quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Prata 3

Os avós mais velhos

No seguimento da publicação Prata 2, com registos de batismo e casamento da parte vicentina da família Prata, apresentam-se hoje registos de batismo e casamento da família Prata da Póvoa de Rio de Moinhos e de Alcains.
Segue-se a ordem cronológica, do mais recente para o mais antigo.
Junto de cada registo, faz-se uma síntese, a partir do conteúdo do documento e de outros elementos conhecidos.
Estes são os registos que me foram enviados do Brasil, por Lourval dos Santos Silva, também ele descendente dos Prata que aqui damos a conhecer.


Antonio Prata nasceu a 17 de outubro de 1839, na Póvoa de Rio de Moinhos. Era filho de João Prata, natural da Póvoa e Joaquina do Espirito Santo (ou da Cruz). Os seus avós paternos eram Joze Prata e Victoria Maria e os maternos Antonio Martins, natural da Póvoa, e Luiza da Cruz, natural do Castelejo. Os padrinhos foram Antonio Martins, seu avô e Jozefa da Cruz, sua tia, filha do anterior.



João Prata casou, a 9 de janeiro de 1839, com Joaquina, filha de Antonio Martins Gomes, da Póvoa, e de Luiza da Cruz, do Castelejo. João Prata era filho de Joze Prata e Victoria Maria, todos naturais da Póvoa.



João Prata nasceu a 20 de abril de 1814, na Póvoa de Rio de Moinhos. Era filho de Joze Prata e Vitoria Maria, neto paterno de Thome Goncalves Prata e Domingas Maria e neto materno de Joze Lopes, natural da Lardosa, e Vitoria Pinta.



Joze Prata nasceu a 3 de janeiro de 1788, na Póvoa de Rio de Moinhos. Era filho de Thome Gonçalves Prata e do seu segundo casamento com Domingas Roque. Os avós paternos eram Manoel Gonçalves Prata e Maria Vas Mendonça e os maternos Manoel Roque, natural dos Lentiscais, e Catharina Gaspar, da Póvoa.



Thome Gonçalves Pratta, viúvo de Izabel da Conceiçam, casou, a 10 de março de 1787, com Domingas Roque, filha de Manoel Roque e Catharina Gaspar.



Manoel Gonçalves Pratta casou, a 4 de Fevereiro de 1745, com Maria Vás, filha de Pedro Vás e Maria Mendonça, da Póvoa. Manoel Gonçalves Pratta era filho de Manoel Gonçalves Pratta, natural de Alcains, e de Maria Gaspar, da Póvoa de Rio de Moinhos. Este Manoel Gonçalves Prata era um homem da governança da vila da Póvoa, pois desempenhava funções na administração daquele concelho. Também participou, como louvado (testemunha), no tombo (inventário) dos bens do Conde de São Vicente, em 1768-1782.



Manoel Gonsalves Prata casou a 16 de Janeiro de 1729, com Maria Gaspar, filha de Bras Gonsalves e Maria Martins, ambos naturais da Póvoa de Rio de Moinhos. Os pais do noivo eram Domingos Gonsalves Prata e Anna Rodrigues, ambos naturais de Alcains.



Domingos Gonsalves Prata casou, a 30 de Agosto de 1693, na Igreja de Alcains, com Anna Rodrigues, filha de Manoel Fernandes e Ana Roiz(Rodrigues). O noivo era filho de Manoel Gonsalves Semeão e Maria Martins Prata. É a última pessoa desta genealogia com o apelido Prata, pois os que se seguem são do ramo familiar de Manoel Fernandes.



Manoel Fernandes casou, a 3 de Setembro de 1670, com Anna Roiz, filha de George Roiz e Izabel Goncalves. O noivo era filho de Rodrigues Antunes e Helena Fernandes.
Rodrigo Antunes era filho de Tomás Roiz e Isabel Ferreira.
Tomás Roiz era filho de Rodrigo Tomás e de Beatriz Antunes.
Rodrigues Antunes era ferreiro, na vila de Castelo Branco, e foi preso pela Inquisição, em 1633, sob acusação de prática de judaísmo. O julgamento ocorreu em 1634 e a sentença foi a seguinte:
«Sentença - Abjure publicamente seus heréticos erros em forma e em pena e penitência deles lhe assinam cárcere e hábito a arbítrio dos Inquisidores e será instruído nas coisas da fé necessárias para a salvação da sua alma e cumprirá as mais penas e penitências espirituais que lhe forem impostas e mandam que excomunhão maior em que incorreu seja absoluto in forma ecclesia. (Fonte: Torre do Tombo)»


Nota: Clicar nas imagens, para ler os documentos.

sábado, 1 de janeiro de 2011

2.º Aniversário

E já vão dois, dois anos de vida Dos Enxidros.
Este foi o da consolidação do blogue, pelo menos a nível do seu autor, pois tornaram-se-me mais claros os aspectos em que valia a pena apostar e os que devia abandonar.
Os leitores aumentaram de número, sobretudo de fora da freguesia e até do país, embora dentro também tenha havido uma maior difusão. Em cada semana, mais de 100 pessoas consultam o blogue. O número de comentários publicados é enganador, pois muitos leitores comunicam comigo apenas através do meu endereço electrónico pessoal.
Fazer este “jornal semanal” on-line tornou-se-me quase uma necessidade viciante, embora nem sempre tivesse disponibilidade de tempo e espírito, para publicar trabalhos com o nível de qualidade que se impõe.
Para este novo ano, deixo a garantia da continuação deste contacto semanal convosco e o pedido de uma ainda maior colaboração da vossa parte.
Com os votos de bom Ano Novo, deixo-vos um trecho de uma história minúscula de Eça de Queirós, chamada “A Catástrofe”. Tem mais de cem anos, mas uma enorme actualidade, neste tempo de crise, agravada pelos especuladores mundiais e ampliada por uma comunicação social medíocre.
A mensagem, que só parcialmente pode ser captada neste trecho, aposta em cada português como forma de resolver os problemas do país. A mudança tem de iniciar-se em cada um de nós, para que o país melhore e as elites dos poderes sejam mais competentes e menos corruptas. E assim se concretizarão os votos de bom Ano Novo!

«Os Governos! Podiam ter criado, é certo, mais artilharia, mais ambulâncias; mas o que eles não podiam criar era uma alma enérgica ao País! Tínhamos caído numa indiferença, num cepticismo imbecil, num desdém de toda a ideia, numa repugnância de todo o esforço, numa anulação de toda a vontade... Estávamos caquécticos! O Governo, a Constituição, a própria Carta tão escarnecida, dera-nos tudo o que nos podia dar: uma liberdade ampla. Era ao abrigo dessa liberdade que a Pátria, a massa dos portugueses tinha o dever de tornar o seu País próspero, vivo, forte, digno da independência. O Governo! O País esperava dele aquilo que devia tirar de si mesmo, pedindo ao Governo que fizesse tudo o que lhe competia a ele mesmo fazer!... Queria que o Governo lhe arroteasse as terras, que o Governo criasse a sua indústria, que o Governo escrevesse os seus livros, que o Governo alimentasse os seus filhos, que o Governo erguesse os seus edifícios, que o Governo lhe desse a ideia do seu Deus!
Sempre o Governo! O Governo devia ser o agricultor, o industrial, o comerciante, o filósofo, o sacerdote, o pintor, o arquitecto – tudo! Quando um país abdica assim nas mãos dum governo toda a sua iniciativa, e cruza os braços esperando que a civilização lhe cai feita das secretarias, como a luz lhe vem do Sol, esse país está mal: as almas perdem o vigor, os braços perdem o hábito do trabalho, a consciência perde a regra, o cérebro perde a acção. E como o governo lá está para fazer tudo – o país estira-se ao sol e acomoda-se para dormir. Mas, quando acorda – é como nós acordámos com uma sentinela estrangeira à porta do Arsenal!»

Nota: Para ler a história, na íntegra, clicar no título do livro, em cima.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Venho pedir à menina…

Os rapazes trabalhavam quase todos à jorna. Depois de largarem, confluíam para a fonte e ali ficavam, em roda, enxadas e sachos de lado, a comer as merendas. Só faltavam as raparigas, a razão daquele ajuntamento. Elas chegavam, com o cântaro debaixo do braço. Vinham à água para a ceia, a mando das mães.
À passagem de uma moça, atiravam-se as boas tardes ou uns piropos, a espreitar um brilhozinho no olhar ou um sorriso reprimido. Ela não parava, direita à bica da água. O interessado seguia-a, chamava-a, na esperança de um estugar dos passos, de um virar de cabeça, de umas palavras mais. Se a rapariga dava esperanças ou porque o rapaz era dos afoitos, ele atirava à moça:
“Por que venho, venho
E porque digo, digo
Venho dizer à menina
Se quer casar comigo”
A resposta adivinhava-se pela reação da pretendida, não por palavras, que não ficavam bem, ali, a uma moça com juízo. Isso seria mais tarde, noutro tempo e noutro local, se ela aceitasse passar aos rituais seguintes.
Em terra de filarmónica, também se faziam serenatas. Músico ou não, o pretendente podia rodear-se de amigos que soubessem tocar os instrumentos da banda ou outros. À noite, em frente à casa da sua amada, cantavam e tocavam, tentando derreter aquele coração empedernido.
Com muita lábia e passadas se chegava ao namoro, se os dois estivessem para aí virados. Primeiro na rua, para se conhecerem melhor e dar tempo à vizinhança e à família. Se o amor resistisse a este primeiro teste de controlo social, o rapaz pedia licença aos pais da namorada, para começar a namorar em casa dela. Mas sempre vigiada pelos irmãos mais novos ou pela mãe. E o namoro não se arrastava até tarde, para que a rapariga não ficasse falada.
Se o rapaz fosse de fora, pagava um cântaro de vinho, tremoços e sardinhas assadas, aos rapazes solteiros de São Vicente. Fazia-se uma patuscada e o forasteiro era aceite na comunidade.
Quem namora quer casar e por isso, rapaz e rapariga, cada um por seu lado, tratava de arranjar o que era costume cada um levar. Precisava-se, no mínimo, de um ano. O rapaz tinha de poupar dinheiro para comprar as mobílias do quarto (cama) e da sala (mesa e cadeiras). À rapariga, cabia a mobília da cozinha (cantareira, bancos, masseira, tabuleiro) e o enxoval (lençóis, fronhas, travesseiros, mantas, toalhas de rosto e de mesa), com a respectiva arca.
Numa casa de lavoura, a família plantava o linho, trabalhava-o até ser fio que a noiva tecia no tear da loja. As peças de pano de linho eram depois cortadas, cosidas e bordadas. As mantas faziam-se com fitas de panos velhos, também no tear.
Cerca de três meses antes do casamento, os pais do noivo iam a casa dos pais da noiva a pedir a mão da rapariga para o filho e a combinar a boda. Quantos convidados de cada parte, que cozinheira contratar, quantas reses e aves de capoeira seriam precisos e se comprados ou de produção própria. Tudo a meias. E o local da boda, em casa de um deles, se fosse grande, ou alugada.
Os convites faziam-se um mês antes do casamento e, na última semana, as duas famílias mobilizavam-se na feitura de bolos e doces: biscoitos, bolos de leite, esquecidos, cavacas e pães-de-ló. Eram para oferecer aos não convidados (vizinhos, amigos e pessoas ricas), agregando-os também à festa. O retorno esperado eram prendas para os noivos.
E chegava o dia do casamento. O noivo, acompanhado pelos convidados, dirigia-se à casa da noiva, onde era aguardado por ela e pelos seus convidados. Depois, em cortejo, seguiam para a Igreja, ele com a madrinha e ela com o padrinho.
O noivo vestia fato preto, camisa branca, gravata cinzenta, lenço branco no bolso do casaco e chapéu. A noiva trajava de fato de saia e casaco, preto ou de outra cor, ou vestido, que não tinha de ser branco, xaile e lenço na cabeça ou véu.
A cerimónia podia incluir missa ou não, conforme fosse dia de semana ou domingo. À saída da Igreja, saudavam-se os noivos com pétalas de flores.
Seguia-se a boda e as iguarias eram de estalo:
- Canja
- Carne assada e guisada
- Bifes com batatas fritas
- Arroz com carne
- Iscas de fígado
- Pastéis de carne
- Arroz-doce
- Vinho
- Chá
- Doces
Era o tirar a barriga de misérias, em tempos de muitas carências.
E começava uma nova vida, gerando outras, muitas vidas.


A foto é de um casamento na Meimoa (Penamacor), em 1933. Embora não pareça, a noiva tinha apenas 24 anos!

Em São Vicente da Beira, os jovens já se casavam por amor, na primeira metade do século XX. Os meus pais, António Teodoro e Maria da Luz (Prata), casaram há precisamente 60 anos, tal como Luís Rodrigues (Prata) e Tomázia da Conceição e ainda Joaquim Leitão e Emília Rosalina do Casal da Serra. O dia 30 de Dezembro calhou num sábado, em 1950. Só puderam casar depois do Natal, pois no Advento não se realizavam casamentos.
Esta crónica é uma homenagem aos pais e avós que viveram os rituais de amor aqui descritos.

Texto composto a partir da recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Tradições de Natal

Em Portugal, cruzam-se as tradições natalícias do sul e do norte da Europa. Da Itália, pelas mãos de S. Francisco de Assis, vieram-nos os presépios e o Menino Jesus, trazidos pelos franciscanos. Dos países nórdicos, sobretudo da Alemanha, são as tradições do Pai Natal (chamado assim pela sociedade de consumo norte-americana, mas tradicionalmente designado por São Nicolau), da árvore de Natal e dos presentes. Estas trazidas, para Portugal, pelo príncipe alemão D. Fernando, esposo da rainha D. Maria II (1834-1853).
Tencionava escrever um texto sobre este assunto, mas encontrei, no jornal PÚBLICO on-line, um excelente trabalho sobre a origem do nosso Natal. Aqui vo-lo deixo, com votos de Bom Natal.


O nosso Natal é como o dos príncipes do século XIX
Por Alexandra Prado Coelho

Foi D. Fernando II quem, nostálgico das tradições da sua infância, resolveu um dia fazer no palácio uma árvore de Natal para os sete filhos que tinha com a rainha D. Maria II, e distribuir presentes vestido de São Nicolau. Em Inglaterra, a rainha Vitória encantava-se com a mesma tradição, trazida pelo seu marido, Alberto, primo de D. Fernando. Pela mão dos dois primos germânicos nascia a festa de Natal como a conhecemos hoje.


Gravura de D. Fernando II com o rei vestido de S. Nicolau (J. Real Andrade/Fundação casa de Bragança)

Alguns dos principezinhos espreitam por detrás de uma cortina. Um outro, mais velho, está sentado numa cadeira, rindo, com as pernas no ar. Há um que parece tapar os olhos, como quem espera uma surpresa, e as duas meninas espreitam para dentro de um dos sacos da figura vestida de escuro que ocupa o centro da gravura. Ao fundo, sobre uma mesa, está, toda enfeitada, uma árvore de Natal.

Eram assim as noites de Natal da família real em meados do século XIX. D. Fernando II, marido da rainha D. Maria II e pai dos seus sete filhos, representava nas suas gravuras e águas-fortes o ambiente familiar, com ele próprio vestido de S. Nicolau a distribuir presentes. Mas o que é significativo na imagem é o facto de, segundo se crê, ela ser a primeira representação de uma árvore de Natal em Portugal.

D. Fernando era alemão. Com o seu primo Alberto, tinha passado a infância comemorando o Natal segundo a velha tradição germânica de decorar um pinheiro com velas, bolas e frutos. Por isso, quando começaram a nascer os seus filhos com D. Maria II - a rainha teve 11 gravidezes, mas só sete crianças sobreviveram, e a própria D. Maria morreu aos 34 anos, no parto do 11.º filho - D. Fernando decidiu animar o palácio com um Natal de tradições germânicas.

A rainha ficava encantada. Nas cartas à sua prima, a rainha Vitória falava com entusiasmo dos preparativos para a festa de Natal, que seria, aliás, muito semelhante à que Vitória (que tinha casado com Alberto) organizava no Castelo de Windsor, em Inglaterra.

"Nada, nem o ar amuado de D. Pedro [o primogénito e futuro rei D. Pedro V], conseguia estragar as festas de Natal", escreve Maria Filomena Mónica em O Filho da Rainha Gorda - D. Pedro V e a sua mãe, D. Maria II, conto que escreveu inicialmente para os netos e que foi depois editado pela Quetzal. "Na Alemanha, onde havia grandes florestas, era costume montar-se, nessa época, uma árvore, enfeitada com flores, bonecos e bolas. Em Portugal, o uso era antes o presépio, com o Menino Jesus nas palhinhas. Em 1844, D. Fernando resolveu fazer uma surpresa à família. Colocou em cima da mesa um pinheirinho, pondo ao lado os presentes."

Podemos imaginar o que seriam os presentes dos príncipes graças a outra gravura de D. Fernando que mostra o príncipe D. João, pequenino, com uma camisa de noite comprida e segurando um cavalinho na mão, a olhar para uma mesa enfeitada com a árvore de Natal, e rodeado de bonecos - um tambor, um estábulo com animais, um soldado de chumbo montado num cavalo. O Natal deixava de ser apenas uma festa religiosa e passava a ser uma festa das crianças.

A vida da família real

"O século XIX é fracturante em relação ao passado na promoção de uma nova visão do convívio da família", explica Nuno Gaspar, historiador e técnico do Palácio da Pena, em Sintra, onde preparou uma visita, realizada no ano passado, que tinha como tema o Natal da família real (embora, sublinha, durante a época do Natal, os reis e os filhos não estivessem na Pena, mas sim no Palácio das Necessidades, em Lisboa). "A tradição dos presentes não existia, sobretudo nos meios mais populares. Esta associação dos presentes que são trazidos pelos Reis Magos para oferecer ao Menino Jesus não existe antes. Pôr as crianças no centro das festividades do Natal é obra do século XIX."

Ao contrário do que acontecia anteriormente, é agora evidente uma intimidade muito maior entre pais e filhos - e os ambientes domésticos reflectem isso. Sobretudo o Palácio da Pena, onde D. Fernando pôde tornar realidade o sonho de qualquer romântico, nas salas indianas ou árabes, nos salões, nos quartos ricamente decorados, nos espaços mais pequenos para as noites em família, a ler, a tocar piano ou a brincar com as crianças, nas torres e num jardim com pontes, grutas, pérgulas e fontes.

"O homem do Romantismo não gosta de grandes espacialidades, prefere espaços acolhedores, quentes, que promovam a aproximação entre os indivíduos", acrescenta Nuno Gaspar. "A Pena é a expressão de uma modernidade, um espaço que tem que se prestar a acolher o tempo íntimo da família."Nos espaços públicos também se reflecte essa relação mais próxima entre pais e filhos, e vai-se criando a imagem de uma família real igual a todas as outras. Os reis e os príncipes passeavam no Passeio Público e conta-se mesmo que, um dia, D. Maria passeava com o príncipe D. Luís no Jardim da Estrela e, perante a relutância da criança em abraçar outro menino que ali brincava, ela o terá encorajado a fazê-lo.

A educação era marcada também pelo rigor. "Os infantes e os príncipes passavam muito tempo com os preceptores, mas os pais não se eximiam da sua função de educadores", diz o historiador. "Eles [os monarcas] viviam para os filhos, mas com alguma exigência", confirma José Monterroso Teixeira, especialista em História da Arte e da Arquitectura. "O rei institui a prestação de provas públicas e impõe um currículo prussiano, com um corpo de professores muito seleccionado."

O futuro rei D. Pedro V e os irmãos tiveram, assim, uma formação muito diferente da da mãe e mesmo do avô e tio-avô, D. Pedro e D. Miguel. "Nos dois anos que se seguiram à morte da mãe, D. Fernando pôs D. Pedro e D. Luís a viajar pela Europa", porque achava fundamental que eles conhecessem o mundo, explica Monterroso Teixeira.

Filomena Mónica conta o mesmo no seu livro: "Fora do Natal, os príncipes seguiam um horário de estudo disciplinado. O pai não era para brincadeiras. Sempre que podia, dava-lhes lições, sobretudo de Zoologia e Botânica. [...] Muito estudioso, D. Pedro começou logo a fazer exercícios de tradução. Aos 11 anos, foi sujeito, com êxito, a um exame diante dos pais. Estes, e os fidalgos que estavam presentes, ficaram admirados com a forma como ele fizera uma redacção em latim."

A rainha Vitória e Dickens

Os tempos livres eram também cheios de actividades. Na serra de Sintra (D. Maria II nunca chegou a viver na Pena, porque a obra ainda não estava terminada quando ela morreu, em 1853), conta Filomena Mónica, "de dia faziam piqueniques, à noite viam fogos-de-artifício, e às vezes a rainha organizava bailes. Em meados do mês, voltavam para Lisboa".

Os nobres, primeiro, e o povo, depois, vendo os hábitos da família real, entre os quais a tradição da árvore de Natal, começam a imitá-los. O mesmo se passa em Inglaterra. Não é por acaso que se fala em Natal vitoriano - muitas tradições que ainda hoje se mantêm nasceram nesta altura.

Em 1848, o Ilustrated London News publicou um desenho em que se vê a família real em torno de uma árvore de Natal, com a rainha Vitória e o príncipe Alberto a olhar para os filhos, que contemplam, fascinados, as luzes. A publicação da imagem (que, um ano depois, chegou aos EUA) teve um efeito imediato e em muitas casas começou-se a instituir a tradição da árvore (em Portugal, o desenho de D. Fernando não foi publicado por isso o processo terá sido mais lento).

"Hoje tenho dois filhos aos quais posso dar presentes e que, sem saberem bem porquê, estão cheios de um maravilhamento feliz perante a árvore de Natal germânica e as suas velas brilhantes. [A árvore] afectou profundamente o Alberto, que ficou pálido, tinha lágrimas nos olhos e apertou a minha mão com ternura", escreveu a rainha Vitória, segundo conta Anna Selby em The Victorian Christmas.

Ao longo do século XIX, outras tradições natalícias foram surgindo. Em 1843, Henry Cole pediu ao artista J. Calcott Horsley que desenhasse um postal de Natal - o desenho mostrava um grupo de pessoas a comer e a beber em volta da mesa de Natal e tinha escritos votos de Feliz Natal e Bom Ano Novo.

Nesse primeiro ano, imprimiram-se apenas mil, mas, nas décadas seguintes, generalizou-se o envio de cartões de Natal e desenvolveu-se uma indústria de decorações cada vez mais elaboradas. Com a árvore, chegou também a figura de S. Nicolau - que Fernando II encarnava para distribuir os presentes pelos filhos. Terá sido um editor de Nova Iorque, William Gilley, quem, em 1821, publicou um poema anónimo num livro infantil que falava em Santa Claus (o nome virá do holandês Sinterklaas) e no seu trenó puxado por renas. A imagem do Pai Natal como um velhote bonacheirão de barbas brancas carregando sacos de brinquedos surgiu também no século XIX pela mão do cartoonista americano Thomas Nast. Mas quem melhor terá descrito o espírito do Natal vitoriano foi Charles Dickens - não é por acaso que ficou conhecido com "o homem que inventou o Natal". Foi ele quem, em 1843, escreveu Conto de Natal, a história do velho e avarento Scrooge, e são os livros de Dickens que instalam definitivamente no nosso imaginário a imagem da véspera de Natal como uma noite fria, com o nevoeiro a invadir as ruas, e as casas acolhedoras e aquecidas, com a família reunida à volta de um peru e da árvore de Natal - a tal inovação que tanto entusiasmava toda a Europa e que, num texto publicado em 1850, o escritor descreve como "aquele bonito brinquedo alemão".

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

As prendas do Menino Jesus

Um lume bem forte na casa escura e fria, mais a barriguinha cheia de filhoses e só faltava a fogueira e o presépio, para ter reunida toda a magia do Natal. A fogueira avistava-se lá ao fundo, na Praça, cone de fogo de onde subiam luzinhas. O presépio era na Igreja, nessa noite ou na missa do dia seguinte, quando fôssemos beijar o Menino Jesus.
As prendas do Menino Jesus não estavam ao mesmo nível: dois ou três rebuçados de papel transparente, uns tostões… uma pelintrice que não merecia esperanças e por isso nem chegava a ser o pesadelo do Natal. Nada que se comparasse ao ritual das filhoses, autêntica orgia de luz, calor e sabores!
Aposto que foi por isso que, anos depois, o Menino Jesus foi despedido. Comparar o tempo do Menino Jesus com o tempo do Pai Natal é dizer que a fome é igual à abundância. O Menino Jesus foi o pobretanas que desiludiu as crianças durante décadas, talvez séculos. A mesma promessa renovada cada ano e nada, pior, quase nada. Uma parvoíce, isto de acreditar em prendas de um bebé acabado de nascer num curral, filho de gente que nem posses teve para ficar numa hospedaria.
Os anos 60 foram os últimos do Menino Jesus e depois o velhinho das renas tomou conta da entrega dos presentes. Notaram-se logo melhorias no serviço e, na década de 80, o Pai Natal relegou o Menino Jesus para o mundo das histórias da Carochinha.
Talvez esteja a ser injusto com o Menino Jesus, ele que encheu de alegria um Natal da minha infância. Em 1967, o meu pai chegou da França carregado de prendas. Trabalhava nas obras para um patrão de Lyon e ele ofereceu prendas aos filhos de todos os operários. Ele não, o Menino Jesus, ou melhor, o Pai Natal, quase de certeza, pois a França era um país rico!
Certamente trazidas da longínqua Lapónia e entregues ao patrão do meu pai, as prendas chegaram à Tapada mesmo a tempo do Natal. Ficou o Menino Jesus com a fama, quase de certeza imerecida, pois ainda não nos chegara a notícia da existência do Pai Natal. Mas o proveito foi da pequenada lá dos altos.
Um boneco para a Eulália. De olhos claros e cabelo loiros espetados, a minha prima Santita viu nele parecenças com o Pe. Tomás e chamou-se Tomás. Eu recebi um comboio eléctrico. Linhas, locomotiva, carruagens, fios, tudo. Alguém explicou que os fios se ligavam a uma coisa chamada electricidade e o comboio andava sozinho. Ligar os fios só se fosse nos buracos da parede da quelha, onde eu e os meus primos passámos tantas horas, de joelhos na terra. Chão alisado e sem pedras, linhas unidas e o comboio não parava, sempre às voltas, pelas nossas mãos. Havia passageiros, mercadorias, nada faltava, nem a electricidade.
Por causa deste comboio e pelos presépios daqueles tempos, fico-me em cada Natal com as histórias da Carochinha, melhor dizendo, do Menino Jesus, pois nunca o traí com o Pai Natal.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Venham mais cem!

A nossa banda filarmónica teve um ano de arromba, pois cem anos só de fazem uma vez!
No próximo domingo, dia 26 de Dezembro, encerrará as Comemorações do Centenário, com um concerto e o lançamento de um livro e de um DVD.
Estamos todos convidados!



Nota: Informação do Dário Inês.

domingo, 19 de dezembro de 2010

O Mundo Rural

Ontem, participei na apresentação do livro MEMÓRIA E HISTÓRIA LOCAL Colóquio Internacional realizado em Idanha-a-Nova. Ele reune as actas do colóquio realizado a 19, 20 e 21 de Junho de 2009, em Idanha-a-Nova.
Na altura, noticiei este colóquio e apresentei o resumo da minha intervenção, que neste livro vem publicada.
Mas esta notícia não é motivada por este meu estudo. O objectivo é dar-vos a conhecer um trecho da intervenção final do Professor Doutor João Marinho dos Santos, coordenador do colóquio e deste livro. Já a ele me referi na publicação "A Terra do Futuro", a propósito da importância fundamental da agricultura na sobrevivência do mundo rural.
Aqui deixo a parte em que ele defende esta ideia:

«É sabido que as culturas rurais mediterrâneas, devido a condicionalismos naturais (solos arenosos ou pedregosos, declivosos, secos, ...) e a limitações no uso de técnicas avançadas, são, por regra, pobres, pelo que a emigração esteve sempre presente, historicamente, no horizonte dos seus habitantes. Assim, convirá adoptar uma estratégia de crescimento económico que utilize todos os factores ou recursos e os combine de modo a gerar uma evolução auto-sustentada. Porém, também convirá ter presente que a matriz das culturas rurais é agrícola (englobando-se, nesta designação, a agricultura, a pastoprícia e a silvicultura), pelo que a actividade primária terá sempre de persistir e conferir sentido permanente ao crescimento económico e ao desenvolvimento. É que o espaço ou o território não é neutro. Ele grava e manifesta a história dos homens (os seus modos de vida, os seus comportamentos, as suas crenças), através de inúmeros vestígios, que a memória, a arqueologia e a história como ciência se encarregam de detectar e interpretar. Compete a cada geração de homens reconhecer-se nesses vestígios e dar continuidade à vida, renovando o património legado, preservando-o, reutilizando-o, rentabilizando-o, mas sem desvirtuar esse legado, conforme dissemos. Vem isto a propósito de lembrar que não será, só, pela reutilização, para fins turísticos, das nossas aldeias que se valorizará o mundo rural. O turismo poderá e deverá ser um complemento (revertendo, em parte, para o agricultor); mas, não poderá ser, nunca, o factor vital das culturas rurais populares. Sem agricultores, não haverá paisagens campestres humanizadas e cessarão, por completo, as autênticas manifestações de cultura popular. Logo, cair-se-á num turismo fraudulento, se faltar a infra-estrutura agrícola e artesanal.»

João Marinho dos Santos, O factor cultural no desenvolvimento e a finalidade cultural do desenvolvimento - especificidades da Beira Interior, em MEMÓRIA E HISTÓRIA LOCAL, Colóquio Internacional realizado em Idanha-a-Nova, p. 428.


Ficha técnica:
Título: MEMÓRIA E HISTÓRIA LOCAL, Colóquio Internacional realizado em Idanha-a-Nova
Coordenação: João Marinho dos Santos e António Silveira Catana
Co-edição: CHSC - Centro de História da Sociedade e da Cultrura; Município de Idanha-a-Nova; Palimage
Autores: Vários
Local e data: Coimbra 2010.
Preço: 30 euros.