopo parecia querer assenhorear-se de carta-branca para acesso ao barril do vinho de Garrancho!
Nunca se soube se este aceitou tal proposta de reciprocidade. Ou se cada um continuou a mandar na sua própria casa!

III

Tinha chegado, entretanto, a hora da ceia! Juvenal estaria a chegar da serra, de acomodar o gado. As couves com batatas, a morcela de cozer e os ovos, para os três, estavam quase cozinhados.
Muitas vezes, porém, sobretudo nos sábados, aconteciam as magnas reuniões da família. Vinham à casa paterna alguns dos filhos. Se fossem todos, seriam mais que as mães. É um modo de dizer! Quase todos moravam na vila! Levavam as mulheres e a prole! Que compunha um bom rancho de netos dos venerandos avós. Jovens ou ainda crianças. Num momento, enchia-se a casa! De pessoas e de ruído! Repentinamente, a algazarra das crianças elevava-se ao teto! Ouviam-se-lhes os estrepitosos gritos das brincadeiras. Eram a riqueza da família! Mas, eh!, malta dum raio!
— Estejam quietos e calados meninos! Não façam barulho que me dói a cabeça! — ralhava a avó Maria. Ao mesmo tempo que produzia com a língua, por obra de artes orais, um estalido de impaciência. Som difícil de imitar e impossível de transcrever! Tudo quedava por um momento. Mas qual quê?! Eram como ferrabrases. E o rebuliço retornava pouco despois!
Com a chegada dos filhos, noras e netos, colocavam-se na panela mais couves, batatas, morcelas de cozer e ovos. A ti’ Maria se encarregaria de fazer os acrescentos. Ou colocava mesmo outra panela ao lume com as quantidades que bastassem para satisfação de todas as bocas presentes.
Couves e batas cozidas, grandes rodelas de morcelas de cozer. Ovos cozidos. Tudo bem regado com azeite e vinagre. Pão de centeio ou broa. Vinho para os homens e chá ou água para as mulheres e as crianças! Fruta, azeitonas ou queijo. Tudo deste quilate! E com abundância! Alguém que estivesse de fora a observar, concluiria: “Uma família em ordem! E que beja ceia!”.
Às vezes, a refeição era comum! Ou seja, em vez de cada um ter o seu prato individual, deitava-se tudo já devidamente cortado numa descomunal caçoila de barro. Cada um, munido apenas de um garfo e de uma fatia de pão, comia do recipiente o que entendia. A partilha era por estimativa. E ninguém se empanturrava. As mães tinham o especial cuidado de se certificarem que os filhos mais pequenos tinham comido o suficiente. Matava-se a fome. Havia muita fartura de tudo o que a terra dava! Graças à Divina Providência!
Garrancho e Maria nunca sabiam quando contavam com tanta gente! É certo que os filhos, as noras e os netos nem sempre estavam todos. A não ser nas festas mais marcantes ou nas matações. Mas era sempre bastante gente! E vinham sem aviso. Mas não era necessário qualquer planeamento. Arranjava-se sempre alguma coisa para quem chegava!
Durante o repasto, Garrancho não raras vezes tinha que se deslocar à adega, a encher mais um ou dois canjirões de vinho! Ele sabia melhor que ninguém como manobrar o espicho do barril! Levantava-se do banco, uma espécie de “trono”! Desaparecia nos degraus de madeira que davam para o piso de baixo. Atravessava a “casa nova” e descia por uma escada amovível até à cave do pipo. Os netos continuavam os seus divertimentos. Se, no auge dos folguedos, algum se sentava, mesmo por momentos, no banco deixado vago, a avó clamava:
— Sai daí, menino! Não quero ninguém aí sentado! Já vos avisei muita vez! Ora com fêto! Hã! — dizia abespinhada.
O “trono” era um cilindro, serrado do tronco de um velho sobreiro, assente numa das bases. Fora cortado para servir de banco e colocado à roda da lareira. E ninguém se podia sentar nele, por respeito. Estivesse o dono presente ou não! Era norma da casa! E as normas eram para se cumprir! 
 
Mas nesses grandes serões, à ceia, muito se cavaqueava! Recordavam-se outras épocas. As épocas dos tempos difíceis de antigamente!
— Isto agora é um luxo! Há a fartura que não havia noutras ocasiões! Hoje é diferente! Está melhor! Temos para comer! — pregava Garrancho, com a comunidade familiar a ouvir. — Nessas alturas, comiam-se couves! Couves e apenas couves! Coziam-se com sal, temperavam-se com um fio muito fino de azeite, se o houvesse, e uma gota de vinagre!
— Couves! Só couves! — rematava a avó Maria, voltando-se para os netos, que entrementes tinham quedado, pasmados, com o teor da conversa! — Couves, sem nada a acompanhar! Chamávamos-lhe as couves extremas! Foi nos terríveis anos das guerras, pestes e fomes… Vocês não sabem nada da vida! — concluiu, ciente da experiência que lhe conferia a idade. Relembrando-se de um tempo mau, que coincidira com o da sua juventude, pôde-se-lhe, todavia, entrever, na face enrugada pelos anos, uma réstia de nostalgia!...
Com o andar da noite, os ouvidos iam perdendo a acuidade e a capacidade auditiva. Os mais novos adormeciam. Em breve, o João-pestana os transportava para o imaginário mundo dos sonhos!
Já era tarde quando se encerrava a assembleia de família. Quentes como estavam do calor da lareira, agasalhavam-se! Em especial os mais pequenos. Para enfrentar o ar gélido da rua. Onde não havia luz pública! E regressavam a suas casas por entre as sombras da escuridão!

Nota: neste texto foi utilizada lexicologia de cariz local ou regional que não consta da ortografia e dicionários oficiais.       

JOSÉ BARROSO