segunda-feira, 25 de abril de 2011

Liberdade

Se um dia me perguntassem qual a minha palavra de eleição, escolheria liberdade. Ela é intrínseca à natureza humana, traduz uma das mais importantes caraterísticas do homem. Motiva rebeliões individuais e coletivas, provocando as revoluções que mudam o curso da História.
Normalmente, atribuímos à economia a causa impulsionadora destes movimentos sociais, mas a ânsia de liberdade acompanha sempre as motivações económicas e continua presente mesmo quando o materialismo está ausente, de todo.
Por isso, ao pensar numa canção do Zeca Afonso, para assinalar o 25 de Abril, de entre tantas excelentes, escolho um poema escrito e musicado em honra do seu amigo Alfredo Matos, preso nas masmorras da PIDE.
Chama-se "Por trás daquela janela" e saiu no álbum "Eu vou ser como a toupeira", em 1972.


Por trás daquela janela

Por trás daquela janela [bis]
Faz anos o meu amigo / E irmão

Não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão

Se aquela parede andasse [bis]
Eu não sei o que faria / Não sei

Se a minha faca cortasse
Se aquela parede andasse
E grito enorme se ouvisse
Duma criança ao nascer

Talvez o tempo corresse [bis]
E a tua voz me ajudasse / A cantar

Mais dura a pedra moleira
E a fé, tua companheira
Mais pode a flecha certeira
E os rios que vão pró mar

Por trás daquela janela[bis]
Faz anos o meu amigo / E irmão

Na noite que segue o dia[bis]
O meu amigo lá dorme / De pé

E o seu perfil anuncia
Naquela parede fria
Uma canção de alegria
No vai e vem da maré

Por trás daquela janela[bis]
Faz anos o meu amigo / E irmão

Não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão

domingo, 24 de abril de 2011

O nosso falar: talhada

Há anos, numa volta pelo Norte, parei em Tabuaço, a descansar de uma sinuosa viagem pelas margens do rio Távora. A tarde ia meio e fomos lanchar a uma pastelaria. Pedi uma talhada da tarte que, na montra, não despregava os olhos de mim. A minha família estranhou o meu falar e riu-se. Como eu não dava mostras de emendar, lá tiveram de explicar à dona que eu queria uma fatia de tarte.
Recordei esta história ao escrever o final do texto de ontem. Na nossa terra, se o pão se comia às fatias, o queijo, e quase tudo o que desse corte, comia-se às talhadas. Por vezes, até à fatia do pão se aplicava o termo talhada. Actualmente, esta palavra já quase caiu em desuso e utiliza-se o termo fatia para tudo.
O falar politicamente correto dos meios urbanos reduz drasticamente o número de palavras usadas no nosso dia a dia. Muito do vocabulário da língua portuguesa está a perder-se, irremediavelmente. Para os jovens de hoje, entender um livro de Virgílio Ferreira, Soeiro Pereira Gomes ou Aquilino Ribeiro, que escreveram na primeira metade do século XX, já começa a ser difícil. Até de Fernando Namora se queixam, ele que tanto e tão bem escreveu sobre a nossa Beira, nos anos 50.
Por isso, temos de teimar, insistir, em nome da diversidade e riqueza da nossa cultura.

Nota: Nesta minha incursão pelo nosso falar, que se prolongará por muitas semanas, estou a meter-me por terreno alheio, pois não tenho formação académica especializada. Agradeço todas as correções ou achegas que os leitores queiram compartilhar connosco.



Aleluia Aleluia !!

Ricordó Sinhor Vigário
Que já bate o sol na Cruz
Vamos dar as Boas-Festas
Ao Coração de Jesus.


Ernesto Hipólito

sábado, 23 de abril de 2011

Jejuns e gulodices

No passado sábado, véspera de Domingo de Ramos, passei por três tratores a carregar ramos secos de pinheiro, no curto espaço entre o Carvalhal Redondo e o Caldeira. A lenha é, certamente, para os bolos e os doces da Páscoa, com que tradicionalmente se quebra o longo jejum da Quaresma.
O Domingo Gordo, domingo anterior ao Carnaval, foi a penúltima etapa antes dos sacrifícios. Costumava-se comer o rabo do porco, na salgadeira desde a matação. No tempo em que os porcos ainda comiam comida de gente (hortaliças, botelhas, beterrabas, farelos, lavadura da loiça dos donos…), o rabo do porco era uma das partes mais saborosas do dito. Claro que não era só o rabo, mas toda a zona envolvente ao cu, incluindo a ponta final da espinha. A água em que era cozido fazia uma sopa de estalo e depois acompanhava com feijão grande. E nem pensar em deitar fora o toucinho, porque gordura e febra era tudo uma delícia! (Quando eu era criança, nos anos 60, contava-se, na Vila, que o Doutor Alves aconselhara alguém a dar couves ao porco, para a carne ter mais sabor, sem ser muito gorda.)
Dois dias depois era o Carnaval, a despedida dos prazeres. Há dois anos, quando escrevi sobre as nossas tradições carnavalescas, não liguei ao arroz-doce referido no trabalho da minha irmã Isabel, em que me tenho apoiado nestas tradições. Não liguei, porque aquilo não me dizia nada: nem gosto especialmente de arroz-doce, nem era muito habitual fazê-lo na casa dos meus pais.
Ora, no ano passado, oito dias antes da Feria de Gastronomia, o Presidente da Junta, eu e a minha tia Eulália (Teodoro e Jerónimo) fomos entrevistados para a Rádio Cova da Beira. Ao ouvir a entrevista da Tia Eulália é que percebi toda a importância do arroz-doce nos rituais iniciais do ciclo quaresmal. Na casa dos meus avós paternos, onde tanta coisa faltava nesses anos 40 e 50 do século XX, nunca a minha avó Rosário deixava de fazer o arroz-doce, para toda a família comer e consolada entrar no jejum da Quaresma.
As semanas iam-se sucedendo e, chegados à Quinta-Feira Santa, nem couves se podiam comer, pois nelas estivera escondida a Sagrada Família, fugida dos soldados de Herodes. No dia seguinte, não se trabalhava. Era dia de luto total. Recordo-me de que, na Semana Santa, toda a gente se confessava e comungava, praticamente sem exceções. E nesses tempos comungava-se em jejum, mesmo que a missa fosse ao meio dia, como era costume. Um dia, o meu avô Francisco tocou com o pão na boca, ao levantar-se de madrugada e, antes de comungar, contou o sucedido ao senhor Vigário, para ele lhe autorizar a comunhão.
Cristo ficava morto durante todo o dia de sábado e nós aproveitávamos para fazer bolos e doces. À meia-noite, era a missa da Aleluia, Cristo ressuscitava e o povo desforrava-se de semanas de tristeza e jejuns: as Boas-Festas, os bolos, os tremoços, o convívio com os amigos e familiares e depois as romarias. Entrava-se numa nova etapa, o ciclo Pascal, em que se festejava a vida.
Se me virem por aí, já sabem: a minha preferência vai para uma fatia de bolo da Páscoa coberta com uma talhada do mesmo tamanho de queijo fresco caseiro (o do circuito comercial tem um aditivo que o torna amargo, sem o sabor adocicado do leite).

Alguns artigos relacionados:
“Os Martírios”, de 1 de abril de 2010
“Procissão do Enterro”, de 3 de abril de 2010
“Tradições de Carnaval”, de 13 de Fevereiro de 2010
“A Ladainha”, de 12 de abril de 2009
“Doçaria pascal”, de 5 de abril de 2009
“Tradições da Páscoa”, de 28 de março de 2009

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Procissão do Enterro

É hoje à noite.
Estes vídeos não têm grande qualidade, mas ajudam a matar saudades a quem está longe.
São da procissão do ano passado. Nos últimos anos, desliga-se a iluminação pública, para uma melhor reconstituição da tradição.





Nota: Filmagens da Filipa Teodoro

domingo, 17 de abril de 2011

Primavera

A Primavera chegou com tal força que até ultrapassou o comboio da beira baixa (também não é preciso muito).
Hoje, na TV, passou uma reportagem sobre a vinda de um comboio turístico pelo vale do Tejo, para ver as cerejeiras em flor. Mas elas, em Alcongosta, já tinham a cereja a engrossar.
Eu não fui tão lento como a CP, mas quase: num fim de semana, esqueci-me da máquina fotográfica e, no seguinte, as cerejeiras já estavam a limpar (a largar as pétalas).
Deixo-vos algumas flores da Gardunha. São as do costume, mas sempre lindas!

Polígala


Violeta


Sargaço


(?)


(?)


Esteva


(?)


Carqueja

sábado, 16 de abril de 2011

O nosso falar: destravado

Há dias, tentava eu explicar aos meus alunos a actual crise que Portugal vive, lamentando a falta de união entre os nossos políticos, a fim de pouparem os portugueses a males maiores, que já se anunciam, quando o melhor aluno da turma disparou:
“O stor é que devia ir para político!”
Tamanho elogio (não era ironia, há alunos que veneram os seus mestres) deixou-me desarmado da carapaça formalista e neutra com que nos equipamos para enfrentar questões delicadas.
Assim desprotegido, caído no poço do subjectivismo, a resposta que me saiu da boca foi: “Não tenho jeito, sou muito destravado.”
Até os distraídos concentraram os olhos em mim. Nem os dois alunos com raízes vicentinas, um na Partida, outra no Casal da Fraga e na Vila, davam mostras de ter entendido.
Lá tive de fazer o costume, sempre que nos surge uma palavra desconhecida: perguntar à palavra o que ela nos pode dizer. E esta aplica-se aos carros sem travões, que descem desgovernados e chocando nos obstáculos que encontram pelo caminho, até serem imobilizados por um suficientemente grande.
E acrescentei, voltando a mim próprio: “A política é uma actividade nobre, a ciência de governar um país. Mas é também um jogo, uma procura de equilíbrios. Ora, eu não tenho jeito para jogos, digo o que tenho a dizer e isso cria problemas com muitas pessoas.”
Quando entramos no nosso subjectivismo, é nas nossas raízes que mergulhamos. Ainda hoje a minha mãe me chama destravado, não no sentido acima usado, mas como sinónimo de apressado.
Não conheço o uso deste adjetivo, com os sentidos atrás referidos, fora de São Vicente da Beira, embora, dificilmente, o seu uso terá uma incidência apenas local.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Mais óvnis

Chegou, recentemente, mais um comentário à publicação "Óvnis na Gardunha?", de 23 de Novembro. Como está lá para trás, muitos não o lerão e penso que vale a pena.
Qual a minha opinião sobre o assunto? Penso que, cientificamente, tenho de aceitar que poderemos não estar sozinhos no Universo e que a ciência de amanhã poderá explicar fenómenos para os quais ainda não há explicação (viver noutra dimensão...).
Mas, como sou homem de pouca ciência, não perco tempo com o assunto. Aliás, a minha única preocupação é saber como ir até à Penha (no cume, por cima de Castelo Novo), pois tenho de satisfazer o pedido de um sobrinho meu, para o levar até lá, e não sei como descalçar a bota!

Caro José Prata, restantes conterrâneos e leitores em geral.
Chamem e pensem o que quiserem aos ditos ovnis e acreditem ou não que eles frequentam bastante a serra da Gardunha... Pessoalmente pouco me importa o que se possa dizer ou pensar deste fenómeno (que aliás nem me interessa muito...).

Agora que nas aldeias em redor da serra há muita gente de bem que viu "coisas" bem concretas e que alguns nem às parede confessam para não serem alvo de chacota e desacreditados na terra, isso podem ter a certeza que há.

E o que tem sido visto é bem mais do que luzes na serra.
Conheço gente com os pés bem na terra que andou a dormir mal durante anos por causa daquilo que viram.