quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Contradança

Pedira ao Dário Inês fotografias do nosso rancho a dançar a contradança, no Carnaval do ano passado, para ilustrar a publicação "Tradições de Carnaval".
Como a vida no mundo real ainda se sobrepõe à realidade online, só agora as recebi.
Aqui ficam. Com a promessa, para breve, de reportagem fotográfica do corso carnavalesco deste ano.








Fotografias do Dário Inês.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

…por linhas tortas

Os leitores deste blogue sabem da minha deriva aquando das eleições para o cargo de Director Executivo do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira. Deriva, porque desrespeitei os estatutos não escritos que me impusera para este blogue. Não sei de quem herdei este lado emocional. Só pode ser dos Jerónimos, pois os meus outros costados são muito racionais.
Declarei publicamente o meu apoio ao candidato Carlos Almeida, em concorrência como o professor Cavaco, o qual acabou por vencer as eleições e dirige actualmente este agrupamento de escolas.
Na altura, logo um gozão de Lisboa brincou com as cinzas destes meus entusiasmos.
Mais tarde, em Idanha-a-Nova, encontrei-me com o Presidente da Câmara, Joaquim Morão. Com ele tive mais sorte. Lamentou não ter a Câmara seguido o meu conselho. O Carlos Almeida acabou por ganhar a direcção da Escola João Roiz, em Castelo Branco. Em São Vicente, ele estaria mais longe e não teria tantas oportunidades de brilhar.
Sem querer, acabaram por dar força a um adversário político. Um tiro no pé. Bem feita!
O Carlos Almeida ligou-me, a agradecer o meu apoio, mas que o ia lixando, pois perdeu por poucos votos. Agora está a 500 metros de casa! Reiterou o seu agradecimento, mas pediu-me para não voltar a meter-me, pois podia dar-lhe azar! De mal agradecidos…
Com o João Benevides Prata, o Presidente da Junta, falei bem mais tarde. Que proximidades e distâncias, apoios e contrapartidas… Eu avisei-vos que não é dos Pratas que me vem esta costela emocional. Nunca farei uma carreira política!
Do lado do professor Cavaco, nada. Até este fim de semana. Ao abrir o jornal Reconquista de sexta-feira, 12 de Fevereiro, deparei-me com a seguinte notícia, em forma de publicidade paga:

«A Direcção do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira e todo o seu pessoal docente e não docente agradecem, por este meio, ao vicentino José Teodoro Prata, o seu apoio ao candidato derrotado nas eleições para a direcção deste agrupamento. A sua tomada de posição, através do blogue “Dos Enxidros”, fez com que alguns eleitores tivessem mudado o sentido de voto, permitindo ao professor Cavaco alcançar a vitória. Neste momento, a comunidade escolar está mais unida e dinâmica do que nunca. O nosso BEM HAJA ao José Teodoro Prata, por este seu contributo, mesmo que involuntário, para o engrandecimento da nossa Escola!»
(Segue-se a assinatura do Director da Escola, em nome de toda a comunidade escolar)

Fiquei chocado, sem saber se agradecem ou gozam comigo. Reli o anúncio. Está na página 12 do jornal, no canto inferior direito. São uns brincalhões!
Mas parece que acabou tudo bem, mesmo óptimo, a acreditar no anúncio. Se Deus, que é Deus, às vezes escreve direito por linhas tortas…

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Tradições de Carnaval

Era assim o nosso Carnaval, até aos anos 60:

Chorar o entrudo
De noite, com um funil na boca, para disfarçar a voz e se ouvir mais alto, duas ou três pessoas iam para perto da casa de alguém e choravam-lhe o entrudo, gozando com essa pessoa, a propósito de uma situação engraçada ou embaraçosa que lhe ocorrera durante o ano.

Jogar à caqueira
Os jovens sentavam-se em fila, uns atrás dos outros, e iam atirando, por cima das cabeças, um cântaro de barro de uns para os outros. Quando alguém deixava cair o cântaro, troçava-se dele, fazendo-lhe uma churra*.

Atirar paneladas
À noite ia-se a casa das pessoas e atirava-se uma panela de alumínio pelas escadas abaixo, cheia de pedras, se fosse inimigo, ou maçãs/passas/batatas, se fosse amigo. A panela fazia muito barulho ao rebolar, sobretudo se tivesse pedras, atraindo a atenção dos moradores da casa.

Comadres e compadres
Quinze dias antes do Carnaval, faziam-se as comadres: os rapazes sorteavam entre si as raparigas, a rapariga que calhasse a um rapaz era a sua comadre.
Oito dias antes do Carnaval, faziam-se os compadres: as raparigas sorteavam entre si os rapazes, o rapaz que calhasse a uma rapariga era o seu compadre.
Depois, na Páscoa, davam-se as amêndoas às comadres e aos compadres.

Culinária carnavalesca
Era costume fazer arroz doce, na altura do Carnaval.

Dançar a contradança
Os homens vestiam-se uns de mulher e outros de homem e dançavam a contradança* com paus e fitas, cantando estas quadras:

Quatro mocinhas
A fazer café
Por causa das moças
Ainda vai haver banzé

Ainda vai haver banzé
Minha linda coradinha
Quem quiser namorar a rola
Desça abaixo à cozinha

Desça abaixo à cozinha
Que é aí mesmo onde ela mora
Papagaio asseado
Vira-te ó rosa, vira-te ó cravo

Virão, virão
Mais a madrinha
Onde vais José
Mais a Luisinha

Deitar os confeitos
À rapaziada
Isso, isso, isso
A menina está lembrada

Vocabulário:
Churra - Maneira local de dizer surra, que significa dar uma sova, bater, neste caso com palavras, zombando da pessoa.
Contradança - Dança de quadro ou mais pares, uns defronte dos outros. O termo tem origem inglesa, de "country dance" e designava as danças dos camponeses. Estas danças foram adoptadas pelas classes altas e até pela corte real. No século XVII, as "country dances" passaram à França, onde o nome mudou para "contredanse". Dali chegaram a Portugal, sendo o nome traduzido para "contradança". O termo abrange quase todas as danças dos ranchos folclóricos, embora por vezes apenas se use para designar a dança que se apresenta nesta fotografia.

Contradança em Mafra, anos 50. Do site: http://www.attambur.com/Recolhas/Estremadura/Dancas/contradanca.

Recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Carnaval


A festa carnavalesca surgiu a partir da implantação, pela Igreja Católica, no século XI, da Semana Santa, antecedida por quarenta dias de jejum, a Quaresma. Esse longo período de privações acabaria por incentivar a reunião de diversas festividades nos dias que antecediam a Quarta-feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma.
A palavra Carnaval está, desse modo, relacionada com a ideia de afastamento dos prazeres da carne, pelo "adeus à carne" ou "carne vale", dando origem ao termo "Carnaval".
É possível que as raízes do Carnaval se encontrem num festival religioso primitivo, pagão, que homenageava o início do Ano Novo e o ressurgimento da natureza, na Grécia arcaica.
No período do Renascimento (séculos XV e XVI) as festas que aconteciam nos dias de Carnaval incorporaram os bailes de máscaras, com suas ricas fantasias e os carros alegóricos.
O Carnaval moderno, feito de desfiles e fantasias, é produto da sociedade do século XIX. A cidade de Paris foi o principal modelo exportador da festa carnavalesca para o Mundo.

Cálculo do Carnaval:
Todos os feriados eclesiásticos são calculados em função da data da Páscoa, com excepção do Natal. Como o domingo de Páscoa ocorre no primeiro domingo após a primeira lua cheia que se verificar a partir do equinócio da Primavera (no hemisfério norte) ou do equinócio do Outono (no hemisfério sul), e a sexta-feira da Paixão é a que antecede o Domingo de Páscoa, então a terça-feira de Carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa.


Da Wikipédia (adaptado)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Chalim

Nunca soube o nome dele, mas chamavam-lhe Chalim. Às vezes avistava-o na Praça, sempre a babar-se e a dar com os braços e a cabeça.
Depois, na Tapada, quando eu, as minhas irmãs e os meus primos ficávamos sozinhos, se as nossas mães iam às compras ou à Igreja, imaginávamos o Chalim a dobrar a curva da quelha, a abanar-se todo.
Fugíamos para casa e fechávamos a porta por dentro. Sabe-se lá o mal que um homem assim nos podia fazer.
Um dia, ia com o meu pai para casa do meu avô Prata, na Oriana. Ao chegar à Dona Zara, na Rua de São Sebastião, vi um homem que vinha em direcção a nós. Era ele.
Cheguei-me mais ao meu pai, peguei na mão dele e apertei-lha com força. Cruzámo-nos e o meu pai cumprimentou-o. Ficaram a conversar e eu, espantado, porque o Chalim falava como os outros homens e era amigo do meu pai.
A certa altura, desceu a mão direita, lentamente, a abanar muito. E eu, outra vez receoso, a segui-la com os olhos. Tentou metê-la no bolso exterior do casaco, mas custava a acertar com o buraco, com tanta tremideira. Finalmente conseguiu e o gesto revolto, fechado no bolso, fazia abanar toda a aba do casaco.
A pouco e pouco, a mão começou a sair do bolso e a subir. Trazia uma bola cor de laranja, uma tânjara. Aproximou as duas mãos e mudou-a de mão. Depois voltou a descer, o mesmo calvário e mais uma tânjara.
A da mão esquerda voltou à direita e, a custo, estendeu a mão trémula e cheia na minha direcção.
“Toma menino.” - ofereceu-me, já com a baba a aflorar nos cantos da boca.
Eu fiquei parado, sem tempo para perceber tanta coisa.
“Aceita.” - disse o meu pai.
Peguei nelas, sem mais reacção.
“O que se diz?” – insistiu comigo o meu pai.
“Bem haja!”
Eles continuaram a conversa e eu descasquei uma das tânjaras e comia-a, sôfrego, dois e três gomos de cada vez. Era só mel. Depois a outra, doce como o açúcar!
Eu era ainda muito pequeno e não tenho mais lembranças do Chalim. Mas, muitas vezes, ao longo da minha vida, me interroguei se tenho sido merecedor de toda a doçura daquele gesto.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

SOS Porco

Vou publicar, nas próximas semanas, dois trabalhos sobre a matação do porco.
Preciso de fotografias. Há por aí alguém que tencione tirar o chiadouro a um porco, nos próximos dias, ou que possa ir fotografar as fases da matação do porco a casa de um familiar ou vizinho?
Informem-me e depois enviem-me as fotos, pois esta tradição não durará muito mais tempo e os que estão longe gostam de matar saudades.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A Orada no ciclo Pascal


Imagem da Senhora da Graça, em pedra ançã, do século XIV ou XV. Possível oferta de Nuno Álvares Pereira. Pertence à ermida de Nossa Senhora da Orada. Foto do Tó Sabino.

Fui ao espectáculo de apresentação do CD NINHO e valeu a pena. Música regional de qualidade! O Miguel Carvalhinho está de parabéns.
Quanto à nossa Senhora da Orada, nada, preferiu a sua Senhora da Serra. Deixou-se levar pelo coração, por ter passado três anos da meninice, em Castelo Novo! Não o podemos levar a mal.
Mas a sua entrevista ao Jornal do Fundão tem um aspecto que para nós é importante.
Ele afirma que a música da Senhora da Orada pertence ao ciclo pascal da Aleluia. Ora, este facto é mais um elemento, a juntar a outros, que confirma ter sido a festa a Nossa Senhora da Orada parte integrante da festa da Páscoa.
Síntese dos elementos já conhecidos:

Fontes escritas:
1.Em 1592, o Cónego Manuel Dias visitou a Igreja de S. Vicente da Beira, em representação do Bispo da Guarda. Uma das ordens que deixou foi: «Encomendo muito aos curas e mais padres desta vila que guardem os costumes antigos não fazendo procissões das ladainhas e a acompanhar o povo nas romarias que fazem na Nossa Senhora da Orada nos dias acostumados…».
2.Em 1758, nas Memórias Paroquiais, o vigário de S. Vicente da Beira informou: «…concorre de romagem muita gente à Senhora, principalmente no Verão de várias partes, e nos sábados da Quaresma a maior parte desta vila.» A Senhora era a da Orada. Pelos vistos, o povo fez ouvidos de mercador às recomendações de 1592.
3.Um opúsculo do final do século XIX, entregue ao GEGA, por descendentes da família Robles, afirma que «Uma romaria anual no domingo de paschoela chama ao local centenas de devotos…». O local é a ermida da Senhora da Orada e o domingo de Pascoela é o 1.º domingo após a Páscoa.
4.Dois ofícios da Administração do Concelho de S. Vicente da Beira para o Governo Civil, de 16 e 23 de Abril de 1895, informam que a festa a Nossa Senhora da Orada foi nesse ano, a 21 de Abril. Estes documentos confirmam a realização da festa na data indicada pelo opúsculo do século XIX.

Outras fontes:
a)Até à extinção das Boas Festas Pascais, nos inícios dos anos 70, elas eram, no Casal da Fraga, no segundo domingo depois da Páscoa, dia da festa de Santa Bárbara. A festa já se realizava nesse dia, quando a capela estava no Valouro, limite de S. Vicente com o Sobral.
b)Nas Quintas, as Boas Festas eram no dia da romaria da Senhora da Orada, 4.º domingo de Maio. A alteração da data da romaria terá arrastado consigo as Boas Festas, para este fim de Maio.
c)Ainda hoje, algumas pessoas fazem novenas à Senhora da Orada, no início da Primavera. Parece que a tradição secular se incorporou nos genes dos vicentinos.
d)É também no segundo domingo depois da Páscoa que se realizam as festas da Senhora da Encarnação (Póvoa de Rio de Moinhos), Senhora de Mércoles (Castelo Branco), Senhora do Almortão (Idanha-a-Nova). Em S. Vicente da Beira, é a festa de Santa Bárbara.
e)Vem agora Miguel Carvalhinho, no seu estudo, concluir que «…músicas que tenham a ver com a Nossa Senhora da Serra ou das Necessidades ou da Orada, têm muito a ver com um cântico que se canta em todo o lado que é o Cântico da Aleluia, no sábado que antecede o domingo de Páscoa.»

Conclusão:
Há uma relação directa entre estas festas de Nossa Senhora e a festa da Páscoa. Em S. Vicente da Beira, essa ligação era ainda mais forte, pois começava logo na Quaresma, com as novenas populares à ermida da serra.

Retábulo de alabastro, possivelmente do século XIV. Apresenta a degolação de S. João Baptista e a flagelação de Cristo. Pertence à ermida de Nossa Senhora da Orada. Foto do Tó Sabino.