quinta-feira, 25 de junho de 2009

Prata

O jornal Reconquista tem vindo a publicar, quinzenalmente, trabalhos meus sobre a Póvoa de Rio de Moinhos. Já foram publicados 5 e o próximo sai na quinta-feira da semana que vem. Em Agosto, será publicado o último.
Esta colaboração surge no âmbito de um estudo sobre esta povoação, realizado por uma equipa de pessoas, a que me associei, em honra do meu bisavô António Prata, natural da Póvoa.


Registo do baptismo do meu avô João Prata
(Clicar na imagem, para ler melhor)

Genealogia dos Pratas, em S. Vicente da Beira:
1. João Prata e Joaquina da Cruz moravam na Póvoa e tiveram um filho a quem chamaram António Prata.
2. António Prata era ferreiro e foi trabalhar para S. Vicente, onde casou com Maria Castanheira, natural do Souto da Casa, filha de António Castanheira e Rosária da Costa. Maria Castanheira já enviuvara duas vezes e teve filhos dos anteriores matrimónios, ambos em S. Vicente. O casal morou na Rua da Cruz, na última casa à esquerda de quem sobe, onde funcionava a casa da roda, pois Maria Castanheira desempenhou as funções de ama das crianças enjeitadas. António Prata e Maria Castanheira tiveram dois filhos: Ana Prata e João Prata, que se seguem.
3. Ana Prata casou com Miguel Rodrigues. Viveram na Barroca, junto à Laje do Paço. Ainda os conheci, em meados dos anos 60. O casal teve 10 filhos: Maria Prata, Maria Castanheira, Cecília, Maria da Luz, Palmira, João, José Maria, Luís, José e Eusébio.
4. João Prata nasceu a 15 de setembro de 1885 e casou com Dorotheia de Jesus dos Santos, herdeira da fazenda da Oriana, onde o casal construiu o seu lar. Tiveram 8 filhos: Maria José, Carlota, Estela, José, António, Laura, Maria da Luz e Maria dos Santos.


Ana Prata


João Prata

Curiosidades:
- A família Prata já vive na Póvoa há mais de 250 anos. No século XVIII, alguns Pratas foram membros da governança, isto é, pertenciam ao grupo de pessoas que participavam no governo da Póvoa (a governação de um concelho ou mesmo de uma freguesia envolvia duas ou três dezenas de pessoas e os cargos eram quase todos anuais e rotativos). Não será estranho a esta realidade o facto de o meu avô João Prata ter feito parte da Junta de Freguesia por vários mandatos, num total de cerca de 24 anos, e do actual Presidente da Junta de Freguesia ser um neto dele. É uma tradição familiar com centenas de anos.
- Como se pode verificar na genealogia apresentada, há nesta família uma sucessão de membros do sexo masculino com nomes de João e António que chegou à actualidade, pois o meu avô João Prata chamou António (Prata) a um filho e este deu o nome de João a um dos seus filhos, o João Benevides Prata.
- O meu bisavô António Prata, na sua velhice, apenas desejava voltar a ser o menino da sua Póvoa natal. Tanto teimou, tanto insistiu, que um dia abalou e o filho foi apanhá-lo já longe, a caminho da Póvoa.
- A tia Ana Prata era um mulher muito bonita. Quem o afirmava era a D. Maria de Lurdes Doria, esposa do Engenheiro Luís Martinho. A tia Ana foi sua ama de leite, amamentando-a em simultâneo com o filho João (Coxo). Certamente, também foram os olhos do coração que a viram como a mulher mais bonita de S. Vicente!

domingo, 21 de junho de 2009

Guerra dos Sete Anos


Aspecto actual dos antigos paços do concelho. Foto da página do GEGA, na Internet, possivelmente tirada pelo Tó Sabino

A Guerra dos Sete Anos em S. Vicente da Beira: a casa da Câmara e a festa do Santo Cristo
(Síntese da intervenção de José Teodoro Prata, no "Colóquio Internacional - Memória e História Local", realizado em Idanha-a-Nova, nos dias 19, 20 e 21 de Junho de 2009.)

Na Guerra dos Sete Anos (1757-1763), a comarca de Castelo Branco foi invadida e ocupada pelo exército franco-espanhol, desde fins de Setembro a finais de Novembro de 1762. Em 21 e 22 de Outubro de 1762, o exército espanhol atacou e incendiou parcialmente a vila de S. Vicente da Beira. No primeiro dia, mataram Joaquim de Proença do Sobral do Campo, que ali se encontraria em serviço militar, como membro da ordenança, ou por acaso fortuito. No dia seguinte, morreu arcabuzado José dos Santos, também pelos castelhanos. Os documentos dão-nos ainda notícia do Padre João Antunes do Casal da Serra, capelão de Santiago, no monte da Partida, o qual foi levado pelos castelhanos e nunca mais voltou.


Clicar na imagem, para ler melhor.

Na Póvoa de Rio de Moinhos, em dia não determinado, também os castelhanos obraram violências e destruições: partiram portas e sobrados, roubaram alimentos e o padrão de pesos e medidas e levaram consigo oito homens «…dos bons do povo…», um dos quais Manuel Martins Preto, que morreu em Alcântara.
No dia 2 de Janeiro de 1764, a Câmara de S. Vicente da Beira requereu autorização para a reconstrução da casa da Câmara, com os dinheiros do concelho, dos lugares do termo, incluindo da Póvoa, e de uma finta derramada por todos os moradores do concelho. A Câmara da Póvoa opôs-se, por ser um concelho à parte e por estar isenta de fintas. O processo arrastou-se até 27 de Agosto de 1765, tendo o poder central decidido mandar arrematar a obra até ao valor de 300 000 réis, sendo superintendente o Juiz de Fora de S. Vicente da Beira. As relações de poder exerciam-se, hierarquicamente, das Câmaras Municipais para o Provedor da Provedoria de Castelo Branco, a nível regional, e deste para o Provedor da Coroa.
Em 1767, a casa da Câmara de S. Vicente da Beira estava concluída. O 1.º andar era formado pela sala do tribunal, o espaço mais amplo, uma sala de vereações e uma sala com lareira. Totalmente separada destes espaços, existia a casa do carcereiro, com alçapões de acesso às prisões. O rés-do-chão tinha, além das enxovias dos presos e das presas, uma estrebaria para os cavalos e dois espaços cedidos à Igreja da Misericórdia, contígua à Câmara, funcionando num deles a Sacristia.
Anualmente, o ponto alto da religiosidade, em S. Vicente, é a festa ao Santo Cristo, realizada, até cerca de1980, no 3.º fim-de-semana de Setembro e, actualmente, no 1.º fim-de-semana de Agosto. Desconhece-se a sua origem, mas é possível relacioná-la com esta invasão dos castelhanos:
- em 1758, o Santo Cristo da Misericórdia era venerado durante todo o ano;
- de Agosto a Novembro de 1762 houve uma mortandade na freguesia de S. Vicente, tendo o n.º de óbitos subido, em 1762, de uma média anual de cerca de 20 para 49, e destes, 31 só neste período;
- o ataque dos castelhanos ocorreu no pico da mortalidade;
- a casa da Câmara é contígua à Igreja da Misericórdia, morada do Santo Cristo, e só por milagre terá sido poupada pelas chamas;
- a publicação “O Domingo Ilustrado” (Lisboa, 1897) faz referência ao ataque dos castelhanos e à epidemia, que se extinguiu por voto dos vicentinos de realizarem uma festa anual ao Santo Cristo da Misericórdia.
Este assunto requer ainda novas investigações, mas já se pode concluir que a festa do Santo Cristo foi criada logo após 1762, como agradecimento e para que a vila de S. Vicente ficasse protegida de novas calamidades.



A antiga casa da Câmara, apenas parcialmente alterada. Foto da página do GEGA, na Internet, certamente recolhida pelo Tó Sabino.

Nota: A partir do "Tombo dos bens do concelho", de 1767, e com a ajuda dos serviços técnicos da Câmara Municipal de Castelo Branco, já consegui reconstituir os antigos paços do concelho, cujas plantas foram desenhadas pelo nosso conterrâneo Miguel Santos. A publicar...

sábado, 20 de junho de 2009

Memória Local

Acabo de chegar de Idanha-a-Nova, onde participei no "Colóquio Internacional - Memória e História Local", promovido pela Universidade de Coimbra e pela Câmara Municipal de Idanha-a-Nova. S. Vicente da Beira foi das povoaçãos mais faladas neste colóquio:
- A água que se bebia era fonte da fraga.
- Ontem, sexta-feira, o Dr. João Marinho Santos, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e natural das Sarzedas, lançou o livro "Notícias e Memórias Paroquiais Setecentistas". A apresentação coube à Dr. Maria Helena Coelho, da mesma faculdade, que fez cerca de uma dezena de referências a S. Vicente da Beira.
- Hoje, depois do almoço, apresentei a minha intervenção, com o título "A Guerra dos Sete Anos em S. Vicente da Beira: a casa da Câmara e a festa do Santo Cristo". Em breve, publicarei aqui um resumo.



O livro do Dr. João Marinho Santos contém as várias notícias, publicadas no século XVIII, das povoações do actual concelho de Castelo Branco.
Sobre S. Vicente da Beira, traz:
I - Memória de 1758 (Já publicada pelo Dr. Pedro Rego, com o apoio da Junta de freguesia de S. Vicente da Beira, onde se realizou o lançamento)
II - Notícia de 1708 (P.e António Carvalho da Costa, Corografia portuguesa, e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal...)
III - Notícia de 1711 (Frei Agostinho de Santa Maria, Santuário mariano e história das imagens milagrosas de Nossa Senhora...)
IV - Notícia de 1768 (Paulo Dias de Niza, Portugal Sacro-profano, ou catalogo alfabetico de todas as freguezias dos reinos de Portugal, e Algarve, das igrejas com seus oragos...)
V - Notícia de 1800 (D. José de Cornide, Estado de Portugal en el año de 1800, Tomo II, in Memorial Histórico Español)

O livro tem a vantagem de reunir numa mesma obra todas estas notícias e memórias.
Custa 15 euros e é editado pela editora Palimage.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Andorinhões


Habituado às andorinhas que nidificam no meu beirado, em Castelo Branco, já esquecera os andorinhões de S. Vicente. Mas eles continuam a reinar nos céus da Praça.
Fui fotografar os antigos paços do concelho e lá andavam, nas suas acrobacias vetigionosas. Mas apanhei-os! Vejam.



O seu nome engana. Nem sequer são da família das andorinhas. Os asiáticos comem os ninhos dos andorinhões a que chamam ninhos de andorinha, uma especialidade culinária.
Não perder o artigo da Wikipédia sobre os andorinhões.



Imagens: a primeira e a última são da Internet.

sábado, 13 de junho de 2009

Parlamento Europeu


Eleições para o Parlamento Europeu, 2009

RESULTADOS:

Total nacional (percentagem):
PSD - 31,69%; PS - 26,57%; BE - 10,73%; CDU - 10,66; CDS - 8,37%

Distrito de Castelo Branco (votos):
PSD - 24 381; PS - 22 570; BE - 7 321; CDU - 5 437; CDS - 5 252

Concelho de C. Branco (votos):
PSD - 5 930; PS - 6 157; BE - 2 488; CDU - 1 254; CDS - 1 517

Freguesia de S. Vicente da Beira (votos):
PSD - 267; PS - 216; BE - 41; CDU - 20; CDS - 36



Sede do Parlamento Europeu, na cidade de Estrasburgo, França.


Estados-membros da União Europeia (a vermelho) e países candidatos à adesão (a amarelo).

quarta-feira, 10 de junho de 2009

O Geoparque da Naturtejo


O Geoparque
A UNESCO, em conjunto com a União Internacional de Ciências Geológicas, criou, em 2004, a Rede Mundial de Geoparques.
Um geoparque é, por definição, um território de limites bem definidos, com uma área suficientemente grande para servir de apoio ao desenvolvimento sócio-económico local. Deve abranger um determinado número de sítios geológicos de relevo ou um mosaico de entidades geológicas de especial importância científica, raridade e beleza, que seja representativa de uma região e da sua história geológica, eventos e processos. Poderá possuir não só significado geológico, mas também ao nível da ecologia, arqueologia, história e cultura.


O Geoparque da Naturtejo
O Geoparque da Naturtejo abrange os concelhos de Idanha-a-Nova, C. Branco, Vila Velha de Ródão, Nisa, Proença-a-Nova e Oleiros.
A Naturtejo é a empresa intermunicipal que gere este geoparque.
Para saber mais, consultar www.naturtejo.com. À direita, clicar em Geossítios.

A Rota da Gardunha


Esta rota é uma das várias rotas do Geoparque da Naturtejo. Mais informação pode ser encontrada na página da Internet acima indicada, clicando, à direita, em Rotas Naturtejo.
Aquando da criação desta rota, em 2006, o Geoparque estudou a hipótese de pelo menos mais uma rota na freguesia de S. Vicente da Beira: pelo vale da Ribeirinha, desde a Vila à Senhora da Orada. Mas ocorrera então o grande incêndio e a rota ficou para mais tarde. Até hoje.



Algumas notas sobre a Rota da Gardunha:
Em vez de partir do Louriçal e subir a serra íngreme, pode começar-se no Casal da Serra e seguir pelo percurso P. R. 1. 1, em direcção à Casa da Floresta. Mas abandonar esse percurso a cerca de 800 metros do Casal e continuar pelo caminho à esquerda. Depois subir e descer novamente para o Casal (clicar no mapa acima, para ver melhor).
Junto à Casa da Floresta, há um parque de merendas. Mesmo ao lado, fica a mata dos cedros, para os esfomeados de natureza.




O Castelo Velho está fora da rota. É um castro da Idade do Bronze, mas com reutilizações posteriores. O caminho do percurso passa a cerca de 150 metros. Tem de se virar à esquerda e ir por entre matos e rochas, em direcção à crista do galo e continuar depois desta, até ao picoto. O limite das freguesias do Louriçal e de S. Vicente passa precisamente neste cume.


O Castelo Velho nunca foi estudado, embora tenha um potencial arqueológico enorme. No final do século XIX, cerca de 1890, alguém o visitou e levou alguns achados arqueológicos, que se encontram no Museu Francisco Tavares Proença Júnior de Castelo Branco. Mas os vários poderes nunca se interessaram pelo Castelo Velho, embora esteja ali, possivelmente, a génese do povoamento desta região.


A não perder: descer o percurso entre o Casal e a Torre. É curto, fácil e lindíssimo. Há poucas semanas, os representantes de uma cidade francesa, com a qual o Louriçal se geminou, fizeram esse percurso, apenas.






quarta-feira, 3 de junho de 2009

Rota da Gardunha


Foi na Primavera de 2007, menos de um ano após o grande incêndio que despiu a serra.
Participei na inauguração da Rota da Gardunha, a mais bonita rota do Geoparque, na opinião de um dos seus criadores, o geólogo Carlos Carvalho.
Ao chegar a casa, pus no papel o que me ia na alma. Aqui vai:



Louriçal do Campo, 9 horas, recinto de festas. Apresentação do Geoparque e da Rota da Gardunha e partida. Contornamos a Igreja, é de São Bento, bi ne di te, como informa a pedra com a cruz de Avis. O templo foi construído por Petrus, em 1559, segundo o Edgar Fernandes, com o latim mais fresco que o meu. Viramos a nordeste, pela Rua do Casalinho e seguimos, entre casas e hortas, com ramos floridos debruçados nos muros, a ver-nos passar.
Enfim, a serra, sempre a subir, a subir. Por entre pinheiros, tojos, carquejas, estevas e giestas. O corpo já aquece, mas a brisa arrefece à medida que trepamos.
Cruzamento para o Casal da Serra, primeiro reforço, de águas, maçãs e laranjas. E uma oportunidade a quem não quer trepar mais e segue pelo percurso alternativo.
Continuamos. Mais acima, o bosque dos cedros, onde apetece descansar e merendar. O caminho dá agora uma grande volta e na curva espera-nos a recompensa, um bonsai de carqueja, com tronco ressequico e retorcido, no alto da rocha. Seguimos até ao miradouro da Baldaia, com o anfiteatro de Castelo Novo ao fundo e em volta rochas e mais rochas, paisagem lunar que o último incêndio realçou. Mas é terrena, pois tojos teimosos exibem as suas flores e o chão já se cobre de florinhas cor-de-rosa.
A nossa direcção é o Castelo Velho e por isso viramos à esquerda. Já se avista a rocha em crista de galo, daqueles que antes se criavam para haver ovos galados para o choco. Mas ainda não vamos para lá. Continuamos em direcção ao cume da Gardunha e pasmamos com uma paisagem cravada de penedos. A alguns, o tempo cortou talhadas, a outros, esquartejou a superfície, em quadrícula arredondada. São as meninas dos olhos do geólogo Carlos Carvalho.
Cortamos a mato, para o Castelo Velho. A crista de galo, já mais perto, dá boas fotos aos caminheiros, que também levam consigo a rocha com cara em cabeça de râguebi.
Deixamos o percurso e viramos à esquerda, para o castro lusitano, em homenagem aos nossos antepassados de há três mil anos. É difícil encontrar um acesso até ao picoto. Atravessamos panos de muralha derramados pela encosta, que ninguém já reconstrói. No alto, o deslumbramento, o prémio para quem ousou. Apetece ficar, sentado na laje, a beber toda a paisagem que se estende a nossos pés. À esquerda, o cume de Monsanto espreita pela toalha de nevoeiro, em frente, dois altinhos, Cardosa e S. Martinho, ajudam-nos a localizar Castelo Branco. Em baixo, azul, no verde acastanhado, a água da Marateca.
Mas não podemos ficar. Voltamos ao caminho e descemos a serra quase a correr. Por baixo dos nossos pés, o sussurro de água. Nos anos 40 e 50, tiveram que esventrar a serra, para saciar Castelo Branco, que crescia. Até ao Casal da Serra, é como se deslizássemos dentro de uma concha, até abaixo, onde camponeses desbravaram a terra e fizeram um casal. Há uma vaca, que nos fixa com olhar calmo, mas afinal é um boi. À frente, um cavalo, na sua elegância vaidosa. Depois um sardão, daqueles grandes e verdes, que mal se vê, porque desapareceu no buraco, escaldado de maus tratos.
Enfim, a casa dos telhados em bico, que Salles Viana projectou, a pensar nos Alpes Suíços. Segundo reabastecimento. As sandes de carne assada acabaram-se, mas há um queijo fresco, grande como a roda de um carro. Atrasados, não temos tempo para ele e por isso ensarroamo-nos de fruta, prontos a saltar do colo em que a Gardunha envolve o Casal, desfiladeiro abaixo, com a Ocreza, até ao campo.
A natureza excedeu-se, aqui. Eu andava quase morto na cidade e o paraíso aqui tão perto! A Ocreza atira-se à maluca, serra abaixo, despenha-se, espraia-se em lagoas, torna aos precipícios e nós, embalados com a sua música, mas mais prudentes, vamos descendo, às vezes em três, outras em quatro, com correntes de ferro a ajudar nos sítios mais difíceis.
Entramos num moinho pelo telhado e saímos pela porta. O moleiro já cá não vem, nem há taleigas pelos cantos. Atravessamos a Ocreza para a outra margem. Cabrinhas brancas, em verde de fetos, casas e mais moinhos abandonados. Um burro espoja-se na terra e o dono diz-me que este casal é o dos Pinhões.
Mais casas e moinhos, é a Torre. Durante séculos, este vale da Torre, junto com o vale de Castelo Novo, com mais de cinquenta moinhos, mataram a fome de pão à comarca de Castelo Branco, segundo documentos antigos.
Voltamos a atravessar a Ocreza, agora em pontão de madeira, e ficamos por ali, entre o verde e a água irrequieta e pura, sem vontade de continuar. Mas são quase catorze horas. Seguimos por veredas, entre hortas. Agora chega, o corpo já pede trato e descanso. Depois da capela de S. Sebastião, rua fora e final. O almoço reconforta-nos.
E regressamos, mas ainda vamos espreitar o casarão que foi o colégio jesuíta de S. Fiel. Os portões estão fechados e, da sabedoria que aqui bebeu o nosso nobel Egas Moniz, nem sinais.
Pela estrada, que foi o caminho dos moleiros em direcção à estação de comboios da Lardosa, sinto-me como o Malhadinhas do Aquilino Ribeiro, que já com dois carros de anos em cima ainda gostava de saborear a vida.