Mostrando postagens com marcador s. vicente da beira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador s. vicente da beira. Mostrar todas as postagens

domingo, 29 de janeiro de 2012

Notícias da frente agrícola

1. Desde inícios de Novembro que não chove. Os terrenos estão secos, embora na serra ainda haja alguma humidade, graças à ribeira e aos seus afluentes. O ribeiro de Dom Bento está quase a secar, novamente.

2. As temperaturas andam baixas, mas mais altas do que habitualmente. Há muitas noites sem geadas ou gelo. De dia, nos sítios mais abrigados, parece primavera. Há anos aconteceu o mesmo. Os pessegueiros ficaram floridos todo o mês de fevereiro, mas pouco produziram, pois a flor estava como que congelada e a polinização foi fraca.

3. A imprensa de Castelo Branco deu notícia de um projeto agrícola que envolve um investimento de sete milhões de euros. Espera-se colher 400 toneladas de azeitona e produzir 500 mil litros de azeite por campanha. Os olivais ocuparão uma área de 300 hectares, em Vale Sarzedo e Esteveiras. Também será construído um lagar. Junto à estrada entre a ponte do Chão-da-Vã e o cruzamento do Padrão são já visíveis enormes olivais, uma barragem e um grande edifício.

4. Uma multinacional, a Unitom, está a plantar, no Ferro (Covilhã), um dos maiores cerejais do país: produzirá, dentro de 3 anos, 500 toneladas de cereja (10% da produção da Cova da Beira).

Nota: Várias publicações deste mês têm sido marcadas pelo pessimismo. Queria dar a volta a isto, mas... "Quem não tem cão caça com gato". Pode ser que as boas notícias alheias nos contagiem um bocadinho!

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O nosso falar: esbarrondar

A palavra esbarrondar é relativa a barro. Desabava ou desmoronava-se uma parede em que as pedras eram coladas com barro. O mesmo que esboroar-se, que acontece frequentemente com coisas de barro já muito antigas.
Um dicionário on-line informa-me que também se usa no sentido de parir, na zona do Fundão, que é a nossa. O bebé está na barriga da mãe e, quando chega o tempo, rompe-se o véu e tudo se esbarronda, saindo a criança para o mundo exterior.
E ainda se utiliza com o significado de menstruação. Tem lógica, porque dizemos barronda se uma porca anda saída, isto é, com propensão para acasalar e procriar, pois está no período da ovulação. E a menstruação significa o fim desse ciclo reprodutor, esbarrondou-se tudo.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Trabalhos de fim de semana

Em 1974-75, ainda vivíamos na Tapada, a beber água da mina, à luz do petróleo. Por esses tempos, os operários da construção civil travaram grandes lutas e conseguiram melhores salários e a redução da jornada semanal de 48 para 45 horas. Assim, o meu pai trabalhava 9 horas por dia e já podia vir passar o sábado com a família.
Então, os meus pais compraram uma casa velha na Rua da Cruz e iniciámos a sua reconstrução. Como interrompi os estudos no ano letivo 75-76, o meu pai dizia-me o que fazer durante a semana e no sábado tinha tudo pronto para os trabalhos de pedreiro.
“Aqui, no chão, abres uma caixa quadrada de um metro de lado por 80 de fundo.”
No sábado, fizemos o pilar que suporta a escadaria.
“A toda a volta da parede, cava o barro por baixo da parede, da fundura de uma mão travessa.”
No sábado, encostámos uns taipais na prumada da parede e enchemos os buracos de massa.
“Esta semana, tira as telhas e arranca as ripas e os caibros.”
E foi assim, durante três anos. Depois, mudámo-nos para a casa nova da Vila. Há 37 anos, o sábado livre do meu pai fez toda a diferença para a nossa família.
A vida mudou muito, entretanto. Há cerca de 20 anos, quando se começou a falar em abrir os hipermercados aos domingos, duas funcionárias do antigo Jumbo de Castelo Branco vieram pedir-me para assinar pela abertura. Eu respondi-lhes que não assinava, pois, como professor, queria que elas passassem o domingo com os filhos.
Muitos desconhecem que o dia de descanso semanal ao domingo é uma conquista muito recente, de há cem anos, no início da Primeira República. Antes disso, a missa de domingo era um luxo proibido aos operários, numa época de grande religiosidade.
O mundo mudou para melhor, em muitas coisas, no último século, mas agora estamos a andar para trás, em nome de progressos que poucos sentem.

Nota: Ao contrário de muitos, com o Presidente da República à cabeça, que só há poucos meses perceberam a grande complexidade da crise económica que vivemos, eu percebi isso logo quando ela começou, embora tenha sido a única coisa que percebi, durante largo tempo. Por isso esta crónica não é uma tomada de posição contra ou a favor de algo ou alguém, embora não abdique da minha oposição ao aumento da riqueza nos ricos e ao consequente aumento da pobreza na classe média e nos pobres. E à desregulação das suas vidas.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

João Pereira de Carvalho

Quem foi João Pereira de Carvalho, uma das quatro pessoas que arrematou a compra das pedras do extinto convento franciscano?
Já encontrara o seu nome, na listagem dos notários de São Vicente da Beira do Arquivo Distrital de Castelo Branco. Há muita documentação por si redigida, relativa a testamentos e contratos de compra e venda dos anos de 1842, 1845, 1848, 1849, 1856, 1858, 1859, 1862, 1864, 1866, 1868, 1869, 1871, 1874 e 1876.
Não existem documentos de muitos anos entre 1842 e 1876, mas isso não significa que tenha interrompido a sua função de notário, pois os documentos podem ter-se perdido ou encontrar-se na posse de particulares.
Este João Pereira de Carvalho era natural das Sarzedas, filho de Luis Marques Pereira e Quitéria Rosa de Carvalho. Casou, em S. Vicente da Beira, no dia 11 de Outubro de 1843, com Ana Augusta Ribeiro Robles, filha de Bernardo António Robles e de Antónia Raimundo Ribeiro.
(Arquivo Distrital de Castelo Branco, Registos paroquiais de S. Vicente da Beira, "Assento dos Casados", maço 96, livro 1803-1859, fólio 122)
O matrimónio ocorreu 1 ano e 10 meses depois de vir trabalhar, como notário, para São Vicente, pelo que talvez tenha conhecido a sua futura esposa já depois de residir nesta vila.
O casal teve José Augusto Pereira de Carvalho, pai de Virgínia Maria da Conceição Pereira. Esta casou com José Maria dos Santos, os pais dos irmãos Pereira dos Santos que todos conhecemos.
Os membros destas três gerações habitaram a casa da família, na Rua do Convento, números 30 a 38. João Pereira de Carvalho terá comprado pedras do extinto convento para construir ou reconstruir essa habitação. Mas a atual fachada do edifício data de meados do século XX, como aqui já foi referido.
No número 30 existiu uma forja de ferreiro, durante muitos anos do século XX.
Maria de Lurdes Hortas viveu, na casa em frente.
Anos mais tarde, registou as lembranças da sua infância, nos versos de um poema.

EM FRENTE À CASA DA INFÂNCIA

Em frente à casa da infância havia um ferreiro.
Além das ferraduras para cavalos, suas mãos grandes e pesadas
fundiam o sol em sua forja. E sucedia que, ao acordar, eu me precipitava
para a janela a tempo de ver
as faíscas da luz escapulindo pelo escuro vão da porta do ferreiro
diluindo-se na neblina da rua.
Da mesma janela via surgir, no postigo do primeiro andar, a velha:
de vestes tão negras como o tempo que atravessara
e de cabelos tão alvos como a farinha que, todos os dias, àquela mesma hora peneirava.
Da casa voejava uma poalha de prata.
Se fosse Inverno, a neve parecia escapar-lhe da peneira
polvilhando a aldeia de silene magia.


(Maria de Lurdes Hortas, "Cantochão de Todavia", edição do GEGA, 2005, São Vicente da Beira)

Pedido: Outra pessoa que comprou pedras do convento foi a Ex.ma D. Anna de Brito Coelho de Faria. Tenho informações escritas sobre esta família, muito importante em São Vicente, no século XIX, mas nada sei sobre onde morava, se ainda lá vivem descendentes...
Agradeço qualquer informação, a quem souber alguma coisa.


Nota: Este texo foi completado a 26/01, na sequência do comentário de Paulo Duarte de Almeida.

domingo, 15 de janeiro de 2012

O nosso falar: borrega

O veterinário da minha gata, bom conhecedor de São Vicente, onde sempre fez grandes amigos, recentemente veio de lá impressionado com a quantidade de terrenos agrícolas que temos ao abandono.
Consequentemente, algumas paredes mostram sinais de ruína. Os nossos antepassados, durante séculos, compuseram as terras agrícolas, endireitando-as e segurando-as com paredes. Assim nasceram os leirões.
Mas agora faltam cultivadores e tempo aos poucos que há, a ganhar o pão noutras atividades.
Por isso, muitas paredes incham para um dos lados, em forma de barriga dilatada, após refeição farta. Parecem barrigas de borregas, essas adolescentes dos ovinos.
(Cordeiros - acabados de nascer; borregos e borregas – ovinos jovens, ainda em crescimento; carneiros e ovelhas – ovinos adultos)
Mais dia menos dia, sobretudo quando chove muito, as paredes com borregas esbarrondam-se e caem ao chão. Então dizemos que caiu uma borrega na horta de fulano de tal.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

As pedras do convento

Sempre me disseram que as pedras do antigo convento são as do muro da Quinta da Casa Cunha, ao longo da Rua de São Sebastião.
Agora encontrei a ata da sessão da Junta da Paróquia em que as pedras foram vendidas. Foi no dia 24 de Agosto de 1845, sendo presidente o Reverendo Vigário Manuel Marques Leite e vogais José Henriques Sénior e João da Conceição, este também escrivão do regedor, Francisco Rodrigues Lobo.
Antes de dar a notícia, tenho de informar que o convento foi extinto em 1835 e, na altura, já estava parcialmente arruinado, residindo nele apenas a Madre Abadessa. Dez anos depois, 1845, nem todo o convento estava na posse da Junta da Paróquia. Parte dele já fora comprado por um particular, o Pe. Joaquim Castanheira (a ata que o refere não indica qual a parte). Mas a Igreja de São Francisco mantinha-se pública e de pé, havendo até diligências no sentido de ser reconstruída nas partes a necessitarem de obras. Assim, a pedra vendida era a que resultava da demolição da parte do convento administrado pela Junta da Paróquia, com exclusão da igreja.


Nesse 24 de Agosto, às 11 horas da manhã, o presidente da Junta ordenou ao vogal João da Conceição que dissesse ao pregoeiro da Câmara, Manuel Francisco, para pôr a lanço, a quem mais desse, «…a pedra das paredes demolidas do extinto comvento desta Villa pertencente aesta Parochia, a Vinte reis cada carrada…».
O pregoeiro apregoou várias vezes e depois veio informá-lo que «…perante elle tinhaõ comparecido o Ill.mo Joaõ Robalo da Cunha, Joaõ Pereira de Carvalho, e Joaõ da Silva Lobo por si e como arrematante em nome da Ex.ma D. Anna de Brito Coelho de Faria todos desta Vila eque todos unanimamente tinhaõ coberto olanço da Junta com hum real, eque nada houvera quem lhe cobrisse este Lanço de Vinte ehum reis por cada carrada…».
Informado disto e não havendo quem desse mais, o presidente mandou entregar o ramo aos quatro arrematantes, pegando nele João da Silva Lobo a rogo dos outros. Foram depois todos ter com o presidente à sacristia da Igreja Matriz, sede da Junta da Paróquia, onde ele lhes disse que levassem a pedra que precisassem, arrematando-se a restante, novamente, caso não a gastassem toda.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O nosso falar: ...até o Marzelo.

A anterior publicação "Mãos mágicas" continha um erro que só detetei há dois dias.
Refleti sobre a demora e conclui que não o identificara porque não era bem um erro, mas uma maneira de falar.
Tenho uma escrita muito oral (tendo a escrever como falo) e falo à São Vicente (muitas vezes sozinho) sempre que penso na nossa terra, como nos momentos em que escrevo para os Enxidros.
Ora nós devíamos dizer "...até ao Marzelo", mas dizemos "...até ó Marzelo" e mesmo "...até o Marzelo", que é uma maneira ainda mais simples (e preguiçosa) de dizer.
O meu pai, nascido em Castelo Branco, por casos do destino, mas preso ao Casal da Fraga, pelas raízes, dizia-nos "Vou o Casal" e muito raramente "Vou ao Casal" ou "Vou ó Casal".

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Saudade

Dois poemas da escritora Maria de Lurdes Hortas, nascida em São Vicente da Beira, mas radicada no Brasil desde menina.
Lembrança dos que estão longe, divididos entre dois mundos, aquele em que vivem e o que tiveram de deixaram.


DUPLA

Presente aqui.
Ausente além.
E vice-versa, sempre.
Assim, tão dupla
é que sou inteira.


ECO DE GONÇALVES DIAS

Minha terra tem coqueiros
onde pousam rouxinóis.
Minha terra tem pinheiros
onde canta o sabiá.
As aves da minhas terras
cantam cá e cantam lá
sempre ao inverso de onde
as deveria escutar.

Poemas publicados no suplemento IDEIAS, n.º 3, do Jornal do Fundão (04-05-1990)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mãos mágicas

Eu era já grande e por isso recusei-me dar a faca à minha irmã mais velha, quando ela a veio buscar para ir fazer a ceia. Mas como era ainda demasiado pequeno para a vencer, fugi para a minha mãe, porque ela me agarrou a tentar tirar a faca.
Corri da quelha para casa, a chamar “Ó mãe, a Fátima quer bater-me!”, mas tropecei logo no primeiro degrau do balcão. Bati com o queixo no granito e fiquei com um corte a toda a largura. A minha mãe acudiu e atou-me um lenço do queixo ao alto da cabeça, para estancar o sangue.
Depois levou-me ao hospital. Descemos pela tapada dos Candeias, direitos ao Chão dos Negrinhos, e seguimos pelo caminho ao longo do muro da Casa Cunha, até ao Marzelo e daí para São Sebastião.
Era quase sol-posto, mas a enfermeira ainda estava no hospital, parecia que à minha espera. Desinfetou a ferida, fechou a carne cortada com umas latinhas e tapou-a. Sarou sem mais novidades.
Alguns anos depois, um dia à noite, fui com a minha mãe e as minhas irmãs ver o presépio da Menina Isaura, na escola velha, mesmo ao lado do hospital. E um mundo maravilhoso se revelou aos meus olhos: o presépio numa gruta e em volta tudo o que eu conhecia, mas muito pequenino. Além das pessoas a trabalharem e das casas, havia pedras, musgo, erva e até oliveiras com azeitona. Os lavradores lavravam a terra, os pastores guardavam o gado e as mulheres lavavam a roupa no ribeiro, onde corria água de verdade.
Tudo feito pela enfermeira que anos antes me tratara a ferida no queixo. A confirmar a magia das suas mãos.

Nota: Tenho a ideia de luz de lâmpadas penduradas nuns fios a iluminar o presépio. Ora a eletricidade foi inaugurada em Abril de 1969. Deve ter sido nesse Natal que a Menina Isaura repôs o seu presépio, já apresentado em 1959 e neste Natal exposto pelo GEGA, na Igreja da Misericórdia.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Oração

Lá vai lua alta
Mais alta vai a Senhora
Que para o céu subia
Madalena vai detrás
Alcançá-la não podia
Alcançou-a em Belém
Onde Jesus Cristo lhe assistia
Nossa Senhora era tão pobre
Que nem um paninho lá trazia
Lançou as mãos à cabeça
Era um véu que trazia
Partiu em quatro quartos
Jesus Cristo embrulharia
Desceu um anjo do céu à terra
Paninho de ouro lá trazia
São José lhe perguntou
Como ficou lá Maria
Maria ficou bem
Na sua salinha metida
Cantando Avé Maria
As paredes são de ouro
Lavradas de prata fina
Quem também as lavraria
Foi o filho da Virgem Maria

Nota: Oração recolhida e publicada em trabalho escolar, por Maria Isabel dos Santos Teodoro, na década de 1980.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O nosso falar: chalincar

Lembram-se do Chalim? Teria uma doença neurológica e por isso abanava muito os braços e as mãos, isto é, chalincava. Por isso ganhou a alcunha de Chalim.
A palavra mais próxima que encontrei nos dicionários, pela grafia e pelo sentido, foi chinelar: fazer o ruído de quem anda de chinelas. É o mesmo que chilindrar e chelindrar, esta da zona da Covilhã. Abanar e por isso fazer barulho é o nosso chalincar.
Há dias, levei os Enxidros a uma tertúlia literária da minha escola e li a crónica “Chalim”, publicada a 5 de fevereiro de 2010. Foi um sucesso.
Aqui vo-la deixo, porque muitos dos atuais leitores do blogue ainda não a conhecem e porque é Natal, o tempo de ser bom.

Chalim
Nunca soube o nome dele, mas chamavam-lhe Chalim. Às vezes avistava-o na Praça, sempre a babar-se e a dar com os braços e a cabeça.
Depois, na Tapada, quando eu, as minhas irmãs e os meus primos ficávamos sozinhos, se as nossas mães iam às compras ou à missa, imaginávamos o Chalim a dobrar a curva da quelha, a abanar-se todo.
Fugíamos para casa e fechávamos a porta por dentro. Sabe-se lá o mal que um homem assim nos podia fazer.
Um dia, ia com o meu pai para casa do meu avô Prata, na Oriana. Ao chegar à Dona Zara, na Rua de São Sebastião, vi um homem que vinha em direcção a nós. Era ele.
Cheguei-me mais ao meu pai, peguei na mão dele e apertei-lha com força. Cruzámo-nos e o meu pai cumprimentou-o. Ficaram a conversar e eu, espantado, porque o Chalim falava como os outros homens e era amigo do meu pai.
A certa altura, desceu a mão direita, lentamente, a abanar muito. E eu, outra vez receoso, a segui-la com os olhos. Tentou metê-la no bolso exterior do casaco, mas custava a acertar com o buraco, de tanta tremideira. Finalmente conseguiu e o gesto revolto, fechado no bolso, fazia abanar toda a aba do casaco.
A pouco e pouco, a mão começou a sair do bolso e a subir. Trazia uma bola cor de laranja, uma tânjara. Aproximou as duas mãos e mudou-a de mão. Depois voltou a descer, o mesmo calvário e mais uma tânjara.
A da mão esquerda voltou à direita e, a custo, estendeu a mão trémula e cheia na minha direcção.
“Toma menino.” - ofereceu-me, já com a baba a aparecer nos cantos da boca.
Eu fiquei parado, sem tempo para perceber tanta coisa.
“Aceita.” - disse o meu pai.
Peguei nelas, sem mais reacção.
“O que se diz?” – insistiu comigo o meu pai.
“Bem haja!”
Eles continuaram a conversa e eu descasquei uma das tânjaras e comia-a, sôfrego, dois e três gomos de cada vez. Era só mel. Depois a outra, doce como o açúcar!
Eu era ainda muito pequeno e não tenho mais lembranças do Chalim. Mas, muitas vezes, ao longo da minha vida, me interroguei se tenho sido merecedor de toda a doçura daquele gesto.

sábado, 17 de dezembro de 2011

GEGA apresenta presépio de encantar



Este é o presépio do Menino Jesus, idealizado e apresentado à moda antiga. As figuras foram todas realizadas manualmente e são da autoria de Isaura Maria, feitas de pano com todos os pormenores bordados à mão. O cenário é de musgo autêntico, com caminhos de pedra e areia. As árvores são mesmo pequenas árvores, as casas foram feitas à medida com pedra e telhas.
Foi em 1959 que, pela primeira vez, o presépio foi apresentado pela sua autora, enfermeira de profissão e artesã nos tempos livres.
Além da Sagrada Família e dos Reis Magos, o presépio retrata a vida rural, numa pequena aldeia e no trabalho do campo. Alfaias agrícolas, personagens que desempenham diferentes tarefas e profissões todos foram criados pelas mãos hábeis de Isaura Maria. No total, são cerca de seis dezenas de figuras feitas manualmente. Não falta o madeiro de natal junto da capela, o fontanário, os pastores e as ovelhitas, a cozinha onde se preparam as filhós, o sapateiro, a queijaria, a horta com o seu poço, o rio onde se lava a roupa, a apanha da azeitona, o moleiro e os moinhos, um castelo, uma ponte e a serra verdinha com pinheiros que acalenta o local onde o Menino Jesus nasceu.
Tanto as figuras, como as casas e a maior parte das peças necessitavam de algumas remodelações. Os responsáveis do Grupo de Estudos e Defesa do Património Cultural e Natural da Gardunha meteram mãos à obra e o presépio vai estar novamente exposto, na Igreja da Misericórdia, junto à Praça medieval, durante a época natalícia. A abertura será no próximo domingo, dia 18, pelas 15.00 horas, e ficará exposto até 8 de Janeiro de 2012, com abertura aos sábados e domingos, das 15.00 às 17,00 horas. Para visitas fora deste horário, agradecemos que nos contactem para 968053052 ou 272487035 (Inácia Brito) e fazer a respetiva marcação. A entrada é livre.

Nota: O material que serve de base a esta notícia foi-me enviado pela Direção do GEGA.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Sementeira de pinheiros


Conheço documentação que refere a compra de sementes de pinheiro, na Suécia, para florestar as serras de Oleiros, em meados do século XIX. Uns anos antes, em 1826, o contrato de emprazamento, por três vidas, do casal da Senhora da Orada, administrado pela Câmara Municipal, estipulava como obrigação dos rendeiros Ricardo Joze de Oliveira e Gestrudes Maria «...a sementeira dos pinheiros...». Nos inícios do século XX, alguém de C. Branco fotografou os montes da charneca a partir do Museu Tavares Proença Júnior, na entrada norte da cidade, e só se veem matagais, sem qualquer árvore a sobressair (muitos pinheiros já lá estariam, mas ainda pequenos).
O documento que agora apresento vem confirmar o início da florestação das terras incultas do interior, por pinheiros bravos, no século XIX. Apenas o início, pois parte dos atuais pinhais só se afirmaram na primeira metade do século XX e até um pouco mais tarde: muitos da minha geração e sobretudo mais velhos lembram-se de se fazerem alqueives de centeio em locais onde atualmente há bom pinhal. E no monte de Santiago, na Partida, ainda sobrevive o antigo olival, já sufocado pelos pinheiros.

Na sessão de 23 de Agosto de 1840, a Junta da Paróquia analisou um ofício da Câmara Municial (ambas de S. Vicente da Beira), no qual se incumbia «… a esta Junta a Sementeira de Pinheiros e plantação de Arvores nas terras pertencentes a esta Junta.» Também se mandava comunicar aos proprietários «… que a Junta Geral do Destrito se offerecia a mandar vir a Semente de Pinhos que fosse neceçaria tanto para a Junta como para os Proprietários.»
A Junta decidiu que, embora tivesse uma terra apta para a sementeira de pinheiros (a Devesa?), não tinha meios para fazer essa sementeira, pois os que tinha escasseavam para as despesas ordinárias. Quanto aos proprietários particulares, embora avisados por edital público, «…não compareçeo alguém que requereçe porção alguma de semente de Pinhos.»


Notas:
1. Esta ata foi escrita por Bernardino Ribeiro Robles, secretário da Junta. O presidente era Antonio Rodrigues Castanheira.
Na sessão seguinte, de 21 de Março de 1841, tomaram posse os membros efetivos da nova Junta. O presidente ficou então o Reverendo Vigário Manuel Marques Leite, ajudado por Francisco Lobo e Francisco Cardoso Sénior que transitavam da Junta anterior.
2. Ao lermos esta publicação, temos na cabeça três grafias: a nova que estamos a implementar (acta/ata, vêem/veem...), a que usámos até agora (e melhor sabemos) e a do século XIX (neceçaria/necessária, compareçeo/compareceu, offerecia/oferecia, Destrito/Distrito...).
Por mim, não vale a pena dramatizar o novo acordo ortográfico, como muitos o fazem. A nossa língua tem estado em constante evolução, desde o latim dos romanos até à atual grafia!

sábado, 3 de dezembro de 2011

Para o sol não o queimar

Voltemos a estas duas quadras da apanha da azeitona:

S´o meu amor fosse António
Ai solidão, solidão
Mandavó ingarrafar
Ai, ai, ai, ai, ai
Em garrafinhas de vidro
Ai solidão, solidão
Para o sol não o queimar
Ai, ai, ai, ai, ai

Não me namora teu ouro
Ai solidão, solidão
Nem a tua branquidão
Ai, ai, ai, ai, ai
Só me namora teus olhos
Ai solidão, solidão
Que tão fagueirinhos são
Ai, ai, ai, ai, ai

São bem antigas!
O ideal de beleza era a pele branca, o mais possível. As senhoras até usavam sombrinhas para não se bronzearem. Depois, cerca de 1930, a Coco Chanel, que então começava a ditar a moda, deixou-se dormir estendiada ao sol, numa praia (uma hábito novo, nesse tempo) e acordou bronzeada. E todos correram para as praias, para ficarem como ela. Até hoje.
Mas voltemos ao antes. Para as gentes do campo (mais de 90% da população das nossas aldeias) ter a pele branquinha era uma impossiblidade, privilégio das famílias dos grandes lavradores que não faziam trabalho ao sol. Por ser rara, diferente, era sinónimo de beleza e por isso desejada.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Os amores da azeitona...

Eram sobretudo canções de amor, estas da campanha da azeitona:

(Uma voz) Os amores da azeitona
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) São como os da cotovia
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Uma voz) Acabada a azeitona
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Vai-te com Deus ó Maria
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão - Coro)
Vai de lá ó Maria
Tudo é um bem querer
Está um ar amoroso
Não te posso ir a ver


S´o meu amor fosse António
Ai solidão, solidão
Mandavó ingarrafar
Ai, ai, ai, ai, ai
Em garrafinhas de vidro
Ai solidão, solidão
Para o sol não o queimar
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

O meu amor não me fala
Ai solidão, solidão
Tudo é que lhe fale eu
Ai, ai, ai, ai, ai
S´ele se leva no seu brio
Ai solidão, solidão
Também eu me levo no meu
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Meu amor se fores à missa
Ai solidão, solidão
Fica em sítio que te veja
Ai, ai, ai, ai, ai
Não faças andar meus olhos
Ai solidão, solidão
Em leilão pela Igreja
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Cantigas ao desafio
Ai solidão, solidão
Comigo ninguém mas cante
Ai, ai, ai, ai, ai
Eu tenho quem mas ensine
Ai solidão, solidão
Meu amor é estudante
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Sei um saco de cantigas
Ai solidão, solidão
Ainda mais um guardanapo
Ai, ai, ai, ai, ai
Se me fazes atentar
Ai solidão, solidão
Eu vou desatar o saco
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Não me namora teu ouro
Ai solidão, solidão
Nem a tua branquidão
Ai, ai, ai, ai, ai
Só me namora teus olhos
Ai solidão, solidão
Que tão fagueirinhos são
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Os olhos do meu amor
Ai solidão, solidão
São duas azeitoninhas pretas
Ai, ai, ai, ai, ai
Eles foram escolhidos
Ai solidão, solidão
No jardim das violetas
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Da janela do meu quarto
Ai solidão, solidão
Vejo a cama do meu sogro
Ai, ai, ai, ai, ai
Vejo o sogro, lembra-me o filho
Ai solidão, solidão
Pelo filho é qu´eu morro
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Da minha janela à tua
Ai solidão, solidão
É um salto duma cobra
Ai, ai, ai, ai, ai
Quem me dera já chamar
Ai solidão, solidão
À tua mãe minha sogra
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

A oliveira da serra
Ai solidão, solidão
Que azeitona pode dar
Ai, ai, ai, ai, ai
Dará uma, dará duas
Ai solidão, solidão
Dará três se carregar
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Se a oliveira a falasse
Ai solidão, solidão
Ela diria o que viu
Ai, ai, ai, ai, ai
Debaixo da sua rama
Ai solidão, solidão
Dois amantes encobriu
Ai, ai, ai, ai, ai

(…)

Além das lembradas pelos meus pais (António Teodoro e Maria da Luz), registadas pela minha irmã Isabel dos Santos Teodoro, incluí ainda as que o Ernesto Hipólito enviou para a publicação anterior.

domingo, 27 de novembro de 2011

Se a oliveira falasse…

Por volta de 1940, as terras de S. Vicente da Beira pertenciam, em grande parte, a três casas agrícolas: Casa Conde, Casa Cunha e Visconde de Tinalhas. Na altura da azeitona, contratavam camaradas para a colheita. Uma camarada era um grupo de homens e mulheres, dois homens por cada mulher, que colhia a azeitona para um médio ou grande agricultor, a troco de um décimo da produção: de cada dez alqueires de azeite, um alqueire (13,5 litros) era da camarada. No final da campanha (colheita), o azeite era distribuído por todos os membros.
Ao cantar do galo mais madrugador, às 5 horas da manhã, um homem da camarada ia à Praça tocar a corneta para que as mulheres se levantassem a fazer o almoço (pequeno almoço) aos seus homens: batatas ou feijão. Mais a merenda para um dia de trabalho.
Duas horas depois, confluíam para a Fonte Velha, chamados pelo toque do búzio da camarada, que partia depois em direção do seu olival, longe ou perto.
A colheita fazia-se a ritmo acelerado, pois tinham de colher azeitona suficiente para fazer o ordenado de cada membro da camarada. Os corpos magros e enregelados subiam e desciam escadas e as mulheres acorriam aos gritos de “Fato”. Os dedos frios das mulheres mal conseguiam catar as bolinhas negras no meio de ervas e terra. No início, o lume era mais fumo que fogo e uma passagem breve por lá apenas iludia o corpo.
Cantava-se para esquecer. Os homens desafiavam as camaradas que passavam ou andavam por perto. O diálogo gritado envolvia dois homens:

- Ó João, dá cá o podão!
- P´ra quê?
- P´ra malhar aqueles que além vão.
E torna-o cá a dar,
- P´ra quê?
- P´ra os tornar a malhar!


Os da outra camarada respondiam à letra:

- Ó João!
- O que é?
- Dá cá a navalha.
- P´ra quê?
- P´ra malhar aqueles canalhas.
E torna-a cá a dar.
- P´ra quê?
- P´ra os tornar a malhar!


As mulheres, alheias a estes rituais guerreiros, entoavam canções melodiosas com letras ligadas à tarefa que as ocupava:

(Uma voz) A oliveira da serra
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Que azeitona pode dar
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Uma voz) Dará uma, dará duas
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Dará três se carregar
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)
Vai de lá ó Maria
Tudo é um bem querer
Está um ar amoroso
Não te posso ir a ver


Se a oliveira a falasse
Ai solidão, solidão
Ela diria o que viu
Ai, ai, ai, ai, ai
Debaixo da sua rama
Ai solidão, solidão
Dois amantes encobriu
Ai, ai, ai, ai, ai

E continuavam com outras quadras…
Mas o ganho era sempre magro, mesmo com muito trabalho. Por isso, à passagem de algum rico ou na ida do patrão ao olival, colhia-se um ramo de oliveira e oferecia-se:

Tome lá este raminho
Da minha mão se oferece
Ainda não é tão delicado
Como o senhor o merece


Ou

Tome lá este raminho
Todo cheio de alegria
Onde vão meus cumprimentos
E de toda a companhia


A simpatia pagava-se com dinheiro, para terem vinho a acompanhar o jantar (almoço).
Se encontrassem duas folhas pegadas, aproveitavam para reforçar os laços. Um rapaz e uma rapariga pegavam cada um num lado e rasgavam-nas, dizendo:

(Um) - Como se chama o menino?
(Outro) - Raminho de bem querer.
(Davam um aperto de mão)
(Ambos) - Vamos ser compadres até morrer!

No último dia da colheita, faziam um jantar ou ceia com bacalhau, batatas e couves. O patrão dava o vinho e o azeite.
Depois iam ao lagar do patrão buscar a paga. E comiam uma taborna (tiborna): pão torrado embebido no azeite novo. O ganho era dividido por toda a camarada e corria-se à procura de mais trabalho, na esperança conseguir azeite para todo o ano.

Como habitualmente, nestas tradições mais antigas, baseei-me num trabalho escolar da minha irmã Maria Isabel dos Santos Teodoro. Ela ouviu-as da boca dos nossos pais António Teodoro e Maria da Luz (Prata).

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O nosso falar: bátega d´água

Já aqui escrevi sobre a gravanada. Depois pus-me a pensar nas formas de chuva que havia e encontrei: gravanada, bátega d´água, bem chuvidinha, a cântaros e carujar. Já houve de todas, neste Outono, menos a chuva a cântaros ou potes.
Deixo-vos um glossário com os termos vicentinos para os diferentes tipos de chuva.

Bem chuvidinha: Era a chuva preferida dos nossos. Podia estar uma semana a chover, calmamente, nem estiava, nem chovia forte, que as nossas gentes não se aborreciam.
“Deixa estar que ela é cá precisa!”
“Assim é que é bom, entra toda na terra, para os nascentes correrem, quando fizer falta.”
Com a chuva bem chuvidinha, não há erosão dos terrenos, nem enxurradas destruidoras. A chuva cai e só faz bem: a terra mata a longa sede do estio e depois armazena para o resto do ano.

Carujar: Não é, nem deixa de ser. Quase dispensa o guarda-chuva, mas chamam-se parvos aos que andam debaixo deste carujo, sem proteção. Refresca, mas mal assenta o pó, se estivermos no tempo dele. "Está a cair um carujozito.", diziam os nossos mais antigos.

Gravanada: É uma chuva repentina, intensa, mas só dura breves minutos. Vem acompanhada de vento forte.

Bátega d´água: Cai repentina e intensa, também, mas por mais tempo do que a gravanada. Entre os 10 e os 30 minutos é o tempo de uma trovoada d´água ou pancada d´água, como também se diz. Provoca pequenas enxurradas.

Chover a cântaros ou a potes: Este termo é do tempo em que se ia à fonte com o cântaro ou o pote à cabeça. Imaginem que despejavam a água toda de uma só vez! É assim a chuva a cântaros, diluvial, intensa e demorada. Caem grandes quantidades de água durante largos minutos e até horas. Por vezes abranda e volta a cair com a mesma intensidade. "Chovia se Deus a dava!"
É a chuva das enxurradas e inundações.

Nota: Este texto foi reescrito no dia 1 de Dezembro, com base nos comentários do Ernesto Hipólito.

sábado, 19 de novembro de 2011

O nosso falar: gafa


Oliveira multicentenária na tapada de José dos Santos Candeias, por cima do Cimo de Vila.

Notícias do mundo agrícola, para quem está longe e com vontade de azeite novo.
Este ano a azeitona amadurou mais cedo, porque o mês de Outubro foi muito quente. A produção de azeitona será inferior à do ano passado e a qualidade do azeite ligeiramente menor.
Isto derivado da mosca, que não da gafa.
O Verão foi primaveril e a mosca não morreu com o calor, como pertence, antes continuou a furar frutos e pôr ovos. O resultado é a azeitona estar muito bichosa, em certas zonas. A chuva ventosa já tombou alguma, mas muita da colhida está furada, por isso o azeite não será tão puro. Por outro lado, em certas zonas, a azeitona engrossou muito com a chuva e por isso não fundirá como no ano passado.
Não que em S. Vicente se tenha dado por isso, pois muita gente recebeu do lagar azeite a 12 kg por litro, de azeitona sãzinha e miudinha. Mas quem levou a azeitona para mais longe teve fundas a 8. Este ano parece que dão o azeite pelos 10kg/l, nada mau, em ano em que a funda real andará próximo dos 9, em média.
Mas voltemos à azeitona. O mal dela é a mosca, não a gafa. Julgava que fosse um regionalismo, mas o site da SAPEC informa-me que a gafa ataca sobretudo a azeitona galega e acontece quando há muita humidade e calor, isto é, tempo quente e húmido durante o amadurecimento. O calor e a humidade são condições propícias ao desenvolvimento dos esporos que existem nos ramos e nas folhas. Já sabia da humidade, mas pensava que era do frio. Uma oliveira com gafa tem a azeitona podre e as folhas também morrem e caem.
Pelo menos livrámo-nos da gafa, graças a um Outubro seco.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Eleitores e elegíveis, 1840

Em Março de 1840, a Junta da Paróquia foi solicitada pela Câmara Municipal a apresentar a lista das pessoas que tinham direito a votar e a ser eleitas, na eleição dos senadores e deputados.
Propuseram-se os seguintes votantes:

Vila
António Rodrigues Castanheira
António de Oliveira
António Leitão
António Ferreira de Carvalho
Bonifácio José de Brito
Bernardo António Robles
Domingos Silva
Francisco António Leitão
Francisco António de Macedo
Francisco Duarte Lobo
Francisco Henriques
Francisco Rodrigues Lobo
Francisco Vaz Raposo
Francisco Nicolau
Francisco Cardoso de Almeida
Francisco Cardoso Sénior
Gregório Fernandes
Jacinto Nunes
João Robalo da Cunha
Padre João António Ribeiro
João Duarte Neto
João de Mesquita
João dos Santos Vaz Raposo
João Agostinho
João Duarte Remoaldo
João Duarte Marques
João Duarte do Casal
João de Oliveira Couto
Joaquim José da Rocha
Joaquim Duarte Lopio
Joaquim de Macedo
Joaquim Nunes
Joaquim José Gonçalves
Padre José Fernandes
Padre José Vaz
José Henriques Sénior
José Hipólito
Padre José Maria de Moura
José da Conceição
Padre Manuel Marques Leite
Manuel Simão
Manuel Duarte Durão
Manuel de Oliveira
Matias Henriques
Matias Vaz dos Santos

Casal da Serra
João Caetano
Joaquim Cruz
José Caetano
José Cruz
Manuel Cruz

Pereiros
António Fernandes Pedro
João de Oliveira
José António
Manuel Brás
Manuel Rodrigues

Paradanta
João Mendes
João Monteiro
Rodrigo Leitão

Partida
António Fernandes Varanda
António Martins
Domingos Fernandes Raposo
João da Costa
José Freire
Manuel Martins Dâmaso
Manuel Martins Pedro

Vale de Figueiras
Domingos Vicente
João Martins Pedreiro
José Rodrigues do Ribeiro
Manuel Francisco

Violeiro
Francisco Vaz
José Fernandes Sapateiro

Mourelo
Francisco Varanda
João Faustino
Manuel Leitão Matias
Manuel Gonçalves Bartolomeu

Tripeiro
Francisco José do Lopio
Francisco Valentim
Francisco Afonso
João Ramalhoso
Joaquim Magueijo
José Martins
Paulo Lourenço

Cidadãos da freguesia com direito a serem votados deputados:
1.º Bonifácio José de Brito Coelho de Faria
2.º João Robalo da Cunha Pignatelly da Gama
3.º Padre Manuel Marques Leite (Vigário)

Cidadãos da freguesia com direito a serem votados senadores:
Nenhum

Notas:
1.Relembro que o direito de votar e ser eleito se baseava nas posses do chefe de família. Os remediados podiam votar e os mais ricos podiam votar e ser eleitos. Os pobres não tinham direitos políticos, assim como as mulheres.

2. É curiosa a abundância de homens chamados Francisco e João. A grande devoção a São Francisco e a São João Batista influenciava a escolha dos nomes para os bebés rapazes.

3. Ainda se designavam as pessoas pela profissão e pelo local de origem: João Martins Pedreiro e José Fernandes Sapateiro; Francisco José do Lopio (Casal do Lopio – Barbaído) e João Ramalhoso (Casal do Ramalhoso – Sobral do Campo). Aos pais com filhos do mesmo nome acrescentava-se Sénior: José Henriques Sénior e Francisco Cardoso Sénior.

4. Estes 82 eleitores representavam 25% das famílias da freguesia, tendo em conta os dados do Censo de 1801 (323 vizinhos e 1397 habitantes). Em 1878, a freguesia já contava com 2248 pessoas, registando-se assim, um significativo aumento da população. Em 1840, o número de vizinhos (aglomerados familiares) seria superior a 323, pelo que os 82 eleitores representariam 23% a 24% dos vizinhos. Em média, em cada quatro famílias havia uma com um eleitor.

5. Em 1840 a Junta da Paróquia integrava os seguintes membros:
Presidente: António Rodrigues Castanheira
Regedor: Francisco Henriques
Matias Henriques
João da Conceição
José Rodrigues Marques
João Duarte Marques
Substitutos: Manuel de Oliveira, José Duarte Marques, Joaquim Henriques, João da Silva Lobo e José da Conceição
.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O nosso falar: gravanada

Ontem o dia esteve de gravanadas.
Fui a São Vicente. Sobre Almaceda e a Partida caía uma chuva forte, mas na Vila ainda brilhava o sol. A caminho do Ribeiro de Dom Bento, parei o carro para limpar a terra de uma valeta, pois a água abre sulcos no caminho. Mas caiu uma gravanada e tive de fugir para o carro. Depois estiou. Na descida do Carvalhal Redondo, nova paragem por causa de uma valeta cheia de caruma. Continuei caminho e outra gravanada obrigou-me a esperar, à chegada.
Parou de chover e fui colher alguns diospiros atrasados e depois apanhei as poucas castanhas que os esquilos deixaram para mim.
"Obrigado, esquilos. Para o ano, nem vale a pena tapar os ouriços com a rede. De uma forma ou de outra, são vossas. Sirvam-se à vontade!"
Enchi o peito do ar da serra, espraiei os olhos pelas minhas árvores e vim para a Vila. Almocei com a minha velhota e nova bátega forte, mas esta apanhou-me debaixo de tecto.
Regressei e fui dar aulas. Faltavam 15 minutos para o toque de saída e começou a ficar muito escuro. Depois um vento violento atirou gotas grossas contra as vidraças. Nenhum aluno trouxera proteção para a chuva e quase todos iam para casa a pé. Parecia que nunca tinham visto chover!
E eu a tentar acabar a matéria: "Estejam descansados. À hora de saída já passou. Hoje esteve assim todo o dia, as chuvadas não demoram mais de 10 minutos!"
"Se estiver a chover à saída e nos molharmos, a culpa é do stôr!"
Deixou de chover antes da saída e eu próprio vim a pé para casa.

Gravanada é uma chuvada curta e intensa. Se ainda houvesse gente como antigamente, diríamos gravaneda ou até graveneda. Mas agora andamos todos muito finos...