sexta-feira, 13 de maio de 2011

Fonte Velha

É um dos locais mais emblemáticos da nossa terra.
Enfeitada com vasos de flores, via partir e chegar os rapazes das sortes. Ali se começavam namoros e se encontravam amigos. E se a água é fonte de vida, a desta fonte mata-nos a sede há séculos.


A Fonte Velha, no largo Francisco Caldeira


REEDIFICADA
PELO PRESIDENTE DA CA=
MARA JOSE MARIA DE MOURA
BRITO E VEREADORES RO=
BLES GARRIDO MAGALHA=
ES NETO ANNO DE 1854


Juiz Pedro (IVDICES PETRUS)...1578
(A Igreja do Louriçal tem inscrito, na fachada, o mesmo nome Petrus, com a data de 1559. Poderá ter sido a mesma pessoa, com funções de Juiz de Fora, em representação do rei, que mandou edificar a fonte e a igreja.)


Sebastião, rei da Lusitânia
(Tradução demasiado livre, mas que respeita o sentido. Em 4 de Agosto de 1578, o rei de Portugal, D. Sebastião, morreu em Alcácer Quibir!)

domingo, 8 de maio de 2011

As castanhas da Devesa

A par dos cereais, sobretudo do centeio, a castanha foi, durante séculos, o sustento dos nossos antepassados. A povoação de São Vicente da Beira estava rodeada de soutos de castanheiros.
Na segunda metade do século XVIII, o Conde de São Vicente tinha oito propriedades com castanheiros: Prado, souto ao pé do Pinheiro, Casal do Pisco, souto à Fonte do Infante, Oriana, Ribeiro de Dom Bento, Carvalhal Redondo e souto ao Vale de Pedro Lourenço.
Também o Capitão-Mor Francisco Caldeira era dono de vários soutos: Barroca do Forno, Barroca do Pisão, Vale de Pêro Lourenço, Pinheiro, Aldeões, Vale de Cabra, entre outros.
Manoel Vas Rapozo trazia aforados um casal (Casal do Aires ?) e uma fazenda de Antonio de Azevedo, a quem pagava de foro 18$000 réis e 8 alqueires de castanha pilada, por ano.
Na mesma época (1775), Antonio Fernandes o moço da Partida detinha a Tapada do Souto e pagava de décima, pela produção de castanha, $350 réis.
Entretanto, no mesmo século XVIII, iniciou-se a cultura do milho grosso, que veio disputar aos linhares as terras ribeirinhas. O incremento da cultura da batata foi bastante mais tardio, pois a sua produção só se generalizou na segunda metade do século XX.
Estas duas produções de origem americana foram a salvação das nossas gentes, pois os castanheiros começaram a morrer, a partir de finais do século XIX, atingidos pela doença da tinta.
Mas, em 1854, os castanheiros ainda dominavam a nossa Devesa. O documento que se segue refere-se à venda da castanha, pela Câmara Municipal.


Termo da arrematação da castanha pendente do souto da Devesa, própria deste concelho, que faz João Duarte, pela quantia de mil quatrocentos e cinquenta réis

Aos cinco dias do mês de Novembro de mil oitocentos e cinquenta e quatro, nesta vila de São Vicente da Beira e casas do concelho, aonde se achava o Presidente da Câmara, José Maria de Moura Brito, aí por ele foi ordenado ao oficial de porteiro, Manuel Francisco, lançasse a pregão, na Praça pública, a castanha pendente do souto da Devesa, no valor de dois mil e quatrocentos réis.
O dito porteiro assim apregoou a dita castanha, repetidas vezes, a fim de obter lançador, depois do que deu sua fé que João Duarte desta Vila lhe havia dado o maior lanço de dois mil quatrocentos e cinquenta réis e que não havia quem mais lançasse, à vista do que o dito Presidente lhe mandou entregar o ramo ao dito arrematante, que ele recebeu da mão do porteiro, em sinal da sua arrematação, e se obrigou ao pagamento da dita quantia, em uma só prestação, no dia vinte da Janeiro de mil oitocentos e cinquenta e cinco.
E para de tudo constar, se lavrou este termo que o dito Presidente assinou, com o arrematante e o porteiro. Eu, José Ribeiro Robles, escrivão da Câmara, o escrevi
.

Notas:
Porteiro - Era o funcionário municipal encarregado de publicitar, através de pregão gritado nas ruas, largos e praças, as decisões camarárias ou a arrematação de bens públicos. Também afixava avisos e posturas municipais.
Francisco Caldeira - Natural da Sertã, casou em São Vicente e foi o avô do 1.º Visconde da Borralha.
Manoel Vas Raposo - Antepassado dos Raposo Macedo Doria e de Hipólito Raposo.
José Ribeiro Robles - Trata-se do avô materno de Robles Monteiro, como informa o Comentário de Paulo Nicolau Almeida, à publicação "Robles Monteiro - Raízes", de 25 de Outubro de 2010, nestes Enxidros. José Ribeiro Robles era filho de Bernardo António Robles, natural da Covilhã, e de Antónia Raimunda Ribeiro, de S. Vicente.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Mais muros apiários

Já noticiara a publicação on-line do estudo sobre os Muros Apiários, pela AEAT.
A apresentação oficial decorreu, nesta quinta-feira, 5 de Maio, no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa.
A revista AÇAFA, n.º 3, apresenta agora a versão definitiva. Junto segue a informação, para os interessados.
Colaborei no estudo, que incluiu elementos sobre o antigo concelho de São Vicente da Beira.


A Associação de Estudos do Alto Tejo informa que o nº 3 da revista digital AÇAFA On-line correspondente ao ano de 2010, dedicada ao tema Muros-apiários, um património comum no Sudoeste Europeu já está disponível na página da AEAT em www.altotejo.org.

Para aceder ao website clique aqui.

A presente edição é constituída pelos seguintes doze textos e nove comentários:
LES ENCLOS À ABEILLES (Gaby Roussel)

LES MURS À ABEILLE DANS L’EUROPE OCCIDENTALE (Robert Chevet)

LES APIERS DE LA HAUTE VALLÉE DE LA ROYA (Luigi Nino Masetti)

RUCHERS DANS LA VALLÉE DE L´EBRE (Robert Chevet)

LOS COLMENARES TRADICIONALES DEL NOROESTE DE ESPAÑA (Ernesto Díaz y Otero e Francisco Javier Naves Cienfuegos)

MUROS APIÁRIOS NA GALIZA INTERIOR: OS ALVARES DO CAUREL (Lois Ladra e Xúlia Vidal)

Muros-apiários das serras do Alvão e Marão: contribuição para o seu estudo e preservação (António Pereira Dinis e A. Mário Dinis)
OS MUROS-APIÁRIOS DO PARQUE ARQUEOLÓGICO DO VALE DO CÔA (Dalila Correia)

OS MUROS-APIÁRIOS da Região de Castelo Branco e Zona Envolvente (Francisco Henriques, João Carlos Caninas, Mário Lobato Chambino, José Teodoro Prata e José Joaquim Gardete)
OS MUROS APIÁRIOS DO PARQUE NATURAL DA SERRA DE SÃO MAMEDE E SÍTIO DE SÃO MAMEDE (Joana Salomé Camejo Rodrigues e João Carlos Neves)
PRESENÇA HISTÓRICA DO URSO EM PORTUGAL E TESTEMUNHOS DA SUA RELAÇÃO COM AS COMUNIDADES RURAIS (Francisco Álvares e José Domingues)

ORIGINALIDADES DO COBERTO VEGETAL DO ALTO TEJO (Mafalda Veigas, Carlos Vila-Viçosa, Paula Mendes e Carlos Pinto-Gomes)
MUROS, ENTRE AS ABELHAS E OS URSOS. ALGUNS COMENTÁRIOS, REFLEXÕES E OUTROS CONTRIBUTOS (Alexandra Lima, António Nabais, Helena Paula Vicente, Jorge de Oliveira, Jorge Paiva, Maria Ramalho, Maria de Jesus Sanches, Paulo Ramalho e Teresa Soeiro)

Os muros-apiários são construções em pedra ou taipa que formam cercados destinados a proteger os colmeais contra diversos tipos de agressões, entre as quais os mamíferos, com destaque para os ursos. Estas construções ocorrem em várias regiões da Europa e do Mediterrâneo. Este processo de proteger os apiários, cercando-os com muros, por vezes muito altos, não é único, existindo outros tipos de construções com idêntico propósito, mas será talvez um dos mais representativos à escala europeia, desde a Península Ibérica até às Ilhas Gregas, de tal modo que o seu estudo e divulgação podem constituir novos elos de aproximação entre povos e culturas.

O nosso falar: cheirume

O almoço de Páscoa começou com uma canja. Não é habitual, mas estava magra e saborosa. Coube-me deitar os pratos. Ao vigésimo e último, já só havia um restinho no fundo da panela. Quando a minha mulher fez tenção de levar o prato, eu exclamei: "Espera, estou a ver se ainda apanho mais um cheirume!" Referia-me a umas febritas que dançavam no último caldo.

Vim intrigado com a palavra que usara. Consultei o dicionário cá de casa e nada. Tive de recorrer ao Dicionário de Morais (1789-1949), na Biblioteca Municipal.
Cheirume significa cheiro forte, penetrante.
Não me satisfez. Achei chorume: abundância, opulência; banha, pingo; sugo (líquido que escorre do estrume, do lixo); excesso de gordura do leite ao fabricar-se o queijo; gordura segregada na base dos velos dos ovinos.

A minha mãe, a agricultora lá de casa, costumava dizer de uma terra magra, sem estrume ou adubo com que alimentar as culturas, que não tinha cheirume nenhum. Era isso que eu procurava, ao catar as últimas febras no fundo da panela: alimentar o melhor possível a pessoa a quem coubesse aquele prato.
Penso que o nosso cheirume é uma mistura de cheirume e chorume, mas acho que tem mais de chorume que de cheiro.
Como o povo tem tendência para aldrabar as coisas, os nossos antepassados usaram cheirume, que também cheira, com o sentido de chorume.

domingo, 1 de maio de 2011

Sopas e missas

Já aqui informei sobre o blogue do José Miguel Teodoro. Entretanto, esteve em hibernação, por excesso de trabalho do dono, mas já voltou ao activo.
As publicações de 6 de Março, 3 de Abril e 17 de Abril referem-se a São Vicente da Beira e são daquelas a não perder!
O Convento de Santa Clara, apontado nos textos, é o nosso convento das religiosas. Como nos ensinaram na recente Procissão dos Terceiros, foi Santa Clara que criou a organização feminina da Ordem Franciscana. A Igreja do Convento, dedicada a São Francisco, era maior do que a Igreja da Misericórdia. Situava-se na parte esquerda de quem olha da rua para o antigo convento, no local onde atualmente está um palheiro e foi aberto um portão.
Aqui deixo, de novo, o endereço do blogue do José Miguel: http://sopasemissas.blogspot.com/

sábado, 30 de abril de 2011

O nosso falar: charepo

Segundo o Dicionário de Morais, que começou a ser publicado em 1789, existe a palavra charete, termo regional do Alentejo, que designa um pequeno lavrador sem gado e também um sujeito desavergonhado, um bisbórria (homem desprezível, ridículo, sem valor), um garoto.
A palavra aplica-se a um homem que promete tudo, mas não cumpre o combinado, um homem sem palavra, sem honra, nem personalidade.
Em São Vicente da Beira, um charepo é isto mesmo. Só não designa um pequeno lavrador sem gado, mas, no Alentejo, o termo talvez fosse usado pelos grandes lavradores para ridicularizar os mais pobres que também queriam vingar na vida.
Um charepo é um homem com muita conversa, muita promessa, mas que não cumpre o dito, sem palavra.
Na nossa terra ou em toda a Beira, a palavra charete deve ter evoluído para charepo, devido a uma mais fácil pronúncia.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A República

Decorreram, no ano de 2010, as comemorações do Centenário da República.
Muitas foram as realizações destinadas a assinalar a implantação da Répública, em 5 de Outubro de 1910.
No Arquivo Distrital de Castelo Branco, esteve patente uma exposição de documentação sobre as ocorrências, no distrito, ligadas a tão grande acontecimento nacional.
De São Vicente da Beira, um registo no livro de correspondência do Governo Civil, informando que o Regedor de São Vicente da Beira «Participa que é Republicano para todos os efeitos e deseja continuar no cargo de regedor da mesma freguesia.» Não vem indicado o nome.
Foram muitos séculos de miséria e o desenrascanço passou a estar inscrito nos nossos genes!
Na minha escola, a data foi assinalada com grande solenidade. Uma das realizações foi a representação, pelo Clube de Teatro, de uma peça de teatro escrita por mim, sobre a acontecimento cujo centenário se comemorava.
A peça tinha um objectivo didáctico e destinou-se aos alunos do 4.º ao 7.º anos. Como resultou bem, aqui vo-la deixo. Pode ser encenada em qualquer altura, como forma de ensinar a implantação da República. O discurso da Menina Monarquia é um documento histórico importante: o comunicado de Machado Santos ao povo de Lisboa!



A Dona Monarquia e a Menina República
José Teodoro Prata

Personagens:
Dona Monarquia
Menina República
Dirigente republicano 1
Dirigente republicano 2
Zé Povinho
Popular 1
Popular 2
Popular 3
Popular 4
Popular 5
Popular 6
Popular 7

Acto Único

Em cena, atrás, estão dois dirigentes do Partido Republicano, sentados a uma mesa. No meio deles, está uma bela jovem sorridente, vestida com as cores da República (verde e vermelho). Ao fundo, vê-se o brasão da Câmara Municipal de Lisboa, uma câmara republicana desde as eleições de 1908.
Na boca da cena, anda uma senhora vestida com as cores da Monarquia (azul e branco), muito pintada, mas já caquéctica, embora solene, apoiada numa bengala. Demonstra angústia e nervosismo.
Os populares vêm de fora da cena, do lado do público, de preferência, permanecendo depois até final da peça. Eles são o público-alvo a quem se dirigem os populares recém-chegados.
Os dois dirigentes republicanos e a Menina República conversam entre si, em voz baixa. Sempre que os populares falam, eles ouvem atentos e depois retomam as suas conversas. No início, estão nervosos e preocupados, mas a partir do avanço de Machado Santos para a Rotunda, começam a animar-se, com excepção do momento em que Paiva Couceiro bombardeia as posições republicanas na Rotunda. O ponto alto do entusiasmo dos dirigentes republicanos é a rendição do Quartel-General, a que se segue a proclamação da República.


Dona Monarquia(Entrando em cena, de preferência vinda do público, para dar tempo a que se ouça mais de metade do hino monárquico. Quando chega à boca da cena, fala para o público.) Tristes tempos estes, senhoras e cavalheiros, em que já não se respeitam a vida e a tradição. Oitocentos anos de História são espezinhados pelos homens do povo que ignoram o que é a honra e desprezam as instituições.
Os alicerces de Portugal foram erguidos pelas realezas de Leão e Castela e de Borgonha. Delas nasceu o rei fundador, D. Afonso Henriques, o primeiro da dinastia de Borgonha.
Zé Povinho(Estava sentado na primeira fila do público e levantou-se. Aparte, para o público) D. Afonso era um gigante! A sua espada pesava tanto, que eram precisos três homens para a levantarem!
Dona Monarquia(Continuando) Depois, em 1383-85, este mesmo desrespeitoso povo não aceitou os direitos sagrados da filha de D. Fernando e impôs um rei novo. Mas encontrou algum homem digno de reinar, fora da linhagem dos reis? Não, o próprio povo o reconheceu e escolheu D. João, o filho d´el-rei D. Pedro.
Zé Povinho – Viva a padeira de Aljubarrota!
Dona Monarquia – E iniciou-se a dinastia de Avis, a qual levaria às longínquas terras dos mares remotos o glorioso nome de Portugal. Depois aconteceu a tragédia de Alcácer Quibir e Portugal ficou a ser governado pela Casa Real de Espanha. Por pouco tempo. Em 1640, um valoroso grupo de nobres portugueses expulsou os espanhóis e entregou o poder ao herdeiro da linhagem de Avis, o duque de Bragança, D. João.
Zé Povinho(Olhando para o céu, de mãos postas) Valha-nos Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal!
Dona Monarquia – Este D. João IV iniciou a quarta dinastia, a mesma que ainda hoje carrega aos ombros o pesado fardo de governar Portugal. Mas as modas francesas estão a infectar o nosso Reino e o respeito e reconhecimento deixaram de ser valores que os portugueses prezem.
Há dois anos, vis criminosos mataram o amabilíssimo rei D. Carlos, grande entre os maiores nas artes, na ciência e na política. Rei amado e respeitado por toda a Europa, foi neste povo mal agradecido que encontrou os seus algozes.
Zé Povinho(Aparte) Rei morto, rei posto.
Dona Monarquia – Sucedeu-lhe o filho, D. Manuel. É muito jovem e impreparado, pois o primogénito D. Luís Filipe também encontrou a morte no trágico regicídio.
O futuro a Deus pertence e que Ele proteja a Santa Monarquia e a Casa Real dos Braganças!
Zé Povinho(Fazendo o gesto de quem rouba) Os Braganças…
Dona Monarquia – Mas temo pelos dias incertos que vivemos. Os republicanos enganam o povo, com promessas de facilidades. E têm cada dia mais apoiantes. Esta Câmara de Lisboa já eles a governam, mas querem mais, só se vão contentar quando tiverem tudo!
Zé Povinho(Fazendo um gesto com o polegar para cima) Os republicanos…
(A Dona monarquia afasta-se para um lado, desgostosa, e senta-se num cadeirão. Entram dois populares, apressados e aflitos, e falam para o público.)
Popular 1 – Uma desgraça, uma tragédia imensa! Mataram o Doutor Miguel Bombarda!
Popular 2 – Foi no Hospital de Rilhafoles. Um maluco do manicómio deu um tiro ao Doutor Miguel Bombarda!
Popular 1 – Contou-nos um merceeiro da Rua do Ouro, que soube por uma criada do Conde da Cotovia, que o ouviu da boca do cocheiro que fora com o senhor às fazendas do Lumiar e viu uma grande confusão à porta do Hospital, quando passou em Santana.
Popular 2 – Coitado do Doutor Miguel Bombarda. Grande médico e grande político republicano! (Meio em segredo) Consta por aí que o Partido Republicano se prepara para derrubar a Monarquia. O Doutor Miguel Bombarda vai fazer muita falta!
Zé Povinho – Já se viu uma coisa assim? O doutor a tratar o maluco e ele PUM!, mandou-o desta para melhor.
(Os dois populares continuam a conversar sobre o assunto, em voz baixa. Os dirigentes republicanos e a Menina República dão sinais de grande desgosto e preocupação, pela morte de um dos seus principais dirigentes.)
Popular 3(Entra apressado e diz, em tom confidencial) A conspiração republicana foi descoberta. O Governo sabe de tudo e já pôs as tropas de prevenção!
Popular 1 – Mas estes republicanos não conseguem preparar um golpe de Estado em segredo? Nos últimos anos, já é a terceira ou quarta vez que isto acontece!
Zé Povinho – Querem o poleiro dos monárquicos, mas são incompetentes como eles!
Dona Monarquia(Contente) Óptimo, Óptimo!
Popular 4(Entrando) Que tragédia, que desgraça! Morreu o Almirante Cândido dos Reis.
Popular 3 – Quando? Onde?
Popular 4 – Há pouco, na Azinhaga das Freiras. Matou-se com um tiro de pistola! Quem me contou foi a porteira do meu prédio, que o ouviu do aguadeiro, que soube por um peixeiro que voltava de Odivelas.
Popular 1 – Mas porque é que se suicidou? Tinha medo de ser preso?
Popular 4 – Qual medo? O Almirante Reis era muito corajoso! Diz-se que chefiava o golpe militar republicano, mas desorientou-se, porque muitos oficiais republicanos não revoltaram as suas unidades militares e os poucos que pegaram em armas já estão a abandonar a Rotunda.
Popular 3 – Coitado do senhor Cândido dos Reis, almirante da Marinha, deputado das Cortes e um grande republicano!
Zé Povinho – Não se aguentou. Essa é que é essa!
Popular 3 (Num lamento) São só desgraças! Os republicanos estão feitos, não têm hipóteses. Nunca vamos sair da cepa torta.
Dona Monarquia(Aparte, para o público, mostrando contentamento) Isto está a correr às mil maravilhas!
(Ambiente de consternação entre os dirigentes republicanos e também entre os populares.)
Popular 5(Entra eufórico) Machado dos Santos marchou com as suas tropas para a Rotunda e reorganizou a resistência republicana. Os militares e os populares já conseguiram rechaçar a investida das tropas fiéis à Monarquia.
Popular 4 – Como é que ele conseguiu, quando tudo parecia perdido?
Popular 5 – Foi a coragem, a bravura dos heróis! Os chefes da revolta queriam desistir e muitos oficiais já tinham abandonado as suas posições, no alto da Avenida da Liberdade. Então, eis que irrompe Machado Santos.
Zé Povinho – O comissário Machado Santos é o herói da Rotunda!
Popular 5 – Os republicanos ganharam novo ânimo e já cantam vitória! Centenas de populares da Carbonária juntaram-se a ele!
Popular 6(Entrando precipitadamente, ao mesmo tempo que se ouvem explosões.) Quem nos acode? Fujam todos!
Popular 5 – O que é? O que se passa?
Popular 6 – Os navios ancorados no Tejo estão a bombardear os ministérios do Terreiro do Paço. As pessoas fogem da Baixa. Aqui, na Câmara Municipal, corremos perigo!
Zé Povinho – É melhor dar às de Vila-Diogo!
Popular 5 – Aqui é que estamos seguros! (Apontando para os dirigentes republicanos) Os revoltosos não vão bombardear uma câmara republicana, onde está concentrado o directório do Partido Republicano!
Popular 6 – O Palácio das Necessidades também foi bombardeado. O rei D. Manuel II quis chefiar um contingente militar e atacar os revoltosos, mas não o deixaram e teve de retirar para Mafra!
Dona Monarquia(Exclamando, num lamento, aparte, para o público.) O meu menino!
Zé Povinho(Rindo, com escárnio) Coitadinho do menino da mamã!
Popular 2(Fazendo os gestos de chuchar e roubar) Esse não volta a chuchar o povo. Os monárquicos estão entalados entre os navios de guerra no Tejo e as tropas do Machado Santos na Rotunda. Estão no papo. Vou-me juntar aos patriotas. Viva a República!
(Ninguém o secunda, todos receosos do desenrolar dos acontecimentos. As personagens, em palco, conversam entre si, mas cada grupo em separado.)
Popular 7(Entrando) Trago más notícias. A tropa do Paiva Couceiro bombardeou toda a noite as posições republicanas na Rotunda! Está a fazer estragos! Tem um poder de fogo muito forte e o Machado Santos não lhe consegue responder.
Zé Povinho – Raios! A coisa está a ficar preta!
Dona Monarquia(Contente, num aparte, batendo com a bengala no chão) Boa!
Popular 2 – (Entra, agitando uma bandeira branca) Calma, calma! Foi declarada uma trégua, para fazer sair os estrangeiros que estão no Avenida Palace. O pedido veio do diplomata alemão. O hotel foi ontem bombardeado e eles temem pela vida.
Popular 7 – E na Rotunda? O Machado Santos aguenta-se?
Popular 2 – Qual quê! Aquilo parece o arraial de Santo António! À chegada do diplomata alemão, a pedir tréguas, os republicanos viram a bandeira branca e julgaram que eram os monárquicos a render-se. Armou-se a festa e só faltou a sardinha assada!
Zé Povinho – Viva a República!
Popular 6 – (Todos ficam ansiosos, na expectativa das novidades.) Mas… E o Paiva Couceiro?
Popular 2 – O Machado Santos deu um golpe de mestre! Lançou-se Avenida abaixo, de rompante, com as tropas e o povo todo atrás, e tomou de surpresa o Quartel-General, no Rossio.
Zé Povinho – Xeque-mate! O Machado Santos é o pai da Pátria!
Popular 4 – E o Governo?
Popular 2 – Já não há Governo.
Zé Povinho – A velha Monarquia esticou o pernil! Viva a República!
Populares – Viva!
(A Dona Monarquia sofre um ataque e cai no chão. É ignorada por todos. Entretanto, a Menina República e os dirigentes republicanos dirigem-se à boca de cena. No meio, vem a Menina República, de braço dado com os dirigentes republicanos. Colocam-se na boca de cena, ao centro, em linha. Dos lados, ficam os populares, empunhando bandeiras republicanas.)
Menina República – Cidadãos! Um facto notável se acaba de dar, que ficará gravado a letras de ouro na história da nossa querida Pátria. A República, devido aos esforços dos bravos que acamparam na Rotunda, dos valentes marinheiros e da nobre e valorosa população civil da cidade de Lisboa, foi hoje proclamada! A dinastia de Bragança, que há 270 anos, pesando sobre o país, o levou à ruína, à miséria e ao desprezo das nações estrangeiras, vai a caminho do exílio e nunca mais os seus representantes ousarão macular o solo sagrado da Pátria!
Zé Povinho – (Aparte, com gestos a enaltecer os atributos físicos da Menina República) Viva a República!
Populares – Viva!
Menina República – Cidadãos! O vosso gesto altivo levou ao conhecimento do Mundo inteiro, que neste canto da Europa existe um Povo que deseja, em liberdade, trilhar o caminho do Progresso. Nunca mais os estranhos deixarão de olhar com respeito os filhos de Portugal!
Zé Povinho – Somos uns valentões! Viva Portugal!
Populares – Viva!
Menina República - A luta terminou! Já não há inimigos! Hoje todos os portugueses, trocando abraços fraternais, vão colaborar na obra da regeneração da pátria! Já não há inimigos! Há só irmãos!
Em nome do governo da República, louvo todos aqueles que lutaram pela República e, numa luta homérica de um contra dez, tão bem souberam defender os seus ideais: Pátria e Liberdade. Viva a República! (Os populares e o público gritam vivas)
Dirigente republicano 1(Toma a palavra, para anunciar a constituição do novo governo. Ao nome de cada personalidade, os populares batem palmas e dão vivas) Cidadãos! Cabe-me a distinta honra de anunciar ao país a constituição do Governo Provisório da República. Presidente do Governo: Teófilo Braga; Ministro da Justiça e Cultos: Afonso Costa; Ministro das Finanças: Basílio Teles; Ministro dos Negócios Estrangeiros: Bernardino Machado; Ministro do Fomento: António Luís Gomes; Ministro da Guerra: Coronel António Xavier Correia Barreto; Ministro da Marinha: Comandante Amaro Justiniano de Azevedo Gomes.
Dirigente republicano 2(Com solenidade) Povo de Lisboa! Juntemos as nossas vozes e entoemos “A Portuguesa”, o hino patriótico que os nossos pais cantaram nas manifestações contra o Ultimato Inglês e na revolta do 31 de Janeiro (Cantam todos):

Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente, imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Entre as brumas da memória,
Oh pátria sente-se a voz
Dos teus egrégios avós,
Que há-de guiar-te à vitória!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela pátria lutar!
Contra os canhões
marchar, marchar!

(No final da 1.ª estrofe, a comitiva avança em direcção à saída, entoando o refrão. No final, dão-se vivas à República. A Dona Monarquia fica no chão, abandonada, ou é levada em padiola, por dois populares, que fecham o cortejo festivo.)

FIM