domingo, 18 de março de 2012

Balanço metereológico

Caiu um carujo, mas só assentou o pó.
A seca continua. No próximo fim de semana, está prevista mais chuva. Esperemos que desta vez nos calhe alguma!

sexta-feira, 16 de março de 2012

FORAL MANUELINO - A colheita régia

O foral manuelino de S. Vicente da Beira (1512) estipulava que «Outrossim se pagará na dita vila um jantar e colheita a que chamam soldo d´água. E por ele pagam em cada um ano mil seiscentos reais repartidos por todos os moradores da dita vila e termo segunda tem a fazenda. Sem nenhuma pessoa ser escuso da dita paga por privilégio nem liberdade que tenha. Posto que seja clérigo, segundo os bens que raiz que tiver.»

Desde o início da nossa nacionalidade que era obrigatório, por parte das populações, o fornecimento de víveres para a mesa das autoridades visitantes. Fosse o rei, o bispo, o senhor da terra ou os oficiais da comarca, todos tinham direito a ser hospedados e alimentados pelos povos. Ao conjunto de alimentos que as populações deviam entregar chamava-se colheita.
A historiadora Iria Gonçalves (Souto da Casa) estudou a colheita devida ao rei D. Afonso III, no século XIII, pelos concelhos de Sarzedas e S. Vicente da Beira.
Eis a nossa colheita régia:

Carnes: 1 vaca, 2 porcos, 5 carneiros e 15 galinhas
Temperos para as carnes: 1 almude (20 litros) de manteiga, alhos, cebolas e 1 almude de vinagre
Ovos: 100
Mel: 1 almude
Sal: 1 almude
Pão: 300
Vinho: 1 moio e 6 almudes (360 litros + 6x20 litros = 480 litros)


A carne dava para alimentar cerca de 340 pessoas e o vinho para 250 pessoas (as damas bebiam pouco). Os reis deslocavam-se acompanhados por um grande séquito!
Se o rei não vinha ao concelho (nunca terá vindo à nossa vila), mandavam-se os animais para o local onde residisse habitualmente. Mais tarde, a colheita régia em géneros foi convertida em dinheiro, devido anualmente ao rei. É a esse imposto que se refere o nosso foral acima citado. Em 1512, andava pelos 1600 réis (1$600 réis).

(Iria Gonçalves, A colheita régia medieval, um padrão alimentar de qualidade (um contributo beirão), Comunicações das I Jornadas de História Regional do Distrito de Castelo Branco, 1994, Castelo Branco)


Janela manuelina ao fundo da Rua Manuel Lopes, na casa n.º 55.
A data inscrita na pedra (MCCLXXI - 1271) é muito anterior à ornamentação manuelina (pouco depois de 1500).

quarta-feira, 14 de março de 2012

O nosso falar: capela

Uma capela é um templo religioso cristão, mais pequeno que uma igreja e dedicado a um santo ou a Nossa Senhora, enquanto a igreja é, digamos assim, a casa de Deus e de todos os santos, mesmo quando é dedicada a um deles.
Também usamos capela com o sentido de uma divisão da igreja devotada especialmente a um santo, a Nossa Senhora, ao Espírito Santo, ao Santíssimo Sacramento... Não conheço na nossa freguesia esta situação, mas a igreja de Tinalhas tem uma capela virada a sul, que lhe foi acrescentada depois da construção do edifício principal.
No passado, abundava outro tipo de capela. Era um conjunto de bens (terras, casas, rendas, árvores...) deixados em testamento a uma pessoa, com a missão de usar o rendimento desses bens para mandar dizer missas por alma de quem instituíra a capela ou para uma obra pia.
Também se diz cantar à capela, que significa cantar sem acompanhamento musical. O termo vem da maneira de cantar nas igrejas/capelas, só com a voz, sem instrumentos musicais a acompanhar.
Já conhecia estas capelas, mas há uns tempos a minha mãe surpreendeu-me com mais uma. Foi ver um forno que o meu pai fizera há dezenas de anos e disse-me que estava muito bem feito, pois tinha uma capela alta para conservar o calor. Fiquei a saber que esta capela era a cúpula do forno, que deve ser alta para guardar calor suficiente para cozer o pão e os bolos. Se o forno tiver uma capela baixa, depois de gastar o calor do chão e das paredes, não tem calor de reserva e o pão fica mal cozido.
Tantas capelas, todas derivadas da primeira, um pequeno templo religioso. Esta última tem origem no teto redondo (em cúpula) de algumas capelas antigas.

sábado, 10 de março de 2012

Na Estrela, até aos limites…

O autocarro parou na entrada do bosque de bétulas, aos pés do Cântaro Magro. Metemos as mãos na água fresca do Zêzere ainda menino e fomos caminhando para o interior, extasiados com a paisagem.
No final do parque, o terreno começava a subir e o passeio tornou-se mais difícil, por entre matos altos e pedras aguçadas. O Pe. Jerónimo parou e disse:
“Quem quiser, vem comigo a pé até à estrada que passa além, no alto. O autocarro espera lá por nós.”
A provocação era irrecusável. Embora ele fosse filho e irmão de quem era, não lhe conhecia pergaminhos que não fossem livros e missas, tirando talvez umas investidas semanais contra as balizas adversárias. E ainda uma paixão total pelo Benfica que, em todo o caso, não exigia a ele destreza física.
Habituado às andanças na serra, fui logo atrás dele, eu e umas duas dezenas de colegas. Subimos por uma passagem estreita entre encostas rochosas a pique e chegámos a uma zona plana, parecia o fundo de uma malga partida na borda, por onde tínhamos entrado.
Em lado nenhum estrada ou autocarro, isso ficava lá num cimo ainda invisível! Continuámos, pois o nosso guia mal parara e já nos ganhava dianteira. Subimos, subimos, agachados, avançando com o impulso da força que fazíamos agarrados nos matos e nas pedras. Mal nos atrevíamos a endireitar o corpo, pois parecia que caíamos para o precipício lá no fundo.
Não parávamos, pois temíamos ficar para trás, o Pe. Jerónimo já lá ia à frente. Arfávamos de boca aberta, uma sede atroz! Mas um fio de água descia por entre tufos de ervas: deitei-me no chão, fiz uma covinha, esperei que a água aclarasse e bebi sofregamente. Depois continuei, agora de gatas, pois o meu medo de cair para trás aumentava na razão directa do aumento do declive.
Mais umas braçadas e já se viam as guardas da estrada e depois os nossos colegas. Chegámos, meio embriagados pelo cansaço e pelo entusiasmo de termos conseguido. Penso que foi no meu 5.º ano (9.º ano) e tenho esta subida a parte do Cântaro Magro no quadro de honra dos melhores momentos da minha adolescência.
Depois do almoço, natação na Lagoa Comprida. Novo desafio do Pe. Jerónimo: nadar até ao paredão da barragem. Alguns acompanharam-no e conseguiram, outros voltaram para trás, mas eu nem passei das margens. Sou terra, nada de água, nem ar.
No final, comentámos a pujança do nosso prefeito. O velhote tinha garra!

No final da crónica, fiz as contas à idade do Pe. Jerónimo, na época: cerca de 30 anos! É curiosa a perceção que os mais novos têm dos mais velhos.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Chuva

Nada. Uns barrufos que nem o pó assentaram!

domingo, 4 de março de 2012

O nosso falar: estercar

A chamada zona do pinhal, que começa nos Pereiros e acaba nas proximidades de Tomar, é uma região cheia de particularidades.
Região de boa gente, a melhor que conheço, conserva tradições que nas áreas circundantes há muito foram devoradas pela modernidade.
Têm os maranhos (um manjar do Olimpo), ainda fazem a torna (um vizinho ajuda os outros na azeitona e eles vêm ajudá-lo a ele, tudo sem dinheiros) e dizem estercar quando andam a espalhar o estrume (esterco) numa terra de sementeira ou as cabras pastam num terreno de cultivo e aproveitam para se aliviarem.
Na Vila, sede do poder e por isso mais sujeita às novidades, só raramente se usa estercar, pois todos dizemos estrumar.
Mas, em 1769, a palavra ainda tinha dignidade para entrar numa ata camarária.
O Capitão João Duarte Ribeiro do Casal da Serra, aparentado com os Duarte Ribeiro de Tinalhas e Freixial, também tinha casa e terras na Vila. Era um dos homens mais rico e poderoso do concelho.
Trazia arrendada a tapada das Poldras ao Desembargador João Cardoso de Azevedo e, diariamente, as suas ovelhas e cabras desciam do Casal da Serra, atravessavam os Enxidros, passavam por dentro da Vila e vinham pernoitar nas fazendas, para as estercarem.
Foi multado, apresentou reclamação, mas recusaram-lha, por virem as ovelhas serranas misturadas com um cento de cabras. Todos conhecemos o carácter predador das cabras, além de que o gado ignorava que as ruas da Vila não eram sítio para estercar.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A vila da infância

FLUIDA ESPIRAL

Naquele tempo a aldeia era povoada.
Antigas canções de roda ecoavam na praça:
Quantos peixes há no mar? Eu nunca lá fui ao fundo…
Mais antigos, contudo, eram os cânticos da fonte
segredos de milénios guardados em novelos de eternas águas.
Escondida atrás do coreto, olhos fechados
voltada para as heras das paredes
Muitas vezes perguntei: É hora?
Vozes de outras crianças, trazidas pelo vento, respondiam, dolentes
ainda não, ainda não, ainda não…

Enquanto isso, velhos paravam à sombra das árvores
enrolando cigarros, ritual para melhor desenrolarem histórias
memórias de outros tempos, fluida espiral
fio azulado de fumaça, onde recuperavam o fio do passado.
Carros-de-bois chiavam pelas ruas
burrinhos trotavam, pachorrentos
transportando figuras negras
mulheres sentadas de lado, sob a sombrinha aberta
fizesse chuva ou sol
umas vezes indo, outras regressando dos campos.
E baliam cabras, vigiadas pelo pastor
entre toques de sino – alvorada ou crepúsculo.
Na ribeira, misturava-se o canto das águas viajantes
e o canto das lavadeiras, intervalo de linho e espuma
enquanto os maridos andavam nos montes e nas searas
estrelas que partem, estrelas que retornam
dia vai, dia vem, verões e invernos
flores que nascem e se esfolham.

(Maria de Lourdes Hortas, Cantochão de Todavia, Gega, 2005, São Vicente da Beira)