sexta-feira, 25 de junho de 2010

Carta a Salazar

Publica-se hoje uma carta enviada, por um grupo de pessoas de São Vicente da Beira, ao Presidente do Conselho de Ministros, no ano de 1956. O documento foi facultado pelo Ernesto Hipólito.

Elmº. Senhor Doutor António de Oliveria Salazar, mui
digno Presidente do Concelho
Lisboa:
Sugeriu a ideia de nos dirigirmos a vossa Exelencia, na qualidade de habitantes, trabalhadores, comerciantes e industriais da freguesia de S. Vicente da Beira, concelho de Castelo Branco, porquanto a nossa histórica terra, que consta de 1.600 almas e, com as povoações anexas, 5.200, aproximadamente, vive tão desprezada no Ressurgimento Nacional.
Assim, não tem edifício escolar próprio, apesar de as 4 Escolas primárias existentes funcionarem precariamente nos antigos Paços do Concelho que, se não se lhes acode, ameaçam ruir.
Por outro lado, desde há 3 décadas de anos que se trata da electrificação como meio do nosso desenvolvimento industrial a uma região rica, graças a Deus, em matérias primas e agricolas e porque possui o único Hospital regional, condigno, em cuja remodelação que sofreu há 7 anos, ficou já com instalação para usar logo que chegasse a desejada electrificação.
Àquele fim, estiolam desenas de ofícios expedidos a várias entidades e até representações pessoais.
A noticia apensa que é do semanário “Jornal do Fundão” de18 do corrente mês e referente a Sobral do Campo, povoação que dista somente de nós, desde a bifurcação das Estradas, 6Km. e, em recta cerca de 4, promete-lhe tal inovação, tanto de estranhar, pois a sua aspiração é muito posterior.
Entretanto, congatula-nos o melhoramento; mas, perante o abandono a que temos sido votados, não seria oportuno lembrar que a sorte nos bafeje também?
-É a que vimos: solicitar encarecidamente a Vossa Excelencia, integérrimo Chefe, que se digne conceder-nos a respectiva colaboração.
Respeitosamente, leais adeptos e admiradores de Vossa Excelência;
S. Vicente da Beira, em 25 de Novembro de 1956

O Pároco. Pe. Tomas da Conceição Ramalho


Notas
1.A carta (ou requerimento) está escrita à máquina, em papel azul, de linhas. Sobre a assinatura do Padre Tomás, tem o selo branco da paróquia de Nossa Senhora da Assunção. O texto foi corrigido a lápis, pelo que esta versão pode ter sido usada como base da versão definitiva, essa sim enviada ao Presidente do Conselho.
2.Afloram, neste texto, algumas características ideológicas do Estado Novo: classifica-se a época da governação de Salazar como de Ressurgimento Nacional, o estadista é adjectivado como integérrimo Chefe e os requerentes terminam dizendo-se leais adeptos e admiradores de Vossa Excelência.
3.É de realçar a importância regional que então desempenhava o Jornal do Fundão, já testemunhada na carta de Manuel Joaquim Hortas, que publicámos a 14 de Maio.
4.Estávamos em 1956, mas a tão desejada electricidade tardou ainda mais de 10 anos. A festa de inauguração data de Abril de 1969, mas a electrificação já fora concluída no ano anterior.
5.O edifício da Escola Primária também foi construído por esses anos 60. A inauguração oficial foi, igualmente, em Abril de 1969, mas o edifício já estava a ser usado desde Novembro de 1967.
6.Informa o texto de que o Hospital beneficiara de obras de remodelação 7 anos antes, isto é, em 1949.


O edifício escolar em construção, junto à Estrada Nova. Actualmente, está adaptado para sede dos Bombeiros Voluntários e da Associação de Caça e Pesca "Os Piscos".
A fotografia é do Pedro Gama Inácio.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Feira: em jeito de balanço



A I Feira foi um sucesso.
Gostei e serão da mesma opinião todos os que participaram ou simplesmente visitaram a Feira.
Acho que São Vicente da Beira mostrou as suas grandes potencialidades, quer organizativas, culturais, recreativas ou económicas.
A Feira ultrapassou o âmbito local e ganhou alguma dimensão regional.
Houve um equilíbrio muito positivo entre as várias componentes (económicas, recreativas e culturais), registando-se uma notável auto-suficiência local.
A organização da Feira, a cargo da Junta de Freguesia, apoiada por uma rede de colaboradores, funcionou muito bem.
Pessoalmente, gostei de passar um dia inteiro na minha terra: ver amigos, estar com a família, conversar, sem pressas, com as pessoas.
Das actividades que me couberam, o passeio cultural de domingo de manhã foi excelente, embora tenha falado para pouco mais de uma dezena de pessoas. Mas sei que nestas coisas da cultura há que semear, pacientemente, para mais tarde colher.
Também fui membro do júri do Concurso de Gastronomia e Artesanato. Não é uma função de que goste especialmente, mas posso garantir que as decisões foram tomadas com enorme consenso e seriedade. Quanto aos premiados, penso que ganharam os melhores e não me importava nada de ter aqui comigo uma boa fatia daquela enorme sobremesa de requeijão do stande “Veríssimo e filhos”, que ganhou o 1.º prémio de gastronomia.









terça-feira, 15 de junho de 2010

Ano Sacerdotal


O Ano Sacerdotal, promulgado pelo papa Bento XVI, terminou na passada sexta-feira, dia do Sagrado Coração de Jesus. Consultei o site da Agência Eclésia (http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?&id=80043), a agência noticiosa da Igreja Católica, e deixo-vos um trecho de um texto ali publicado.

«O Ano Sacerdotal foi uma pedagogia para a renovação do nosso olhar de fé sobre o Sacerdócio de Cristo. A vida da Igreja necessita destes ciclos que intensificam alguns dos seus mistérios, não porque estejam esquecidos, mas porque precisam de ser aprofundados e mais gozosamente assimilados.
Em primeiro lugar, recentrámos a nossa atenção em Cristo Sacerdote: só Ele faz a ponte entre o Coração de Deus e a humanidade peregrina pela vida. No meio de tantos vazios de sentido e de futuro, entre concepções demasiado sociais da Igreja, é preciso anunciar a novidade guardada por Deus para nós: Jesus Cristo abre um futuro de plenitude para o homem e vive na Igreja para oferecer a comunhão eterna com Deus. Cristo Sacerdote continua a procurar os homens imersos nas suas debilidades e feridas, a chamar à união numa só família, a iluminar com a clareza da verdade definitiva. Por isso, os seus gestos e a sua palavra na vida da Igreja, a força do seu Espírito e a radicalidade do seu amor neste Povo Sacerdotal, são vitais e insubstituíveis no seio do nosso mundo.
Em segundo lugar, olhámos para os ministros do Sacerdócio de Cristo, sacerdotes ao serviço de Cristo, da Igreja e do mundo. Ao longo do ano, a renovação deste olhar foi um caminho cheio de interpelações, quer para leigos, quer para sacerdotes: olhar de gratidão, olhar de súplica, olhar de conversão. O Santo Padre começou sempre, tal como em Fátima, por olhar com gratidão e afecto para os sacerdotes: “A todos vós que doastes a vida a Cristo, desejo nesta tarde exprimir o apreço e reconhecimento eclesial. Obrigado pelo vosso testemunho muitas vezes silencioso e nada fácil; obrigado pela vossa fidelidade ao Evangelho e à Igreja” (Discurso do Papa Bento XVI aos Sacerdotes e Consagrados, 12.05.2010). Os sacerdotes são, em si próprios, um dom da presença de Cristo que Lhe agradecemos; mas são também inúmeras histórias silenciosas e permanentes de serviço, doação e peregrinação sobrenatural.»


Durante este Ano Sacerdotal, a fachada da Igreja de São Vicente da Beira ostentou uma tela com os nomes dos sacerdotes desta paróquia, párocos e coadjutores, neste século (1910-2010).

domingo, 13 de junho de 2010

Programa da Feira


Clicar na imagem, para ver melhor.

No dia 20, domingo, entre as 9h e as 12h, realiza-se o percurso pedestre pela Vila.
Será um passeio essencialmente urbano e cultural, mas com muitos cheirinhos de ruralidade.

Percurso:


1. Igreja Matriz: a origem, as fases de construção e a arte sacra.
2. A Praça como centro do poder político e religioso.
3. A Casa da Câmara: a origem, a reconstrução de 1765 e as várias dependências.
4. O Solar do Conde de S. Vicente.
5. A Albergaria do Espírito Santo e a Misericórdia; a Igreja da Misericórdia; a albergaria da Misericórdia; a arte sacra da Misericórdia.
6. O Solar dos Viscondes da Borralha.
7. O Convento das Religiosas Franciscanas; a Igreja do Convento.
8. As casas de Manuel Lopes e de Manuel Simões: Benedita Simões e os Cunha Pignatelly.
9. Portados quinhentistas e seiscentistas; janelas manuelinas.
10. A Judiaria de São Vicente.
11. A Casa da Roda, no entroncamento da Rua da Cruz com a Corredoura.
12. A Canada dos Gados, nos Carqueijais.
13. A antiga Capela de São Domingos, na Corredoura.
14. O Marzelo: o cruzamento de estradas, a fonte e a regadia.
15. São Sebastião: a capela; o hospital da Misericórdia; o lar da Misericórdia.
16. A Fonte Velha: a primitiva fonte; as mudanças; o largo, o monumento do centenário.

Intervalo para lanche.

17. Pela Rua Velha: A Rua Dona Úrsula; a Rua do Bêco; a Rua do Forno; a Rua das Lajes; a antiga casa do Visconde de Tinalhas.
18. A rua que vai da praça para a devesa; a ponte e a capela de Santo André, na Ribeirinha.
19. A Estrada Nova como estrada de circunvalação à Vila; o nicho.
20. São Francisco: de capela de Santo António a capela de São Francisco; de curral e açougue municipais a cemitério; a missão franciscana de 1744 e a Ordem Terceira; o Calvário e a Semana Santa.

Regresso à Praça e fim do passeio, a tempo dos interessados irem à missa das 12.30h.
Quanto ao almoço, cada um trata do seu: em sua casa, nas barraquinhas da Feira (haverá comida) ou no restaurante da "Mila".


quarta-feira, 9 de junho de 2010

Dois vicentinos-maestros em Silvares


A vila de Silvares não esquece os dois vicentinos que estiveram na génese da sua Filarmónica. Li a notícia no site: http://www.bandasfilarmonicas.com/bandas.php?id=234
O texto que se segue foi elaborado a partir dele.



A Filarmónica Silvarense foi a concretização de um desejo do povo de Silvares, vontade congregada pelo então pároco, Padre José Lopes de Assunção, natural de São Vicente da Beira, o qual juntou alguns notáveis da freguesia. Surgiu então a primeira direcção da Banda, em data que se desconhece, mas que terá sido por volta de 1919-1920.
Os homens que integravam essa direcção eram:

Padre José Lopes de Assunção
• Joaquim Nunes
• José Valentim
• Joaquim Ferrão
• António Rodrigues Fabião

A ideia partiu do Pároco da freguesia. As primeiras aulas foram ministradas pelo próprio Padre José Lopes de Assunção , durante algum tempo numa divisão da casa que é hoje pertença dos herdeiros do falecido Abílio Ladeira.

Sendo o entusiasmo e empenho dos aprendizes muito superior ao esperado, o Padre José Lopes de Assunção já não tinha capacidade e conhecimentos musicais suficientes para poder continuar com o projecto, tendo convidado um colega, o Padre José Maria de Bogas de Baixo, para se encarregar da formação dos músicos. O Padre José Maria trouxe para ali alguns instrumentos já velhos que pertenciam à Banda de Bogas de Baixo, para os músicos da Banda de Silvares poderem começar a tirar escalas. Mas, nesses tempos, não havia a facilidade de transportes que há hoje em dia e o Padre José Maria teve de abandonar o projecto.

A então “comissão instaladora” chamou um maestro, Ernesto Hipólito de Jesus, sapateiro de profissão, para poder continuar a ensaiar os músicos.
O maestro instalou-se, numa divisão de um palheiro, que também servia de local de ensaio, e onde ele podia continuar a exercer a sua profissão.
Os estatutos foram elaborados, em 1927. A comissão organizadora da Sociedade Filarmónica Silvarense foi a seguinte:

Ernesto Hipólito de Jesus (Maestro e sapateiro)
• Casimiro Pereira Brasinha (proprietário)
• José Ramos Paulos (agricultor)


O maestro Ernesto Hipólito de Jesus é o primeiro da fila de cima, a contar da direita.

O Padre José Lopes de Assunção nasceu em S. Vicente da Beira, no ano de 1888, filho de Joaquim Lopes e Maria Joaquina. O seu irmão, Luís Lopes, estava casado com Maria José Afonso Lopes, natural do Vale de Figueiras. Este casal vivia no alto da Rua da Cruz, na maior casa à esquerda de quem sobe.
Neste blogue, por duas vezes fiz referência a esta Maria José Afonsa, como nós dizíamos, que conheci já viúva.
Numa próxima publicação, darei informações sobre o maestro Ernesto Hipólito de Jesus.

sábado, 5 de junho de 2010

Cruciformes


Casa da Rua Manuel Simões, ao cimo, já perto do entroncamento com a Rua da Cruz.

Em trabalho anterior, expliquei a origem, segundo alguns estudiosos, das pedras salientes dos lados das janelas.
Um outro vestígio deixado pelos nossos antepassados cristãos-novos são os cruciformes: cruzes de várias formas, gravadas nos portados das habitações.
Estas cruzes encontram-se por toda a Beira raiana, região onde se fixaram dezenas de milhares de milhares de judeus expulsos de Espanha, após 1492.
Em 1495, é a vez de Portugal ser varrido pela intolerância religiosa que proibiu o culto dos judeus e dos mouros (muçulmanos). Milhares de judeus abandonaram o Reino de Portugal, nos anos seguintes, mas muitos outros aqui permaneceram, tendo-se convertido ao cristianismo.
Estes passaram a ser designados por cristãos-novos, em oposição aos portugueses que praticava o cristianismo desde sempre e por isso conhecidos por cristãos-velhos.
Ora os cristãos-novos eram olhados com desconfiança pelos cristãos-velhos, alguns injustamente, mas outros não, pois continuavam a praticar secretamente ritos religiosos judaicos.
Uns e outros gravavam cruzes nos portados das suas habitações, para mostrarem a todos que eram bons cristãos e assim se livrarem de desconfianças e perseguições, sobretudo da Inquisição, introduzida em Portugal, no ano de 1536.
Vários cristãos-novos de S. Vicente da Beira foram presos e julgados por este tribunal religioso que prolongou a sua acção até à segunda metade do século XVIII.


Janela da casa acima apresentada, com porta de madeira, do tempo em que ainda não se usavam janelas com vidros.


Portado da mesma casa, com o cruciforme na ombreira da direita.


Pormenor do cruciforme do portado anterior.