sábado, 28 de novembro de 2009

1 de Dezembro de 1640


Em 2004, aquando das Comemorações dos 450 Anos da Morte do Padre Leonardo Nunes, o Tenente Coronel Pires Nunes mostrou o seu espanto por haver, em S. Vicente da Beira, tantos homens que se foram da lei da morte libertando, como escreveu Luís de Camões, referindo-se aos que, por acções gloriosas, não caíram no esquecimento dos homens.
Isto a propósito do P.e Leonardo Nunes, de D. Fernando Rodrigues de Sequeira e de António de Azevedo Pimentel. Seria da água!

António de Azevedo Pimentel ficou na história desta região como o 1.º a aclamar D. João IV como rei de Portugal, em S. Vicente da Beira e em Castelo Branco.
Na vila de S. Vicente, onde era capitão-mor, o mais importante cargo militar do concelho, levantou bandeira por Portugal e D. João IV. O mesmo fez depois em Castelo Branco, levando esta vila acastelada a romper com o domínio espanhol e a aclamar D. João IV.


E tinha muito a perder.
A fronteira espanhola fica perto e os espanhóis não tardariam a invadir Portugal.
Por outro lado, possuía uma grande propriedade, na vila de São Felices dos Galegos, Espanha, administrada pelo seu cunhado, o qual acabou por ter de a abandonar, não sem antes distribuir, pelas populações da fronteira portuguesa de Almeida, os géneros alimentícios que lá tinha armazenados.
Esta propriedade era um morgado de bens de raiz, no valor de mais de 20 mil cruzados.
Temos notícia destas ocorrências por um processo da Mesa do Desembargo do Paço, de 24 de Julho de 1641.
Nele, António de Azevedo Pimentel suplicava que lhe fosse dado um morgado na cidade da Guarda, propriedade de um castelhano de Cidade Rodrigo. A posse desta propriedade compensaria a perda do morgado de São Felices, permitindo-lhe levar uma vida digna e cumprir as suas obrigações.
Também se oferecia, com dois sobrinhos e cunhados, um letrado e outro mudo, de idade entre 25 e 30 anos, para com eles servir na guerra contra Espanha.
Desconhecemos a decisão final de Sua Majestade, mas é de supor que tenha sido favorável, pois a opinião da Mesa do Desembargo do Paço foi nesse sentido.
Há que recordar que António de Azevedo Pimental era fidalgo da Casa Real e como tal estava proibido de trabalhar, mesmo de exercer o cargo de tabelião, em Castelo Branco, ofício herdado por sua esposa, de seu pai.
E que, na época, os cargos políticos e militares que os nobres exerciam, como o de capitão-mor de São Vicente da Beira, raramente eram pagos em dinheiro, mas em doações, como esta que António de Azevedo Pimentel requeria ao rei.


Foi Hipólito Raposo quem nos deu a conhecer este naco da nossa história, no artigo “Um Beirão Restaurador” da sua “Oferenda”. E terminou, orgulhoso:
«Por agora, resta-me saudar e louvar a memória de António de Azevedo Pimentel, bom português e vassalo fiel, capitão-mór da minha vila natal, muito provàvelmente comandante militar de avoengos meus, soldados nas primeiras refregas com tropas castelhanas na fronteira beiroa, a lutar pela restauração de Portugal.»

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Padre Leonardo Nunes

Há oito dias, um município brasileiro pediu à Câmara Municipal de Castelo Branco o envio do livro “Abarebebê” Tão rápido como um beija-flor, do nosso conterrâneo José Miguel Teodoro.
Porquê este interesse tão longínquo? Porque o livro é sobre Leonardo Nunes, um dos padres jesuítas pioneiros na missionação do Brasil.

Leonardo Nunes nasce, em S. Vicente da Beira, no seio de uma família de cristãos-novos, antigos judeus convertidos ao Cristianismo. Seu pai é Simão Álvares e sua mãe Isabel Fernandes. Veio ao mundo em data incerta, possivelmente, em 1518.
Já era padre, quando, em 1548, entra para a Companhia de Jesus.
A partir do colégio da Companhia, em Coimbra, percorre o Minho e a Beira, em pregação e vivendo de esmolas, o que muito chocou seus pais, quando o viram a mendigar, na sua terra natal.
Em 1549, parte para o Brasil, incorporado na armada de Tomé de Sousa, o primeiro governador-geral desta colónia. Integra um grupo de jesuítas chefiados por Manuel da Nóbrega. Os outros são o P.e António Pires de Castelo Branco, o P.e Juan de Azpilcueta de Navarra, o Irmão Diogo Jácome e o Irmão Vicente Rodrigues.
A sua missão é converter os índios e dar assistência religiosa aos portugueses que lá viviam.
Nos anos 1550 a 1554, Leonardo Nunes fica em São Vicente, ajudado pelo Irmão Diogo Jácome. São Vicente era já uma grande colónia portuguesa, desde 1530. Ali funda um colégio e depois aventura-se montanha a dentro, onde tem contacto com os indígenas e enfrenta os caçadores de índios que os queriam escravizar. O filme “A Missão” é um excelente testemunho da realidade que o P.e Leonardo Nunes ali viveu.
No ano de 1553, o P.e Manuel da Nóbrega, o Provincial da Companhia de Jesus, junta-se a Leonardo Nunes, em São Vicente, centralizando ali o trabalho missionário dos jesuítas, no Brasil. Manuel da Nóbrega fixa-se nos campos de Piratininga, numa aldeia, onde funda o Colégio de São Paulo, que deu nome à pequena povoação e hoje enorme cidade de São Paulo.
Nesse ano de 1553, Leonardo Nunes desloca-se à Baía, de onde regressa com o Irmão e futuro Padre José de Anchieta, outra figura cimeira na missionação do Brasil.
No ano seguinte, 1554, o P.e Leonardo Nunes embarca para Lisboa, com destino a Roma. Manuel da Nóbrega encarregara-o de transmitir a (Santo) Inácio de Loiola os sucessos da Companhia de Jesus no Brasil.
Mas o barco naufragou ainda à vista da vila de São Vicente, arrastando consigo o nosso Leonardo Nunes, apenas com 36 anos, os últimos 5 como missionário no Brasil.



Ficha Técnica:
Autor: José Miguel Teodoro
Projecto: Comemorações dos 450 Anos da Morte do Padre Leonardo Nunes
Ilustrações / Gravuras: José Miguel Teodoro e António Cavaco
Fotos: Tó Sabino e Américo André (profesor da EBI)
Concepção gráfica da capa: António Cavaco (actual Director da EBI)
Desenhos: Alunos da EBI de São Vicente da Beira
Composição, impressão e acabamentos: Semedo - Sociedade Tipográfica Lda
Edição: Câmara Municipal de Castelo Branco
Ano: 2004
Número de páginas: 269
À Venda: Estação dos Correios (S. Vicente da Beira), Papelaria Central (C. Branco) e Quiosque Vidal (C. Branco)
Nota: A síntese acima apresentada foi elaborada a partir do Prefácio deste livro

domingo, 15 de novembro de 2009

As Chuvadas de Novembro

Não participei no passeio pedestre pela encosta da Gardunha, organizado pelos nossos Bombeiros. A noite foi chuvosa e o clima matinal estava instável. Fiquei-me por Castelo Branco.
Mas um bom grupo de gente corajosa meteu pés ao caminho. Arriscaram e petiscaram. O mundo é dos afoitos, como diz o povo. Fica para a próxima.


As chuvas de Novembro são incertas. Tanto se podem ausentar durante anos, fazendo o Verão de S. Martinho, como chegar de mansinho ou caírem torrenciais e arrasarem tudo.
As deste ano são mansas (estão a ficar bravas, no centro e norte do país), mas as chuvadas mais violentas costumam cair neste período de transição entre o fim do tempo quente e a chegada do frio invernal.
A memória dos homens dá-nos alguns testemunhos de temporais de Outono.
A referência constante a Alcains deve-se ao facto de se situar num vale, nas margens da ribeira da Líria. Em S. Vicente da Beira, as ocorrências terão sido muito semelhantes às das outras povoações da região.

Novembro de 1807
O Exército Francês atravessou a França em direcção a Portugal, sempre debaixo de uma chuva impiedosa. Os soldados franceses chegaram a Castelo Branco, no anoitecer do dia 20, exaustos, encharcados e famintos.
Na noite de 21, havia 16 mil homens em Castelo Branco e arredores. Acenderam uma fogueira na igreja do castelo, para secarem a roupa e se aquecerem. O templo acabou por pegar fogo. Pelos campos, onde pernoitaram milhares de soldados, cortaram-se as oliveiras para alimentar fogueiras.
A passagem para Lisboa era difícil, neste tempo de poucas pontes e frágeis barcas. Choveu torrencialmente durante semanas e os rios e ribeiras iam de enxurrada. Muitos soldados morreram na travessia e outros andavam às voltas, na esperança de passagens mais favoráveis.
No dia 1 de Dezembro, Castelo Branco, uma cidade de cerca de 1000 habitantes, tinha alojados cerca de 6000 franceses. Todos os dias chegavam novos regimentos, mas a chuva não lhes permitia a partida. As cavalarias não tinham como atravessar rios e ribeiras.

Novembro de 1852
As ribeiros de Alcains galgaram os seus leitos, como não havia memória. A água subiu aos 4 metros, na parte baixa da povoação.
A ribeira da Ocreza subiu 12 palmos acima da maior elevação conhecida até à data. A torrente levou todos os moinhos e pontes. Houve mortos e desaparecidos.

Novembro de 1908
No dia 8, caiu uma tromba de água sobre Alcains. A água submergiu a parte baixa da povoação e muitas pessoas foram salvas pelos telhados, por pontes que se fizeram com as escadas de colher a azeitona.
A ribeira da Líria tomou tamanho caudal que destruiu a ponte da estrada para o Salgueiro.
A linha do caminho de ferro ficou interrompida próximo da estação de Alcains.
Não escapou nenhum dos moinhos da ribeira da Ocreza.
Nas Benquerenças, o temporal levou um moleiro, apanhado desprevenido no seu moinho.

Novembro de 1937
Pelos meados do mês, caiu uma tromba de água, sobre a parte este da Gardunha, levando a destruição às gentes das duas vertentes da serra. A maior descarga foi sobre o Sobral do Campo e depois Louriçal do Campo, Soalheira, Alpedrinha, Donas, Capinha…
Parte da população de Alcains esteve em sério risco. A água levou uma ponte da Ocreza e três da Líria. Desaparecerem moinhos e azenhas.
A Câmara de Castelo Branco teve de conceder subsídios para reparação dos caminhos nos Escalos de Baixo, Sobral do Campo e Louriçal do Campo.
O melhor testemunho deste temporal é uma carta de Armando Prata Lizardo, morador no Louriçal do Campo, publicada no jornal “A Beira Baixa”, de 27 de Novembro. Transcrevem-se alguns excertos.

«…foram arrastadas pela torrente impetuosa as azenhas, algumas delas pela base, ficando sem recursos algumas pobres famílias (…). Prédios rústicos, que ladeavam a ribeira, ficaram sem a camada de cultura, que as águas arrastaram, deixando a descoberto a rocha. Outros ficaram cobertos de uma espessa camada de areia, tornando impossível a cultura durante muito tempo (…).
A ponte de comunicação com a povoação da Torre ficou quasi por completo destruída (…), No mesmo estado ficou a ponte que faz a ligação de Louriçal com S. Vicente da Beira.
(…) Estragos iguais se deram na freguesia de S. Vicente da Beira, onde muita e pobre gente ficou reduzida a uma situação aflitiva.»


Em S. Vicente, os potes grandes do lagar que foi de José Mesquita, recentemente falecido, foram arrastados ribeira abaixo e ficaram presos nos amieiros junto à ponte do Ramalhoso, no Sobral, segundo me contou o centenário Tio Joaquim Teodoro.
A minha mãe, Maria da Luz Prata, nascida em 1927, lembra-se bem de as pessoas andarem a acarretar terra em cestos, para refazerem os terrenos agrícolas das margens da ribeira.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Invasões Francesas 9


Os invasores à chegada a Portugal, em Novembro de 1807, numa gravura da época.

Continuamos a dar notícia dos serviços prestados pelos ganhões da freguesia de S. Vicente da Beira, aos exércitos de Portugal e de Inglaterra, em luta contra os invasõres franceses, nos anos 1807-1812.

Vila
O ganhão de Francisco Ferreira foi de Abrantes para Cidade Rodrigo, com uma carrada de pólvora e bala, em Novembro de 1809. Gastou 28 dias.
A fortaleza de Cidade Rodrigo, na fronteira de Espanha com Portugal, desempenhou um papel muito importante nesta Guerra Peninsular, pois guardava uma das melhores portas de entrada de Espanha em Portugal.
O ganhão de Joaõ Roiz Lourenço Caio transportou farinha de Abrantes para Castelo branco, em Novembro de 1811, tendo demorado 10 dias. O carro de bois era puxado por uma vaca do patrão e outra da viúva de Antonio da Silva.

Mourelo
Em Novembro de 1811, foram dois carreiros deste monte, para a Covilhã, dali seguiram para Vila Velha, de onde voltaram para o Fundão. A documentação não nos informa da mercadoria que transportaram, mas sabemos que gastaram 13 dias.
Um carro era puxado pelas vacas de Joam Francisco e da viúva Maria Nunes. O outro pelas de Joze Mateos e Manoel Leitam.
Como já escrevi anteriormente, penso que estes lavradores tinham a junta a meias.

Para saber mais, consultar: "O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular", de José Teodoro Prata, publicado pela Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, em 2006.

sábado, 7 de novembro de 2009

Passeio na Gardunha


No próximo dia 15 de Novembro, domingo, temos passeio pedestre, pela Gardunha.
A organização é dos Bombeiros Voluntários de Castelo Branco, Grupo de São Vicente da Beira. O GEGA e a Junta de Freguesia apoiam.
O percurso está traçado, na imagem apresentada (clicar em cima, para ver melhor).
Não o conheço em toda a sua extensão, mas parece-me um percurso equilibrado:
- Não é excessivamente longo e só há uma subida acentuada (da Senhora da Orada ao Alto da Portela).
- Tem alguns pontos fortes: zona onde vai ser criada uma área de lazer, com lagar e moinhos antigos; vale agrícola da ribeira; ermida da Senhora da Orada; antiga estrada real, ainda com troços de calçada medieval; paisagens do Alto da Portela e doutros cumes; barragem do Casal da Serra...

Programa:
8.00 Concentração no quartel dos Bombeiros
8.30 Pequeno almoço
9.00 Início do passeio
13.00 Chegada
13.30 Almoço, convívio e visita ao museu (do GEGA ?).
Preço: 10 vicentinos (para pagar despesas)
Inscrições: 963269688 922022670 937901113 926438561


Lá estarei!
Aos que não forem, darei notícias.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Cumprir a Tradição


O Padre José Pegado de Sequeira, vigário de S. Vicente da Beira, em 1758, informou, nestes termos, sobre o Castelo Velho, situado na serra da Gardunha, nas respostas aos inquéritos pombalinos, conhecidas por Memórias Paroquiais:

A tradição que há deste castelo é que, no tempo em que este reino era povoado de mouros, se conservava no dito castelo alguns cristãos e aí viviam.
E vindo o Senhor Rei Dom Afonso Henriques conquistando estas terras, todas povoadas de mouros, no sítio da Oles, limite da mesma vila, no fundo da serra e referido sítio, por ser campina dilatada, se deu uma batalha contra os mouros, que eram já copiosos
(numerosos), o que observavam os cristãos que estavam no dito castelo.
E conhecendo que o dito Rei com seu exército enfraquecia, lhe saíram em socorro do castelo os cristãos e pondo-se da parte do dito Senhor Rei, em breve tempo venceram e desbarataram o inimigo.
Informado de quem eram e de sua assistência, entre muitos e amplos privilégios lhes assignou
(assinalou) o sítio aonde está edificada a vila, para no mesmo a fundarem, o que fizeram.
E depois de edificada e já povoada a foram oferecer ao mesmo Senhor, no dia em que se trasladava o corpo do Mártir São Vicente da Igreja de Santa Justa para a Sé de Lisboa, por motivo do qual o dito Senhor Rei, aceitando a vila, lhe deu por nome São Vicente, querendo que o Santo Mártir fosse da mesma vila padroeiro, dando aos mesmos moradores dela parte do seu queixo, que hoje se venera na dita vila.
E lhe confirmou na mesma ocasião grandes privilégios e isenções, com a condição de que todos os anos irem ao dito Castelo Velho, câmara e povo, a fim de se conservar sempre em ser para memória do sucedido, o qual se observou por muitos anos. E o descuido dos moradores foi causa para se perderem os ditos privilégios, deixando de satisfazer a condição com que foram dados.


Vamos recomeçar a cumprir a obrigação que os nossos antepassados negligenciaram?
É um excelente cartaz turístico!

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Pedir o santoro


Era segunda-feira, hora de entrar para a escola. As crianças, na praça, aguardavam as professoras. Mas passaram as 9 horas e nada. Nem apareciam do lado da Igreja, vindas de casa, na Rua de São Francisco, nem chegava o táxi que as trazia de Castelo Branco.
Fomos esperando, ansiosos por passar um dia sem escola e logo um como aquele, o de pedir o santoro!
O dia dos santorinhos era um dos raros, senão o único, em que tínhamos liberdade de andar horas fora do controle das nossas mães e chegar até ao Casal (da Fraga), ao Caldeira ou às Quintas.
O relógio da torre continuou a sua marcha, sempre a descer, até à meia hora. As professoras não vinham mesmo! Mas ninguém ousava arredar pé.
O ponteiro dos minutos parecia andar agora mais devagar, na subida até ao 12. Já rondávamos as tabernas do Noco e da Viúva e o café da Tia Eulália. Mas nenhum arriscava começar a pedir o santoro à hora da escola.
Bateram as 10 badaladas no sino da torre. Era o nosso limite. Entrei quase a correr na taberna da Viúva e fui direito ao balcão: “Dê-me um santorinho!”
A senhora de preto perguntou pela escola, a mim e aos outros. Estava-se a decidir, quando ouvimos um carro a curvar a esquina. Chamamentos dos que estavam fora, correrias na rua. Azar, mesmo quando tínhamos começado! Saímos também a correr, todos em direcção ao balcão. Paciência, ficava para depois da escola.
As professoras tinham ido buscar os nossos livros à papelaria, que só abria às 9 horas. Levámos recados para as mães, a dizer quanto era. Íamos ter livros novos.
À saída, fomos pedindo o santorinho, rua acima, mas davam pouco. O que nos valia, aos da Tapada (eu, as minhas irmãs e os meus primos), era que conhecíamos bem as Quintas, onde poucos da Vila se arriscavam. Lá é que era bom.
Havia a Senhora Luz Romualdo, o Senhor Augusto, o Miguel e o Ti João da Cruz. Podia falhar um, mas davam os outros. Uma romã numa casa, três passas na outra, duas maçãs de bravo mofo no Senhor Augusto e uma mão cheia de castanhas do rabusco nos castanheiros do Carvalhal Redondo e do alto dos Carqueijais. Delícias.
Voltávamos a casa, ao anoitecer, quase sem nada, na bolsa, para partilhar com as nossas mães e irmãs mais novas, mas felizes com a aventura e o consolo dos santorinhos.

Notas
1. Bravo mofo é o nome que damos à maçã bravo esmolfe. O povo não gosta de coisas complicadas e simplifica. Esmolfe é o nome de uma povoação do concelho de Penalva do Castelo, Beira Alta, onde esta variedade de maçã era e é muito abundante.
2. Não me lembro que dia foi esta segunda-feira. Talvez fosse, como neste 2009, o dia seguinte ao de Todos os Santos, 2 de Novembro. É o Dia de Finados, mas não é feriado. Era nesse dia que se pedia o santoro, nos anos 60. Agora pede-se dois dias antes, na véspera do Dia de Todos os Santos, em resultado da aculturação que temos sofrido por parte da cultura norte-americana. E ameaça-se o dono da casa com travessuras, se não der doces. Nisto, a nossa tradição é melhor, menos agressiva.