sábado, 10 de março de 2012

Na Estrela, até aos limites…

O autocarro parou na entrada do bosque de bétulas, aos pés do Cântaro Magro. Metemos as mãos na água fresca do Zêzere ainda menino e fomos caminhando para o interior, extasiados com a paisagem.
No final do parque, o terreno começava a subir e o passeio tornou-se mais difícil, por entre matos altos e pedras aguçadas. O Pe. Jerónimo parou e disse:
“Quem quiser, vem comigo a pé até à estrada que passa além, no alto. O autocarro espera lá por nós.”
A provocação era irrecusável. Embora ele fosse filho e irmão de quem era, não lhe conhecia pergaminhos que não fossem livros e missas, tirando talvez umas investidas semanais contra as balizas adversárias. E ainda uma paixão total pelo Benfica que, em todo o caso, não exigia a ele destreza física.
Habituado às andanças na serra, fui logo atrás dele, eu e umas duas dezenas de colegas. Subimos por uma passagem estreita entre encostas rochosas a pique e chegámos a uma zona plana, parecia o fundo de uma malga partida na borda, por onde tínhamos entrado.
Em lado nenhum estrada ou autocarro, isso ficava lá num cimo ainda invisível! Continuámos, pois o nosso guia mal parara e já nos ganhava dianteira. Subimos, subimos, agachados, avançando com o impulso da força que fazíamos agarrados nos matos e nas pedras. Mal nos atrevíamos a endireitar o corpo, pois parecia que caíamos para o precipício lá no fundo.
Não parávamos, pois temíamos ficar para trás, o Pe. Jerónimo já lá ia à frente. Arfávamos de boca aberta, uma sede atroz! Mas um fio de água descia por entre tufos de ervas: deitei-me no chão, fiz uma covinha, esperei que a água aclarasse e bebi sofregamente. Depois continuei, agora de gatas, pois o meu medo de cair para trás aumentava na razão directa do aumento do declive.
Mais umas braçadas e já se viam as guardas da estrada e depois os nossos colegas. Chegámos, meio embriagados pelo cansaço e pelo entusiasmo de termos conseguido. Penso que foi no meu 5.º ano (9.º ano) e tenho esta subida a parte do Cântaro Magro no quadro de honra dos melhores momentos da minha adolescência.
Depois do almoço, natação na Lagoa Comprida. Novo desafio do Pe. Jerónimo: nadar até ao paredão da barragem. Alguns acompanharam-no e conseguiram, outros voltaram para trás, mas eu nem passei das margens. Sou terra, nada de água, nem ar.
No final, comentámos a pujança do nosso prefeito. O velhote tinha garra!

No final da crónica, fiz as contas à idade do Pe. Jerónimo, na época: cerca de 30 anos! É curiosa a perceção que os mais novos têm dos mais velhos.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Chuva

Nada. Uns barrufos que nem o pó assentaram!

domingo, 4 de março de 2012

O nosso falar: estercar

A chamada zona do pinhal, que começa nos Pereiros e acaba nas proximidades de Tomar, é uma região cheia de particularidades.
Região de boa gente, a melhor que conheço, conserva tradições que nas áreas circundantes há muito foram devoradas pela modernidade.
Têm os maranhos (um manjar do Olimpo), ainda fazem a torna (um vizinho ajuda os outros na azeitona e eles vêm ajudá-lo a ele, tudo sem dinheiros) e dizem estercar quando andam a espalhar o estrume (esterco) numa terra de sementeira ou as cabras pastam num terreno de cultivo e aproveitam para se aliviarem.
Na Vila, sede do poder e por isso mais sujeita às novidades, só raramente se usa estercar, pois todos dizemos estrumar.
Mas, em 1769, a palavra ainda tinha dignidade para entrar numa ata camarária.
O Capitão João Duarte Ribeiro do Casal da Serra, aparentado com os Duarte Ribeiro de Tinalhas e Freixial, também tinha casa e terras na Vila. Era um dos homens mais rico e poderoso do concelho.
Trazia arrendada a tapada das Poldras ao Desembargador João Cardoso de Azevedo e, diariamente, as suas ovelhas e cabras desciam do Casal da Serra, atravessavam os Enxidros, passavam por dentro da Vila e vinham pernoitar nas fazendas, para as estercarem.
Foi multado, apresentou reclamação, mas recusaram-lha, por virem as ovelhas serranas misturadas com um cento de cabras. Todos conhecemos o carácter predador das cabras, além de que o gado ignorava que as ruas da Vila não eram sítio para estercar.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A vila da infância

FLUIDA ESPIRAL

Naquele tempo a aldeia era povoada.
Antigas canções de roda ecoavam na praça:
Quantos peixes há no mar? Eu nunca lá fui ao fundo…
Mais antigos, contudo, eram os cânticos da fonte
segredos de milénios guardados em novelos de eternas águas.
Escondida atrás do coreto, olhos fechados
voltada para as heras das paredes
Muitas vezes perguntei: É hora?
Vozes de outras crianças, trazidas pelo vento, respondiam, dolentes
ainda não, ainda não, ainda não…

Enquanto isso, velhos paravam à sombra das árvores
enrolando cigarros, ritual para melhor desenrolarem histórias
memórias de outros tempos, fluida espiral
fio azulado de fumaça, onde recuperavam o fio do passado.
Carros-de-bois chiavam pelas ruas
burrinhos trotavam, pachorrentos
transportando figuras negras
mulheres sentadas de lado, sob a sombrinha aberta
fizesse chuva ou sol
umas vezes indo, outras regressando dos campos.
E baliam cabras, vigiadas pelo pastor
entre toques de sino – alvorada ou crepúsculo.
Na ribeira, misturava-se o canto das águas viajantes
e o canto das lavadeiras, intervalo de linho e espuma
enquanto os maridos andavam nos montes e nas searas
estrelas que partem, estrelas que retornam
dia vai, dia vem, verões e invernos
flores que nascem e se esfolham.

(Maria de Lourdes Hortas, Cantochão de Todavia, Gega, 2005, São Vicente da Beira)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

FORAL MANUELINO - Foral medieval de São Vicente

Comemoramos este ano os 500 anos do foral manuelino de São Vicente da Beira, publicado em Novembro de 1512.
Como o foral manuelino começa por «Visto ho foral dado por el Rey dom afonso filho del Rey dom sancho...», recordemos então o foral de 1195.
Ao longo deste ano, serão aqui publicados vários estudos sobre o concelho de São Vicente, na época do foral manuelino. A notícia "São Vicente, em 1496", de 3 de fevereiro, já se insere neste projeto.



Pia de água benta manuelina, na entrada principal (ao fundo) da Igreja da Misericórdia. A parte inferior é um acrescento tosco.

Eu, rei Afonso, filho do rei Sancho, juntamente com minha mãe, rainha Dulce, e ao mesmo tempo com G. Martins, prior de S. Jorge e todo o seu convento e com Frei João de Albergaria de Poiares, queremos restaurar e povoar o lugar de São Vicente.
Damos e concedemos o foro e costumes da cidade de Évora todos tanto presentes como futuros, que nesse lugar quiserem habitar.

Mandamos, além disso, que duas partes dos cavaleiros vão no fossado do rei e a terceira parte fique na vila com os peões; e façam o fossado uma vez no ano. E quem não for no fossado, pague de foro 5 soldos por fossadeira.

E por homicídio, (pague-se) 100 soldos ao palácio. E por casa destruída por armas, escudos e espadas, pague 300 soldos e a 7.ª ao palácio. Quem furtar, pague 9 por um e desses tenha o queixoso 2 quinhões e os outros 7 sejam para o palácio.

E quem violentar uma mulher e ela, clamando, disser que foi forçada e o acusado negar, ela apresente em juramento 3 homens de categoria igual à do acusado e ele jure com 12 que não o fez. E se a mulher não tiver quem jure por ela, jure ele só. Se não puder jurar, pague a ela 300 soldos e a 7.ª ao palácio.

A testemunha mentirosa e o fiador mentiroso pague 60 soldos e a 7.ª ao palácio e duplique o que deve.

Quem bater noutro no concelho, no mercado ou na igreja, pague 60 soldos, metade para o palácio e metade para o queixoso. Da metade do queixoso, a 7.ª ao palácio.
O homem que for gentil ou herdador, não seja mordomo.

E quem encontrar penhor na vila e for penhorar ao monte, dobrará a penhora feita e pague 60 soldos w a 7. ª para o palácio. E quem não for juiz e receber penhor da mão do saião, pague 1 soldo ao juiz.

E quem não comparecer ao chamamento às armas, cavaleiro ou peão, exceto os que estão em serviço alheio, pague aos vizinhos: o cavaleiro 10 soldos e o peão 5 soldos.
E quem tiver uma aldeia, uma junta de bois, 40 ovelhas, 1 burro e dois leitões, compre cavalo.

E quem faltar ao casamento com sua mulher pague 1 soldo ao juiz. A mulher casada pela igreja que abandonar o marido pague 300 soldos e a 7.ª ao palácio. Quem abandonar a sua esposa pague ao juiz 1 dinheiro.

Quem montar um cavalo alheio, por um dia, pague 1 carneiro; se mais, pague 6 dinheiros por cada dia e 1 soldo por cada noite.

E quem ferir com lança ou espada, pela ferida pague 10 soldos. Se passar a outra parte, pague ao ferido 20 soldos. Quem vazar um olho ou quebrar um braço ou dente, pague ao ferido, por cada membro, 100 soldos e ele dará a 7.ª ao palácio. Quem bater na mulher doutro, na presença do marido, pague 30 soldos e a 7.ª ao palácio.
Quem mudar, na sua herdade, o marco alheio pague 5 soldos e a 7.ª ao palácio. Quem violar a estrema alheia, pague 5 soldos e a 7.ª ao palácio.

Quem matar um criado alheio pague homicídio ao seu amo e dê a 7.ª ao palácio. Do mesmo modo para o seu hortelão, o seu quarteiro, o seu moleiro e o seu solarengo.
Quem tiver vassalos no seu solar ou na sua herdade, eles, em qualquer parte do Reino de Portugal em que houver herdades, não paguem nem sirvam a outro homem, a não ser ao senhor das herdades.

Os moradores de S. Vicente não paguem multas, a não ser por foro de São Vicente.
As tendas, os moinhos e os fornos dos homens de São Vicente sejam livres de contribuições.

Os cavaleiros de São Vicente sejam considerados, em juízo, como ricos-homens e infanções de Portugal. Os clérigos tenham foro de cavaleiros. Os peões sejam, em juízo, equiparados aos cavaleiros vilãos de outras terras.

Quem vier como vozeiro contra o seu vizinho a favor de homem de fora da vila, pague 10 soldos e a 7.ª ao palácio.

O gado de São Vicente não pague montado em nenhuma outra terra.

E o cavaleiro que perder o seu cavalo, embora tenha outro, seja escusado por um ano.
O mancebo que matar um homem de fora da vila e fugir, o seu amo não pague homicídio por ele.

Em todas as querelas do palácio, seja vozeiro o juiz.

Quem na vila penhorar acompanhado do saião e lhe contestarem a penhora, prove-o o saião e reúnam três chefes de família e seja penhorado por 60 soldos, metade para o concelho e metade para o queixoso.

Os homens de São Vicente não sejam dados em préstamo.

E se os homens de São Vicente contenderem judicialmente com homens de outra terra não corra entre eles processo de querela, mas proceda-se ao inquérito de testemunhas ou por combate judicial.

E os homens que quiserem demorar-se nos termos de São Vicente, com o seu gado, recebam deles montágio, isto é, dum rebanho de ovelhas 4 carneiros e de uma vacada uma vaca. Este montádigo é do concelho.

E todos os cavaleiros que forem no fossado ou na guarda, todos os cavalos que perderem na algara ou na lide, primeiro tomarão para si o valor deles, sem deduzirem a quinta parte, e depois dê-se-lhes a quinta parte do restante.

E todo o homem de São Vicente que encontrar alguém doutra vila nos seus termos, cortando ou levando madeira dos montes, apreenda tudo o que encontrar sem multa.
De azarias e guardas dai-nos a 5.ª parte, sem qualquer presente.

Todo o que penhorar ou roubar gado doméstico pague ao palácio 60 soldos e dobrará o gado ao seu dono.

Atestamos e para sempre confirmamos que todo aquele que penhorar mercadores ou viajantes cristão, judeus ou mouros, a não ser que sejam fiadores ou devedores, o que o fizer pague 60 soldos ao palácio e dobrará o gado que apreender, ao seu dono; além disso, pague 100 morabitinos pelo couto que violou; o senhor da terra terá metade e o concelho outra metade.

Se alguém vier, pela violência, à vossa vila, para tomar comida ou outra coisa, e lá for morto ou espancado, não se pague por ele qualquer multa, nem os seus parentes tenham homicídio. Se vier com queixa ao senhor, pague 100 morabitinos, metade para o senhor e metade para o concelho.

Mandamos e concedemos que se alguém tiver sido ladrão e se já roubou há um ou dois anos ou deixar de roubar e depois disso for procurado por alguma coisa que cometeu, salve-se como ladrão. Se é e foi ladrão, pereça e sofra a pena de ladrão. Se alguém foi procurado por furto e não é nem foi ladrão, responda pelo seu foro.

Se algum homem raptar a filha de outro, entregue-a aos seus parentes, pague-lhes 300 morabitinos e a 7.ª ao palácio e seja considerado homicida.

De portagem: foro de trouxa de cavalo, de panos de lã ou de linho, 1 soldo; de trouxa de lã, 1 soldo; de trouxa de panos de algodão, 5 soldos; de trouxa de panos de cor, 5 soldos; de carga de pescado, 1 soldo; de carga de burro, 6 dinheiros; de carga de peles de coelho de cristãos, 5 soldos; de carga de (peles de) coelhos de mouros, 1 morabitino. Portagem de cavalo que vender no mercado, 1 soldo; de muar, 1 soldo; de burro, 6 dinheiros; de carneiro, 3 medalhas; de porco, 2 dinheiros; de furão, 2 dinheiros; de carga de pão ou de vinho, 3 medalhas; de carga de peão, 1 dinheiro; de mouro que vender no mercado, 1 soldo; de mouro que se resgatar, a décima; de mouro que se assoldadar com o seu dono, a décima; de coiro de vaca ou de zebra, 2 dinheiros; de coiro de veado ou de gamo, 3 medalhas; de carga de cera, 5 soldos, de carga de azeite, 5 soldos.

Esta portagem é dos homens de fora da vila; a terça parte desta portagem dê-se ao hospedeiro e duas partes aos senhores. Os moradores de São Vicente não paguem portádigo.

Os moradores de São Vicente dêem a décima a Deus e a São Vicente.

Os termos de São Vicente são estes: através da Enxabarda, vai pela ribeira de Almacaneda e segue a corrente até ao fundo do Vale do Peral, ao fundo, entram em Almacaneda e entra o Rio de Moinhos no Ocreza; depois segue pela água de Ocaia até … e vai até à Portela de São Vicente.

Eu, Gonçalo Martins, prior de São Jorge, juntamente com todo o convento e com Frei João autorizamos, concedemos e confirmamos esta carta, com as próprias mãos, ao concelho de São Vicente. Eu, rei Afonso, juntamente com minha mãe, rainha Dulce, e ao mesmo tempo com Gonçalo Martins, prior de S. Jorge, e com todo o seu convento e com Frei J. de Albergaria de Poiares autorizamos e confirmamos esta carta pelas nossas próprias mãos. Todo o que quiser violar estes termos assinados, pague ao concelho 1000 soldos de moeda corrente.

Carta feita no mês de Março da Era (de Espanha) de 1233 (ano de 1195 da Era de Cristo).

E se alguém quiser atacar este facto nosso, seja maldito por Deus.

E concedemos a todo o cristão, mesmo que seja servo, desde que habite durante um ano em São Vicente, seja livre e ingénuo, ele e toda a sua descendência.

João Viegas presbítero, notificou; Eu, rei Sancho de Portugal, autorizo, concedo e confirmo. Eu, rei Afonso, confirmo. Eu, rainha Dulce, confirmo. Eu, rei Pedro, filho daquele rei Sancho, confirmo. Eu, rei Fernando, filho do rei Sancho, confirmo. Eu, rainha D. Teresa, confirmo. Eu, rainha Sancha, confirmo. Eu, G. Martins, prior de S. Jorge e todo o seu convento, confirmamos. Frei João de Albergaria, confirmo.

Os moradores de São Vicente não têm poder de vender nem dar as suas herdades, enquanto não as sirvam por um ano; depois vendam ou dêem o que quiserem.

João Fernandes, testemunha; Mendo Pelágio, testemunha; Martinho Fernandes, testemunha; D. Julião, testemunha; Gonçalo Martins, testemunha; Didaco Cavaco, testemunha; Pelágio Rotura, testemunha; Fernando Soares, testemunha.


GLOSSÁRIO
Aldeia – Propriedade rústica (rural), quinta, casa, herdade.
Algara – Expedição militar, combate contra os sarracenos.
Almacaneda – Almaceda.
Assoldadar – Comprometer-se a trabalhar para um patrão a troco de um soldo ou salário.
Azaria – Expedição para roubar madeira, em terras inimigas.
Cavaleiro – Aquele que lutava a cavalo. Como não era nobre, chamava-se cavaleiro vilão.
Chamamento às armas – Grito de alerta, em caso de ataque inimigo; apelo às armas.
Clérigo – Membro da Igreja: padre, presbítero…
Concelho – Junta da Câmara, homens-bons que governavam o concelho.
Couto – proteção régia e multa com ela relacionada, por se ter desrespeitado a ordenação do rei.
Décima – Imposto religioso que recaía sobre toda a produção, pagando-se à Igreja a décima parte.
Dinheiro – Moeda medieval de valor inferior ao soldo.
Em juízo – Face à lei.
Estrema – Linha ou caminho que divide duas propriedades.
Fiador – Alguém nomeado pelas partes ou pelo juiz, num processo judicial; pessoa que se responsabiliza pela dívida de outro.
Foro – Imposto; norma jurídica, conjunto de direitos e obrigações de uma comunidade.
Fossadeira – Multa aplicada aos cavaleiros e peões que faltavam ao fossado.
Fossado – Serviço militar a que era obrigada a população vilã. Expedição militar em território muçulmano, realizada anualmente, com a duração de algumas semanas.
Furão – Animal carnívoro usado na caça ao coelho.
Gentil – Aquele que pertence à casa de um senhor, dependente, criado, homem semi-livre.
Guarda – Vigilância sobre os inimigos, em patrulha.
Herdador – Pequeno proprietário que detinha o domínio útil de uma propriedade, cujo domínio direto pertencia ao rei, e um senhor ou à Igreja.
Homicídio – Morte de homem; multa paga por quem comete crime de morte de homem; direito da família da pessoa assassinada de se vingar do homicida, mesmo depois deste pagar a multa por homicídio.
Hospedeiro – Aquele que no concelho dava hospedagem ao mercador vindo de fora e por isso tinha direito a um terço da portagem, por este paga.
Infanção – Membro da média nobreza, abaixo do rico-homem, mas acima do cavaleiro.
Ingénuo – Indivíduo considerado como nascido de pais livres. O foral considerava ingénuo um servo (semi-livre) que viesse morar para o concelho de São Vicente.
Lide – Luta, batalha.
Mancebo – Criado.
Medalha – Moeda de baixo valor; partes de moedas partidas; valia metade de um dinheiro.
Montádigo – Imposto cobrado em espécie (gado), a pagar por quem apascentasse o gado bovino ou ovino em pastos de um senhor ou de um concelho que não o seu.
Montado – O mesmo que montádigo.
Morabitino – Moeda medieval de ouro, também chamada maravedil ou maradevi.
Mordomo – Agente encarregado de presidir à cobrança dos rendimentos devidos ao rei.
Palácio – Casa da Câmara, local onde se fazia justiça e se pagavam as multas.
Penhor – Objeto ou bem que se dava como garantia de um contrato ou de uma dívida.
Penhorar – Efetuar a penhora; apreender, por meio de execução judicial, os bens de um devedor.
Peões – Elementos do povo que cumpriam o serviço militar na infantaria por não terem posses para terem um cavalo e comprarem as armas de cavaleiro.
Portádigo – Imposto que incidia sobre o comércio de mercadorias. Pagava-se de todos os produtos trazidos para o concelho, normalmente à entrada da povoação.
Portagem – O mesmo que portádigo.
Préstamo – Contribuição destinada a obras públicas ou à manutenção de um fidalgo.
Quarteiro – Arrendatário ou caseiro que trabalhava em terras que não eram suas a troco da quarta parte do que produzia.
Querelas – Denúncias ou queixas judiciais; questões judiciais.
Resgatar – Comprar a sua liberdade ao senhor (dono).
Rico-homem – Membro da alta nobreza.
Saião – Funcionário encarregue de executar as sentenças judiciais; algoz.
Solar – Casa do senhor, propriedade onde o senhor vivia.
Solarengo – Indivíduo que cultivava uma propriedade alheia, a troco de um salário ou de parte da produção.
Soldo – Moeda da época, de ouro, prata ou cobre.
Tenda – Loja de comércio, bancada improvisada para fazer comércio.
Termo – Campo do concelho; local do concelho afastados da sede. Limite ou fronteira.
Trouxa – Embrulho de tecido transportado por uma pessoa.
Vassalo – Dependente de um senhor, homem semi-livre.
Vizinho – Habitante do concelho.
Vozeiro – Testemunha, aquele que faz acusações, procurador, investigador.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O nosso falar: coebulhos

Esta é uma palavra do outro mundo, ou melhor, de outros mundos.
Quando há anos a encontrei, no livro de atas da Câmara de São Vicente da Beira, primeiro achei estranho e depois senti uma inquietação.
Vasculhei nas minhas memórias e ela lá apareceu: eram uns farrapos velhos muito sujos a que a minha mãe chamava cadabulhos, num tempo em que não havia caixotes do lixo para deitar fora o que já só incomodava.
Uma postura municipal de 1769 proibia a lavagem de coebulhos na ribeira e nos ribeiros, «...no tempo em que durar o alagar dos linhos...», para não os sujarem e enegrecerem. A multa era pesadíssima: 4 mil réis, o ordenado de mais de dois meses de um jornaleiro!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Capela de São Sebastião


A capela de São Sebastião, antes da recente restauração

É muito antiga, a capela de São Sebastião. No século XVIII, já se tinham perdido os papéis que ali autorizavam o culto religioso.
No ano de 1780,entrou em obras. Mas, em abril do ano seguinte, continuava «… sem portas que a defendam e sem mais ornato precizo para nella se celebrar…».
Não havia dinheiro para a acabar, nem para acudir à Igreja Matriz, «… com bastante indecencia principalmente nos estrados da mesma Igreja…».
Face ao problema, o juiz de fora (António Antunes da Trindade) convocou a nobreza e o povo, para uma vereação, no dia 29 de Abril de 1781.
Não tendo o povo posses para suprir as referidas despesas, o juiz de fora propôs que se vendesse a coutada destinada aos bois de arado.
«E visto o consentimento dos procuradores do povo e moradores interessados acordaram que se pozese a pregam a coutada…».
Os procuradores do povo eram António Mesquita de Carvalho e José Rodrigues Marques. Os moradores presentes foram: José Duarte Ribeiro, João Correia da Costa Cabral, João Duarte Ribeiro, João Barata de Gouveia, António …, Francisco António dos Santos, Jacinto Castanheira e Pedro Rodrigues. Tudo registado pelo secretário da Câmara Cláudio António Simões.
A coutada em causa não foi identificada. Era um terreno baldio, público como a Devesa, reservado à pastagem dos bois de trabalho. Em toda a freguesia, haveria duas a três dezenas de médios e grandes lavradores com posses para terem um ou dois, raramente mais, bois de trabalho. A coutada em causa, seria (?) a das Casas do Leitão, nas margens do ribeiro do Tripeiro. É a única ervagem que a documentação da época refere como destinando-se aos bois do concelho. Talvez a canada no passado existente na margem direita da Ribeirinha (atualmente da barragem) se destinasse à passagem dos bovinos para esta coutada.