domingo, 19 de setembro de 2010

Praga de Gafanhotos

As Festas de Verão são em honra do Santíssimo Sacramento da Igreja Matriz, no domingo, do Santo Cristo da Misericórdia, na segunda-feira, e da Senhora do Carmo, na terça-feira. Nos anos 70, o P.e António Branco e um grupo de vicentinos radicados em Lisboa começaram a ir de romagem à Senhora da Orada, na quarta-feira, mas este festejo não vingou, talvez por ser sobretudo motivado pela fome de sardinhas assadas, tal o enjoo de carne, nos dias anteriores.
As Festas eram da responsabilidade de uma comissão nomeada no ano anterior. O método de escolha era a vizinhança. Escolhia-se um grupo de chefes de família moradores em ruas contíguas. No ano seguinte, eram os das ruas a seguir. Este método, certamente centenário, fracassou nos anos 80, pois cada vez era menor o número de chefes de família que aceitavam sacrificar-se a organizar as Festas. Até hoje, ainda não foi criado um sistema alternativo sólido, pelo que, em cada ano, é incerta a realização das Festas. Elas organizam-se quando há uma associação que chame a si essa incumbência. Por exemplo, no ano passado ninguém se interessou, mas este ano valeu-nos a aniversariante e centenária Banda Filarmónica Vicentina.
As Festas eram no terceiro fim de semana de Setembro, em pleno fim de ciclo das colheitas. Apenas faltavam as vindimas, feitas logo a seguir. Os festejos começavam, no sábado, com a realização da feira anual, que no passado, desde a fundação da Vila, fora em Janeiro, no dia do padroeiro São Vicente. Nos anos 80, mudaram-se as Festas para o primeiro fim de semana de Agosto, para possibilitar a participação dos emigrantes em férias e das famílias com estudantes, devido à alteração da abertura do ano escolar de 1 de Outubro para meados de Setembro.
Continuo a desconhecer a data da criação das Festas de Verão, talvez porque estão desaparecidos, possivelmente em casa de particulares, alguns livros de actas da antiga Câmara Municipal de São Vicente da Beira. Nas últimas décadas do século XVIII, ainda não se realizavam, pelo que arrisco situar a sua criação por volta de 1800, isto é, há cerca de duzentos anos.
No ano passado, aqui nos Enxidros, em publicação de 21 de Junho, intitulada “Guerra dos Sete Anos”, já levantei o véu sobre esta problemática. No trabalho escrito, que aguarda publicação, acrescentei mais algumas informações, embora não tenha podido encerrar a investigação, pelas razões atrás apontadas.
Adianto alguns dados sobre a justificação das Festas devido a uma praga de gafanhotos. É esta a tese explicativa mais comum, a que nos alimentou a imaginação durante a infância. O que encontrei é pouco, mas pode ser tudo:
As pragas de gafanhotos eram frequentes nos séculos XVII e XVIII. Não temos notícia de nenhuma, na segunda metade do século XVIII, embora não possamos garantir que não existiu. Em 1781, a Câmara foi avisada, pela Provedoria de Castelo Branco, de que uma praga de gafanhotos assolava outras regiões e era preciso tomar providências. Assim se fez, embora não houvesse sinais da praga no concelho. Mas a Provedoria de Castelo Branco mandou também avisar o Provedor da Misericórdia, para que se fizesse uma novena e mais preces, na Igreja da Misericórdia, a fim de afastar o perigo. Temos, pois, o Santo Cristo da Misericórdia como protector dos povos também contra a bicharada.
Não sabemos se a praga chegou a atingir o concelho e se os gafanhotos vieram morrer nas paredes da Igreja da Misericórdia, conforme é crença popular, mas podemos concluir que a festa anual ao Santo Cristo foi criada como forma de agradecer e buscar protecção divina contra os males dos homens e da natureza.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Tó Spínola

Acabo de ler esta notícia, no Diário de Notícias online, e penso que vale a pena partilhá-la convosco. Um abraço para o meu primo Tó!

Encontrou 3000 euros e foi entregá-los à GNR



Reformado das Forças Armadas pegou na bolsa e foi à polícia. "Podia gastá-lo, mas não era correcto", diz. O dono já tem o dinheiro.
"A honestidade não tem preço." É desta forma que António Prata Inês resume a decisão que teve de tomar ao final da tarde de quarta-feira, minutos depois de ter encontrado uma carteira que, entre notas (750 euros) e cheques já endossados, tinha mais de 3300 euros no seu interior. Para muitos, a tentação de ficar com aquilo tudo ou, mais que não fosse, com o dinheiro, seria natural, mas António Inês garante que só a ideia "já arrepia". Assim, "sem pensar duas vezes", este homem, natural de São Vicente da Beira, concelho de Castelo Branco, rumou imediatamente para a GNR a fim de devolver aquilo que "era pertença de outros".
"Nem quero imaginar a aflição que aquelas pessoas não estavam a viver. Três mil euros é dinheiro", sublinha este homem que, conforme faz questão de frisar, todos tratam por Marechal Spínola. "Eu não abdico dos meus valores. Sou deficiente das Forças Armadas e pára-quedista reformado, e o lema dos pára-quedistas é que 'nunca por vencidos se conheçam', ora eu ficar com este dinheiro seria certamente um vencido", diz António Inês, que até adiou uma viagem a Lisboa só para entregar o dinheiro.
"Estava a sair de casa, aqui no Fundão, para ir a uma consulta de oftalmologia em Lisboa, quando vi a bolsa nas escadas de um prédio. Pensei que podia fazer falta ao dono e peguei logo nela. Só depois de a abrir é que percebi que tinha tanto dinheiro e que os cheques até já estavam endossados. Podia levantá-los com facilidade e o dinheiro podia ir gastá-lo, mas isso não era correcto. Por isso, já nem fui embora. Perguntei onde era a GNR e fui entregar tudo", relata.
Confrontado com a pergunta de "se o dinheiro não o ajudava a completar a reforma, António Inês responde sem hesitar: "O dinheiro dá sempre jeito, então não dá. Mas, como já disse, nunca pensei ficar com ele. Só vivo com o que é meu. A minha cabeça não me permitiria tal coisa", conclui.
Entretanto, a GNR do Fundão já localizou o dono do dinheiro, José Dias Gonçalves, 79 anos, natural da Barroca Grande, nas Minas da Panasqueira, que naturalmente faz questão de agradecer a António Inês, conforme contou ao DN Zita Teixeira, a filha do homem que tinha perdido o dinheiro.
"Já pedi o número de telefone dele porque quero agradecer-lhe pessoalmente. O meu pai já falou com o senhor e já lhe deu os parabéns por ser um homem honesto e recto, mas eu também vou fazer questão de lhe apresentar o meu reconhecimento", refere Zita Teixeira, que também foi beneficiada por este gesto.
"Parte daquele dinheiro também era meu. Como o meu pai foi dormir à casa que tem no Fundão, mandei-lhe dinheiro para ele depositar no banco. Ele assim fez. Mas, quando estava a entrar em casa, encontrou uns amigos e ficou a falar com eles. Deve ter sido nessa altura que deixou cair a carteira e, como tinha mais pastas na mão, nem sequer deu conta. Passou a noite toda preocupado, e hoje de manhã [quinta-feira] telefonou-me para eu cancelar os cheques. Felizmente, pouco tempo depois, telefonou a GNR a avisar que afinal a carteira tinha sido lá entregue. Pronto, o meu pai foi logo lá e entretanto o dinheiro já nos foi restituído e já está depositado no banco", conclui Zita Teixeira, reiterando o reconhecimento e agradecimento em relação ao acto de António Prata Inês.

Nota: Corrigi o nome do Tó, que estava errado na notícia.

sábado, 11 de setembro de 2010

Coudelaria de Alter do Chão

Retornei à coudelaria de Alter do Chão e lembrei-me do São Vicente de antigamente.


Vi o primeiro e, durante muitos anos, único bufo-real, já morto, exibido como troféu de caça, à porta do caçador, a meio da barreira do Hospital.
Fora caçado perto do lagar que depois ficou submerso pelas àguas da barragem do Pisco. Segundo o caçador, tinha o ninho num pinheiro alto. Era enorme, maior que este.
Foi em finais dos anos 60 e fiquei, a um tempo, impressionado com a riqueza da natureza e triste, pela sua destruição.
Estes meados do século foram maus para a natureza, como também para o património histórico. A gente nunca fora tanta e não importava destruir, para fazer tudo novo.




O cavalo sorraia, aqui protegido da extinção.
Foi, durante séculos, o cavalo de trabalho dos campos portugueses. E certamente também o cavalo de sela para os lavadores do povo, com posses para andar a cavalo, mas sem riqueza para adquirir um cavalo lusitano.
Na publicação "Cavalos de Lista", de 5 de Agosto, já fiz referências históricas a este cavalo, na nossa freguesia.

Fotos da Filipa Teodoro

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A Praça

A Praça é o centro social, político e religioso do nosso pequeno mundo.
Há muitas fotografias tiradas na Praça, algumas já aqui publicadas.
A Luzita Candeias enviou-me uma, a preto e branco, onde está o seu avô Bernardino Candeias. Fui ao meu album e encontrei outra.
São ambas da segunda metade da década de 70 e foram tiradas quase no mesmo local, no canto da Praça, junto à sacristia da Igreja Matriz.



quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Gafanhotos 5

Tinha-me proposto o desafio de acompanhar a evolução de uma espécie de gafanhotos este ano muito abundantes em São Vicente da Beira. Concluí agora, pois eles já desapareceram totalmente.
Ao contrário do que pensava, não eram os juvenis dos gafanhotos grandes com asas, pois desses quase não há vestígios, em oposição há abundância da espécie da foto. Por outro lado, foram encontrados mortos, sobretudo na água, inúmeros gafanhotos desta espécie.
O seu ciclo de vida terá terminado em Agosto, depois da postura dos ovos, no solo.

sábado, 4 de setembro de 2010

População da Freguesia

Na publicação anterior, escrevi que São Vicente da Beira atingiu o máximo de população nos anos 60 e 70.
Isso foi o que senti, na minha vivência desses anos. Mas uma coisa é a opinião e outra bem diferente é a ciência, o saber rigoroso.
Ora os documentos provam-nos que a freguesia atingiu o apogeu demográfico nas duas décadas anteriores.
Um trabalho de Paulo J. Gama Mota, de que há anos fotocopiei algumas tabelas, tem uma boa síntese da evolução demográfica da nossa freguesia. O estudo intitula-se Consanguinidade aparente em S. Vicente da Beira e parece-me que o autor será originário da nossa freguesia.

Aos dados deste estudioso, acrescentei mais alguns, para elaborar a síntese que se segue:

1758 – 960 habitantes (cerca de)
1779 - 1009 habitantes
1801 – 1397 habitantes
1878 – 2336 habitantes
1890 – 2833 habitantes
1900 – 2758 habitantes
1910 – 3282 habitantes
1920 – 3005 habitantes
1930 – 3536 habitantes
1940 – 4000 habitantes
1950 – 4185 habitantes
1960 – 3881 habitantes
1970 – 2505 habitantes
1981 – 2264 habitantes
2001 – 1871 habitantes

O estudo de Paulo J. Gama Mota termina com uma tabela referente às populações das diferentes aldeias da freguesia, em 1940 e 1981:



É interessante comparar os dados desta tabela com as informações da Matrícula dos Moradores da Vila e Termo, de 1779:

Casal da Serra - 33 habitantes (9 fogos=agregados familiares)
Mourelo - 99 habitantes (22 fogos)
Paradanta - 36 habitantes (8 fogos)
Partida - 110 habitantes (25 fogos)
Pereiros - 57 habitantes (17 fogos)
Tripeiro - 59 habitantes (16 fogos)
Vale de Figueiras - 24 habitantes (4 fogos)
Vila (S. Vicente da Beira) - 523 habitantes (153 fogos)
Violeiro - 68 habitantes (16 fogos)
(Total da freguesia, em 1779 - 1009 habitantes, em 270 fogos)

Além do trabalho de Paulo J. Gama Mota (Consanguinidade aparente em S. Vicente da Beira), publicado em "Antropologia Portuguesa", Vol. 1 (1983), p. 5-32, conheço um outro estudo demográfico sobre a nossa freguesia.
As autoras são Maria João Guardado Moreira (docente da ESE de Castelo Branco e neta do Senhor Manuel da Silva) e de Maria Isabel B. Correia Diogo. O estudo intitula-se Migrações internas para S. Vicente da Beira no século XVIII e encontra-se publicado em "Comunicações das I Jornadas de História do Distrido de Castelo Branco", edição do Secretariado Regional da A.P.H. e do Instituto Politécnico de Castelo Branco, 1994, Castelo Branco.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Tardes de Verão


São lindíssimos, os Jardins do Luxemburgo, em Paris. Mais do que o palácio, as árvores e os jardins, chamaram-me a atenção os carrocéis, os passeios de pónei, as esplanadas, o teatro de marionetes e as cadeiras espalhadas por todo o espaço, usadas livremente por quem ali vinha descansar. Um grupo de crianças utilizava-as como balizas de futebol.
Ao percorrê-los, recordei a Praça de São Vicente da Beira, nos finais dos anos setenta.
Nessa década, Portugal atingiu o maior crescimento demográfico alguma vez registado. A emigração abrandara, por força da crise mundial de 1973 e um pouco também pela crença de que a Revolução do 25 de Abril traria tempos melhores. Os soldados tinham regressado da Guerra Colonial e com eles vieram também muitos portugueses que viviam nas nossas ex-colónias africanas.
A nossa terra atingiu, então, o máximo de população que alguma vez tivera ou virá a ter, a curto e médio prazo. A Praça enchia-se de gente. Todas as tardes de domingo pareciam segunda-feira do Santo Cristo. Uns sentavam-se nos muros e outros nos bancos. Crianças corriam de um lado para o outro, andava-se de bicicleta e jovens penduravam um cesto de basquete no ramo de uma árvore e tentavam encestar.
Havia então frondosas olaias em toda a volta da Praça e era à sua sombra que os vicentinos se protegiam do sol quente. Por vezes, uma bola, uma bicicleta ou uma criança chocava com um adulto, ouvia-se um ralho, mas tudo voltava à serenidade de uma tarde estival.
Depois a sociedade tornou-se muito disciplinadora e acabaram os jogos e as bicicletas. E vieram uns jardineiros da Câmara cortar as pernadas das olaias. Deixaram só os troncos, onde, em cada Primavera, rebentavam umas tímidas folhas e flores, insuficientes para abrigar os poucos vicentinos que resistiram ao chamamento das cidades.
Já não são olaias, as árvores da nossa Praça. A sociedade continua demasiado preocupada com a segurança e rareiam ainda as pessoas.
Mas, o tempo que passou, já passou. Não vale a pena olhar para trás. A cada dia, constroem-se novos sonhos e vivem-se outros momentos, também únicos para alguém.

Fotos da Filipa Teodoro