domingo, 23 de agosto de 2009

P.e António Branco

Parabéns!
O menino nasceu, na Panasqueira, a 23 de Agosto de 1924. Era filho de António Lopes Branco, natural de Casegas, e de Luzia de Jesus Marques, natural de S. Vicente da Beira. Puseram-lhe o nome de António Francisco Branco Marques.
Hoje, faz 85 anos. Parabéns, P.e Branco!


Como nasceu o livro

O convite chega-me pelo P.e José Manuel Figueiredo, na Primavera de 2007. A prenda seria oferecida ao P.e António Branco, no dia do seu aniversário, em Agosto de 2008.
O desafio é, à uma, prestigiante e inquietante. Honra-me escrever um livro sobre a pessoa que mais contribuiu para o desenvolvimento de S. Vicente da Beira, mas porquê eu, que, na minha juventude, tantas discordâncias tivera com o P.e Branco?
Começam as trocas de e-mails, com os padres José Manuel e José Leitão, e as dúvidas vão-me surgindo: escrever uma biografia em que se mostrasse a pessoa totalmente, nas suas virtudes e defeitos ou um livro de homenagem, honrando um homem pelo serviço prestado à comunidade? Peço opiniões e, mais do que as respostas dos outros, o tempo vai-me amadurecendo a certeza: não se honra um homem que dedicou toda a sua vida aos outros, mesmo fazendo-o à sua maneira, atirando-lhe as fraquezas à cara, embora disfarçadas em bonito invólucro de prenda de aniversário.
Em Setembro, desloco-me ao couto mineiro da Panasqueira, onde o P.e Branco tem as suas raízes, mas primeiro passo por Bogas e Janeiro, paróquias onde ele trabalhou. Falo com pessoas, recolho testemunhos e guardo memórias, na máquina fotográfica.
Segue-se a investigação nos documentos escritos. Os muitos exemplares do jornal “Pelourinho” que o P. José Manuel me entrega são, para mim, uma revelação. Está lá quase tudo, sobre a vida da paróquia, entre 1962 e 1973. Procuro os que faltam no Pedro Inácio Gama e depois no José Manuel dos Santos e no João Benevides Prata. E vou-me recordando daqueles tempos, sobretudo dos que foram os da minha infância e adolescência. De muitas coisas, nem tive conhecimento na altura.
Há que esclarecer dúvidas, consolidar certezas, acabar com mitos. Falo com o Sr. José Matias sobre a electrificação da Vila. Com outras pessoas sobre vários assuntos. Vou-me apoiando em quem viveu os principais factos, dos quais o P.e Branco foi agente principal ou mesmo secundário. Os meus pilares de apoio são os padres José Manuel e José Leitão, a que vou juntando o Pedro Gama Inácio, o José Manuel dos Santos, o casal João Prata e Maria do Carmo, o casal Ernesto Hipólito e Celeste Jerónimo, o Pedro Matias e outros. São eles que me fornecem o grosso das fotografias necessárias. E telefono à irmã do P.e Branco, Maria Libânia, ainda a viver no Cabeço do Pião, que me conta histórias da sua infância e depois me envia fotos de família, pelo P.e José Manuel.
Nessa altura, já o livro tem forma na minha cabeça. A base será composta por depoimentos de amigos e de pessoas institucionalmente ligadas ao trabalho do P.e Branco. Consulto o P.e José Manuel sobre a lista das pessoas a quem pedir depoimentos. Chegamos a acordo, mas a lista vai sendo acrescentada e o livro enriquece. Fica de fora o povo anónimo, mas o fracasso na recolha do depoimento de uma pessoa pouco ligada ao mundo da escrita leva-me a ser pragmático.
Faz-me falta uma conversa com o P.e Branco. Há coisas que só ele me poderá esclarecer totalmente, mas não se lembra, na visita que lhe faço, com mentiras da minha parte, na tentativa de ocultar a prenda-surpresa que lhe preparamos. Mas empresta-me fotografias, “para um estudo em que ando a trabalhar”.
O livro está quase acabado no meu computador. Levo-o ao Carlos Azevedo Matos, do Salgueiro do Campo, professor de Artes na Secundária de Alcains, quase meu vizinho, em Castelo Branco. Ele faz o arranjo gráfico. Em Maio, já de 2008, vamos a S. Vicente, tirar duas ou três fotografias que faltam. E passamos pelas cerejas do Ribeiro de Dom Bento.
Peço ao meu primo Jaime Teodoro Nicolau apoio para o livro. O P.e José Manuel faz o mesmo junto da Fonte da Fraga, na pessoa do Pedro Matias.
Em meados de Agosto, o livro chega da tipografia. É uma excelente prenda de quem muito recebeu para quem tudo deu. E na festa de homenagem da paróquia ao seu ex-pároco, o P.e António Branco está feliz, rodeado de muitos amigos e pelo livro que recebeu de prenda lhe permitir recordar o tanto que ficou para trás nos seus 84 anos de vida.

Nota: O livro Uma vida em construção – Homenagem ao Padre António Branco pode ser adquirido, em S. Vicente, junto da Comissão da Fábrica da Igreja, e, em Castelo Branco, na Livraria Multimédia, ao lado da Sé.


O P.e Branco, em criança, com as irmãs Maria Libânia e Maria José. Foto de família.


Casinhas dos trabalhadores, no Cabeço do Pião. A família do P.e Branco veio habitar a primeira a ser construída. Foto de Tiago Rodrigues Teodoro.


O Cabeço do Pião, visto dos lados da Panasqueira. Foto de Tiago Rodrigues Teodoro.


Eu e o meu cicerone e amigo, o P.e José Cortes, em Janeiro de Cima. Ao fundo, o Centro Paroquial, construído pelo P.e Branco. Foto de Tiago Rodrigues Teodoro.


Maria Lucinda Dias de Carvalho, catequista de Janeiro de Cima, na época em que o P.e Branco ali paroquiou. Foto de Tiago Rodrigues Teodoro.


A Casa Paroquial de Bogas de Baixo, a que o P.e Branco construiu o 1.º andar. Foto de Tiago Rodrigues Teodoro.


Adelino Simão, amigo pessoal do P.e Branco, em Bogas de Baixo. Foto de Tiago Rodrigues Teodoro.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Padre Branco


O Padre António Branco, na Senhora da Orada. Foto do P.e José Leitão.

O tempo ensina-nos muitas coisas. A mim realçou-me a beleza dos mais velhos. Cada vez que me cruzo com um idoso, de passo incerto e rosto enrugado, imagino quantas pessoas haverá a quem aquele homem ou aquela mulher deram tanto de si próprios. Se o mundo é um gigantesco puzzle, cada um colocou nele algumas pequenas peças, encaixando-as no todo.
Por isso, embora às vezes postos de lado, como coisas sem valor, pela forma com estes tempos modernos se organizaram, a eles se deve a vida no presente, embora quem dela beneficia nem sempre se aperceba disso.
E nesta dívida de gratidão pelos mais velhos, há a esfera privada e a coisa pública. Homens e mulheres houve que deram tudo pelos seus. Outros foram mais além e deixaram a sua marca na sociedade, pela obra que edificaram a bem de todos.
O Padre António Branco pertence a esta segunda categoria, ele que tão cedo abdicou de centrar a sua vida na busca da felicidade pessoal, antes se dando totalmente à comunidade.
Há precisamente um ano que a paróquia de S. Vicente da Beira lhe prestou uma justa homenagem, por iniciativa do actual pároco, o P.e José Manuel Figueiredo: missa na Igreja Matriz, descerrar de uma placa toponímica numa rua com o seu nome, lançamento do livro “Uma vida em construção - Homenagem ao Padre António Branco” e lanche partilhado.
Deixando a Deus o que é de Deus, contento-me com o que é de César, relembrando a obra extraordinária que o Padre António Branco teve a capacidade de construir em S. Vicente da Beira.

- Criação da Telescola.
- Urbanização do Quintalinho.
- Electrificação da Praça.
- Arranjo das entradas de S. Sebastião e S. Francisco: ajardinamento dos espaços e alcatroamento das ruas.
- Melhoramentos na Senhora da Orada: alcatroamento da estrada, abertura de parques de estacionamento e reordenamento do recinto da capela.
- Apoio ao Clube.
- Apoio à Banda Filarmónica.
- Apoio à criação dos Escoteiros.
- Construção do Pavilhão Paroquial.
- Obras de restauro de todas as igrejas e capelas da paróquia, com destaque para as da Igreja Matriz, no início da década de 70 e cerca de 1990.
- Restauro das imagens da Ordem Terceira e retomar da sua procissão.
- Aquisição de uma carrinha da paróquia, para transporte dos alunos da Telescola e serviços da paróquia.
- Comemorações dos 800 Anos de S. Vicente da Beira.
- Reforço dos laços entre S. Vicente da Beira e a comunidade de vicentinos a viver na região de Lisboa.
- Reconversão do Pavilhão Paroquial em fábrica de confecções de lã.
- Reconversão do antigo Hospital em Creche e Lar de Idosos.
- Construção da Casa Paroquial.
- Construção da Casa Mortuária.
- Criação dos Museus de Arte Sacra da Santa Casa da Misericórdia e da Igreja Matriz.

Nuns casos teve ajuda, noutros fez tudo sozinho e situações houve em que apenas colaborou com os responsáveis. Parte da obra que realizou nem sequer era da esfera religiosa. Não tinha de se ralar, mas agiu, porque sabia que não basta limparmos a nossa testada, a acção tem de ser global.
Concordo com o final do depoimento do Pedro Matias, no livro que dedicámos ao P.e Branco: «…uma pessoa com uma visão e um empenho que deixam a léguas muitos...»
Por mim, os dedos da mão chegam para contar os que se lhe igualam.


O P.e Branco no campo de futebol, a cumprimentar os jogadores da equipa de S. Vicente, com o senhor Eduardo Cardoso e os dirigentes do Clube, na segunda metade dos anos 70. A foto é propriedade do P.e Branco.


O P.e Branco no campo de futebol de S. Vicente. A pessoa que ele aqui cumprimenta está à direita, na foto anterior, pelo que ambas são da mesma altura. A foto é propriedade do P.e Branco.


O P.e Branco com a comitiva do Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, de visita à Barragem do Pisco, em 1969.


O P.e Branco com o Presidente da Câmara, Joaquim Morão, a descerrarem a lápide que assinala a inauguração da sede dos Escoteiros, ao fundo da Devesa, em 2005. Foto do Pedro Gama Inácio.


O P.e Branco na inauguração da exposição de pintura de Luci Bento (2004), em Santiago, na Partida, acompanhado pela artista, pelo Presidente da Câmara, Joaquim Morão, e pelo Presidente da Junta, João Benevides Prata. Foto do P.e José Leitão.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Invasões Francesas 4

Os Ingleses em S. Vicente

Éramos muitas crianças, à guarda da minha mãe. Ser uma mulher de armas não bastava, pois, além de nos criar, tinha mais as lidas da casa e ainda as do campo. A rédea curta vinha-lhe da ameaça “Se fizeres isso, o teu pai quila-te”, sinónimo de uma boa sovata à noite ou no fim-de-semana, quando ele chegasse.
Ameaça desnecessária, pois o que nos metia na ordem era mesmo o ralho dela, não a ameaça de castigo e muito menos o medo ao meu pai, que não era dessas coisas.

Mas a palavra quila-te intrigava-me. Mais tarde, estudante de inglês, aprendi que o verbo to kill significa precisamente matar.
Influência de uma freira inglesa que viveu no nosso Convento Franciscano? Parecia-me a explicação lógica.
Mas, quando estudei os documentos sobre as Invasões Francesas, deparei-me com 2 Regimentos Ingleses, em S. Vicente da Beira. Terão sido eles a deixar a palavra que deu origem a este nosso anglicismo?




Clicar nas imagens, para ler melhor

O documento da primeira imagem refere a presença, em S. Vicente, dos Regimentos Ingleses N.º 2 e N.º 36. Com eles foi João António, ganhão de Joaquim José de Brito Coelho de Faria, com o carro de bois carregado de mantimentos. Partiram de S. Vicente, no dia 26 de Julho, e acamparam em Chafurdão, onde o ganhão deixou os bois e o carro, no dia 10 de Novembro.

O documento da segunda imagem informa que, em Agosto de 1811, a junta de bois e carro do Capitão João Roiz(Rodrigues) Lourenço Caio, certamente conduzida pelo seu ganhão, andou ao serviço de dois Regimentos de Infantaria Britânica (Inglesa), que passaram por S. Vicente da Beira.

Os dois documentos coincidem na quantidade (dois regimentos) e no tempo (passaram por S. Vicente em finais de Julho/Agosto), pelo que os dois ganhões de S. Vicente terão acompanhado os mesmos Regimentos Ingleses, que estiveram em S. Vicente, por aqueles dias.


Outros serviços dos carreiros da freguesia de S. Vicente da Beira:

S. Vicente
Em Agosto de 1810, o carro de bois de Francisco Ferreira transportou bolacha de Sarzedas para o Fundão, num total de 8 dias. Este lavrador foi a pessoa do concelho que mais dias de serviço prestou aos exércitos português e inglês, entre 1809 e 1812 (95 dias). Morava na Rua Velha e detinha o foro da Comenda de Avis e do Convento das Religiosas, isto é, recebia as rendas que os rendeiros deviam a estes senhores das terras que trabalhavam, ficando com uma parte para pagar o seu serviço e entregando o restante à Comenda ou ao Convento, conforme o caso.
O mesmo foro das Religiosas do Convento já o detivera seu pai (ou avô), Domingos Ferreira, nas últimas décadas do século XVIII (cerca de 1770).

Mourelo
A junta de bois e carro de Manuel Antunes Frade e de José Mateus transportou centeio das Sarzedas para Castelo Branco, tendo gasto 4 dias, em Agosto de 1811.
Também já expliquei que, nos casos em que aparecem dois proprietários, seria por terem a meias a junta de bois e o carro.

Para saber mais, consultar: "O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular", de José Teodoro Prata, publicado pela Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, em 2006.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Escoteiros Radicais


Encontrei a torre da Igreja com andaimes, mas sem obras.
Andaimes com exposição de pintura? Fui ver.
O jogo de cores formava pintura abstracta, mas havia peças para escalada.
Cruzei-me com o Luciano e ele contou-me que fora para os escoteiros fazerem rappel.
Rappel para baixo, o prémio para quem escalou até lá acima.
À velha torre agradou, de certeza, tanta energia à sua volta!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Doce de Amoras Silvestres


Hoje fui a S. Vicente e colhi amoras das silvas. No Ribeiro de Dom Bento ainda agora começaram a amadurecer, por ser na serra (da Gardunha), o que me permite uma nova colheita daqui a uns dias.
Fiz doce, com receita tirada da internet, mas que vem da culinária tradicional portuguesa:

Ingredientes:
2 kg de amoras silvestres
1 limão
1 pau de canela
0.5 kg de açúcar

Descrição:
Lavam-se bem as amoras e colocam-se na panela com o sumo do limão e o pau de canela.
Deixa-se ferver, em lume brando, durante 20 minutos.
Depois tira-se o pau de canela e trituram-se parte da amoras, deixando as restantes inteiras. Junta-se o açúcar. Ferve ao gosto da pessoa.

Nota:
Claro que já aldrabei as quantidades. A receita original indica o sumo de dois limões, mas prefiro apenas um, para o doce não ficar ácido. Deito também só metade do açúcar, porque quero chegar aos 100 anos!

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A Malha



O mangual, com pormenor da ligação entre as duas peças.


As espigas do trigo vergavam com o peso. A ceifa teve de se fazer com cuidado, para não se perderem os grãos. Nada melhor que ceifar bem cedo, começar ainda antes do nascer do sol e já ter acabado quando aquecesse. O trigo já no chão, em paveias, aguardava pelo dia seguinte.
Depois fomos fazer os nagalhos, com o atado de palha alta de centeio mergulhado na água do açude, onde o meu pai plantara a nogueira que trouxe de Aldeia de Carvalho. Uma mão cheiinha de palha de centeio, mais outra porção e atámo-las uma à outra. Mais uma terceira mão cheiinha de palha, atada com um nó à segunda e tínhamos nagalho. Fizemos os necessários para os molhos que calculávamos para o trigo ceifado e deixámo-los amontoados na borda da água, tapados com umas sacas, para não secarem,nem os roubarem.
A manhã estava ganha e ala para casa, a ver do almoço. No dia seguinte, o sol já nos apanhou a juntar as paveias em molhos e a atá-los com os nagalhos. Depois, com o burro, acarretámos os molhos para a eira, sempre com muito cuidado, pois os grãos estavam desertos para cair.
Era na eira do Sr. José Gomes, por baixo do pinhal que encosta ao Ribeiro de Dom Bento, mesmo na orla com a fazenda. A minha mãe já limpara o chão da caruma e das pinhas e dava-lhe agora uma varredela com uma vassoura que eu fizera de giesta branca.
Espalhámos o trigo, com as espigas de uma camada em cima dos caules da camada anterior. Trabalho acabado e fomos comer para a sombra dos eucaliptos. Depois estendemo-nos no chão e dormimos uma sesta. Entretanto, na eira, o trigo crestava à torreira do sol. Quanto mais quente estivesse, melhor soltaria os grãos.
O meu pai acordou suado, com um raio de luz que se infiltrara pela ramagem. Mediu a altura do sol e o relógio confirmou o que ele já sabia, eram horas de começar a malha.
Eu fui com ele. A malha era um trabalho violento, para homens, mas eu já era forte. Tínhamos dois manguales e pedi ao meu pai para malhar também. Ele autorizou, com aquela calma que sempre punha nas coisas. Deu-me dois conselhos: cuidado com as cabeças, a minha e a dele, e levantar a vara, ao alto virar a mais curta no ar e depois deixá-la cair sem fazer força.
Fomos malhando, lado a lado. O sol abrasava e o suor escorria-me pela cara e no tronco, do calor e da atrapalhação de quem aprende. Parecia fácil não fazer força quando o mangual descia, mas os braços não obedeciam à cabeça. Parti logo o pau mais curto e largo do mangual
O meu pai passou-me o dele e foi arranjar um pau novo. Eu continuei a malhar. Quando já tinha batido todo o trigo, virei a palha, por causa das espigas que estavam por baixo. Fui-lhe apanhando o jeito, mas ainda me enganei as vezes suficientes para ter o outro mangual partido quando o meu pai chegou com o novo. A malha estava quase feita. Peguei nele e acabei. Na outra ponta, o meu pai ia levantando e juntando a palha com a forquilha, enquanto a minha mãe varria o chão de grão e pragana com a vassoura de giesta, formando um monte.
O sol já começava a abrandar. Fomos comer uma bucha à sombra fresca das mimoseiras do ribeiro, junto à bica do tanque. E descansámos, à espera do vento da tarde.
E com ele limpámos o trigo, lançando-o ao alto, com uma pá, e desviando a pragana, no chão, com um ramo de giesta. Já limpo, a minha mãe passou-o pela joeira, para tirar as impurezas mais finas, e meteu-o na saca, pronto a entregar ao moleiro.
Entretanto, eu e o meu pai atámos a palha em faixas, com os mesmos nagalhos, novamente molhados para serem flexíveis e resistentes. E o burro ajudou-nos a levá-las para o palheiro. O trigo regressou connosco a casa e ficou na arca, à espera que o moleiro da Torre passasse pela Tapada.




Estas duas fotos "pedi-as emprestadas" à página do GEGA «SÃO VICENTE DA BEIRA: a Terra, as Gentes, as Tradições». Depois de entrar, clique em "Tradições" e verá um conjunto de fotos que documentam todo o processo de fabrico dos nagalhos. O artista é o Sr. Emílio Francisco do Caldeira. As fotos são certamente do Tó Sabino.


A joeira, para limpar o cereal das últimas impurezas.



A dedeira de cabedal que os ceifeiros usavam na mão esquerda, para a proteger dos cortes da foice. O ceifeiro metia na dedeira dois ou três dedos. Segundo o meu tio Joaquim Pedro Nicolau, os ceifeiros que não tinham uma dedeira destas enfiavam os dois dedos de baixo numa cana, para os proteger.



A eira do Sr. José Gomes, no seu estado actual.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Festas de Verão


O Santo Cristo da Misericórdia

Hoje é dia do Santo Cristo.
Fui às Festas de Verão, mas era tudo tão diferente!
A verbena estava a ser desmontada e os sinos só tocaram pouco antes das 19, a chamar os fiéis para a missa.
A festa civil foi encurtada para sábado e domingo e a religiosa também drasticamente abreviada.
Surpreendido? Não.
Chocado? Também não.
Frustrado? Claro que não! As horas de convívio com a minha família valeram plenamente a minha deslocação a S. Vicente. Pena não ter encontrado alguns amigos ou não estarem disponíveis para partilharmos uns momentos.

Há anos que as nossas Festas agonizam. Elas são uma herança de um mundo muito diferente daquele em que hoje vivemos. Tempos de profunda religiosidade, de crescimento populacional (desde há cerca de 250 anos, excepto os últimos 30 anos) e de grande unidade de cada comunidade. Como mantê-las nestes novos tempos?
Sem a pretensão de conseguir uma análise exaustiva do fenómeno, penso que a situação em que se encontram as Festas de Verão se deve aos seguintes factores (a ordem é arbitrária):
1 - A diminuição da religiosidade na população, mas sobretudo e principalmente uma crescente desvalorização, pelas pessoas, das formas institucionais (da Igreja) de manifestar os sentimentos religiosos. Valorizo as tradições, mas defendo a sobrevivência apenas das que tenham sentido para a comunidade. Não quero uma Igreja-Museu, com "espectáculos" para turista ver!
2 - A insuficiência de padres para garantir um tão elevado número de cerimónias religiosas, como eram as que tradicionalmente caracterizavam as nossas Festas. Há 250 anos, a paróquia de S. Vicente da Beira tinha 7 a 8 sacerdotes em serviço permanente; hoje, o Padre José Manuel garante o serviço religioso de duas paróquias e ainda acumula com outras funções na diocese. Por outro lado, a Igreja (tanto a instituição como o conjunto dos fiéis) ainda não encontrou e sobretudo não implementou novas formas de manifestar a religiosidade a nível da paróquia. Neste caso das Festas de Verão, falta decidir que cerimónias a comunidade cristã deseja preservar e como concretizá-las.
3 - O sentido de pertença à comunidade-povoação é cada vez mais ténue. A família sempre foi o núcleo principal. No passado, a povoação era o conjunto desses núcleos, mas actualmente não. Para muitos habitantes de S. Vicente, como de outras povoações, na maioria idosos, os seus familiares estão dispersos por outras terras, alguns longe. Agora, já não regressam todos uma vez por ano, nas Festas de Verão. No passado, preparar a festa, alindar a casa, matar o borrego ou aluminar com uma vela na procissão do Santo Cristo, tudo tinha uma só finalidade: festejar a vida com os mais queridos. Agora, o coração voa para longe, repartido em pedaços, um para cada canto do país ou do mundo. Por isso, a povoação-comunidade já não diz tanto às pessoas.
4 - O excesso de dias de Festas, tornando exaustivo o trabalho de quem as organiza e até cansativo o dia a dia dos que moram perto da Praça. Por isso, compreendo o facto de os festeiros deste ano terem feito a festa apenas no sábado e no domingo! O problema, ainda não resolvido, é a nova configuração das Festas de Verão.

Mas há coisas boas:
a) Deixou de haver festeiros, nomeados por ruas, mas sempre surge uma organização a garantir a realização dos Festas: o GEGA, a Santa Casa da Misericórida e este ano o Rancho. Isso mostra a presistência de um forte sentido comunitário, na nossa terra. Aliás, ele tem estado bem evidente na formação e no dinamismo do Rancho, da Banda, dos Bombeiros...
b) Também as festas comunitárias da paróquia, como foram as da homenagem ao Padre Branco, em Agosto do ano passado, e a festa de S. Vicente, este ano, revelam uma dinâmica que apenas necessita que se lhe alimente a chama.

Afinal, nada está perdido. Se calhar, falta apenas diálogo e redefinição do que pretende a comunidade civil e religiosa que, sendo plural, é una.
Trabalho meticuloso, com luvas e pinças, mas talvez inevitável.
Em todo o caso, o tempo e as pessoas se encarregarão de adaptar as tradições aos novos tempos.