sexta-feira, 4 de maio de 2012

Invasões Francesas 12

A conquista de Badajoz

Após a queda de Ciudad Rodrigo, em Janeiro de 1812 (abordada na publicação Invasões Francesas 11, de 28 de fevereiro de 2010), chegou a vez de Badajoz, a fortaleza que espreitava a porta sul da entrada em Portugal: Elvas.
A cidade de Badajoz, ocupada pelos franceses, foi tomada de assalto pela infantaria anglo-portuguesa, entre 6 e 9 de Abril de 1812. Uma força militar portuguesa permaneceu na cidade para repor a ordem.
Por todo o Alto Alentejo, houve então grande movimento militar, entre o Quartel-General de Abrantes e a fortaleza de Badajoz, nessa Primavera de há precisamente 200 anos.
Ora as tropas necessitavam de carreiros para lhes darem apoio logístico. Por isso os ganhões do concelho de São Vicente da Beira foram novamente chamados a dar o seu contributo para a libertação da Pátria.

 
Mapa antigo, com as fortalezas de Almeida e Elvas (Portugal) e  Ciudad Rodrigo e Badajoz (Espanha) em forma de estrela.

Vila

- A junta de bois e o carro de Francisco Antonio Simoens andaram, em Maio, durante 10 dias, a acarretar lenha para os fornos, em Abrantes.

- O carro de bois de Francisco Ferreira andou 29 dias, também em Maio, a dar serventia às tropas, entre Abrantes, Nisa e Abrantes.

- Francisco Santo e Joaõ Bernardo, com um carro, sendo uma vaca de cada um, andaram 12 dias, em Abril, a acarretar arroz, entre Abrantes e Nisa.

- Ignes, viúva de Domingos Vas Raposo, mandou o seu ganhão para Abrantes, onde ficou a trabalhar ao serviço das tropas, durante 24 dias, no mês de Maio.

- O Capitão Joaõ Roiz Lourenço Cayo, ou o seu ganhão, andou 30 dias, em Maio, a transportar o trem do hospital real, entre Abrantes e Nisa, a dar serventia em Abrantes e a transportar pólvora e bolacha de Abrantes para Elvas.


Mourelo

- Manoel Leitam fez, durantre todo o mês de maio (31 dias), transportes entre Abrantes e Elvas.

- Teve a companhia de Jose Antonio e Jose Alves, uma vaca de cada um, que fizeram os mesmos transportes, no mesmo tempo.

- E também andaram com eles Joam Franses e Joze Mateos, igualmente uma vaca de cada um, nos mesmos tempos e serviços.


Paradanta

- Manoel Mendes, criado de Manoel Leitam, andou 33 dias, entre maio e junho, a fazer transportes para o exército anglo-português: de Abrantes para Nisa levaram o trem do hospital e de Abrantes para Elvas carregaram pólvora e bala.


Partida

- Manoel Mateus transportou cevada de Abrantes para Nisa; depois voltou para casa e de Vila Velha de Ródão trouxe arroz e bacalhau para Castelo Branco; andou ao serviço 11 dias, no mês de Abril.

- Manoel Martins e Manoel Alexandre, uma vaca cada um, andaram 33 dias, em maio e junho, também a transportar o trem do hospital entre Abrantes e Nisa e a levara pólvora e bala de Abrantes para Elvas.

- O ganhão de Antonio Fernandes andou igualmente 33 dias, também em maio e junho, entre Abrantes e o pego, a acarretar rama, vinho, pão e carne.


Tripeiro

- Manoel Vas, Joaõ Ribeiro e Manoel Antunes Máximo, cada um com o seu carro de bois, andaram 32 dias, em maio e junho, a acarretar lenha para os fornos, em Abrantes.


Violeiro

- Joze Pires andou 30 dias, em maio e junho, a acarretar bolacha entre Abrantes e Elvas.

- Joze Rodrigues Mosso andou também 30 dias, em maio e junho, mas primeiro ajudou a transportar o trem do hospital, entre Abrantes e Nisa e depois é que foi fazer carregamentos entre Abrantes e Elvas.


Gravura com carreiros a fazerem transportes para os exércitos, durante as Invasões Francesas

Foi há precisamente 200 anos e os nossos antepassados foram bem sacrificados, considerando que os serviços não eram pagos e por vezes nem comida lhes davam para eles e para os animais. Aos dias indicados há que acrescer mais os dias de viagem entre a terra natal e Abrantes. Sabe-se, por informação relativa a Francisco Antonio Simoens da Vila, que esta viagem de ida e volta demorava 7 dias (3 dias e meio para cada lado).
Nesse maio de 1812, uns faltaram à festa de São Tiago, outros não foram à romaria da Senhora da Orada e alguns falharam as duas. Foi duro!

(José Teodoro Prata, O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra peninsular, Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, 2006, S. Vicente da Beira)



terça-feira, 1 de maio de 2012

Dia do Trabalhador

O meu pai, tão escaldado com a vida, costumava incentivar os filhos para que trabalhássemos, semeássemos, pois um dia poderia vir uma fome. Eu fazia o que ele sugeria, mas no fundo achava-o um exagerado, pois encarava o futuro com otimismo, na crença ingénua de que o mundo seria cada vez melhor. Para mim, o mundo evoluía em linha, sempre a subir, mas para o meu pai a evolução seria circular, com períodos bons e outros maus.

O analfabeto era ele e eu um letrado. Eu sabia que o capitalismo tem em si caraterísticas de autodestruição que provocam crises cíclicas, gerando milhões de desempregados e muito sofrimento humano. Mas preferia ignorar este fatalismo e centrar-me na crença de um futuro cada vez mais risonho. Infelizmente, os homens ainda não conseguiram fazer com que o meu pai não tenha razão e o sofrimento voltou para milhões.

Deixo-vos com um poema do Fausto. A canção, de 1978, mas tão atual, podem ouvi-la no Youtube, pois as novas regras de utilização da internet não permitem colocá-la aqui.



Uns vão bem e outros mal

Senhoras e meus senhores, façam roda por favor
Senhoras e meus senhores, façam roda por favor, cada um com o seu par
Aqui não há desamores, se é tudo trabalhador o baile vai começar
Senhoras e meus senhores, batam certos os pezinhos, como bate este tambor
Não queremos cá opressores, se estivermos bem juntinhos, vai-se embora o mandador
Vai-se embora o mandador

Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição

De velhas casas vazias, palácios abandonados, os pobres fizeram lares
Mas agora todos os dias, os polícias bem armados desocupam os andares
Para que servem essas casas, a não ser para o senhorio viver da especulação
Quem governa faz tábua rasa, mas lamenta com fastio a crise da habitação
E assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal

Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição

Tanta gente sem trabalho, não tem pão nem tem sardinha e nem tem onde morar
Do frio faz agasalho, que a gente está tão magrinha da fome que anda a rapar
O governo dá solução, manda os pobres emigrar, e os emigrantes que regressaram
Mas com tanto desemprego, os ricos podem voltar porque nunca trabalharam
E assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal

Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição

E como pode outro alguém, tendo interesses tão diferentes, governar trabalhadores
Se aquele que vive bem, vivendo dos seus serventes, tem diferentes valores
Não nos venham com cantigas, não cantamos para esquecer, nós cantamos para lembrar
Que só muda esta vida, quando tiver o poder o que vive a trabalhar
Segura bem o teu par, que o baile vai terminar

Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição

Fausto, in Madrugada dos Trapeiros, 1978


domingo, 29 de abril de 2012

BORDA D´ÁGUA

Em desespero de causa, comprei o Borda d´Água, mesmo indo o ano já adiantado.

Notícas da meteorologia:
Maio - Tempo instável
Junho - Bom tempo
Julho - Frescote
Agosto - Frescote, exceto os meados do mês, que serão de calmarias
Setembro - Bom tempo no início e no final; instável pelo meio

Conclusão: Ainda haverá alguma chuva em maio, mas depois acabou-se, pois os frescotes de Julho e Agosto são apenas isso, como aliás no ano passado. Mas não levem isto demasiado a sério, pois hoje estava previsto sol intenso!

Vamos ter chuva para criar os legumes e frutos da Primavera, mas não acredito que chegue para recuperar os lençóis de água e fazer correr as nascentes, durante o Verão.
Melhor que nada!


E para festejar, flores da Primavera. As do costume, mas sempre lindas.




sexta-feira, 27 de abril de 2012

O Zé não era

O meu pai contava aos filhos a mesma lengalenga que o Ernesto Hipólito aqui publicou a 22 de abril, mas numa versão diferente:

Era uma vez,
o Zé não era,
que andava na serra,
com os bois de bogalho
e o arado de palha.
Recebeu a notícia,
que tinha o seu filho morto
e o seu pai p´ra nascer.
Deitou os bois às costas
e o pôs o arado a comer.
Chegou lá à frente,
encontrou uma vinha carregada de melancias,
atirou-se a elas
e comeu-as todas.
Mais adiante,
encontrou um meloal cheio de uvas,
deitou-se a elas
e comeu-as todas.
Veio de lá o dono
«Ai seu patife! Ai seu maroto!»
Atirou-me com uma beringela ao joelho,
Dei-lhe cabo do tornozelo.
Eu atirei-me a ele
e ele a mim
e como eu era mais forte do que ele,
atirei com ele para cima de mim.
E eu fiquei debaixo dele
e ele debaixo de mim.
Debaixo de nós estava um ninho de magafos,
magafos, magafaguinhos,
morreram os magafos
e ficaram os magafaguinhos.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Chuva!

Após quase uma semana de ameaças, finalmente começou a chover, hoje, depois do almoço. Confesso que já tinha saudades de ver a chuva cair! Os próximos dias prometem mais.
Bendito 25 de Abril.

Estava para colocar aqui os "Índios da meia praia", do Zeca, canção que vem na linha da publicação de ontem (fazermos as coisas, sem esperarmos que as façam por nós), mas o Google mudou a configuração do blogue e ainda não consegui colocar um vídeo.
Vão vocês ao Youtube e encham a barriga: José Afonso, Fausto, José Mario Branco, Sérgio Godinho, Adriano Correia de Oliveria...
Há por lá muita coisas velhinha (1974/75) que vos vai surpreender!

terça-feira, 24 de abril de 2012

25 de Abril: generosidade, criatividade...

Amanhã comemora-se o 25 de Abril e nada melhor do que recordá-lo com este texto do Daniel Oliveira, publicado no Expresso on-line. A experiência da Escola da Fontinha tinha muito do que foi ou queríamos que tivesse sido o 25 de Abril.

Escola da Fontinha: just do it
Daniel Oliveira(www.expresso.pt) 8:00 Terça feira, 24 de abril de 2012

A Escola da Fontinha era um edifício abandonado durante cinco anos, usado por toxicodependentes. Como é num bairro pobre, nunca Rui Rio se preocupou com isso. Um dia, um grupo de cidadãos resolveu fazer o que a Câmara não fazia: dar um uso àquele espaço. Arranjaram, limparam, pintaram. E durante um ano aquele edifício abandonado foi usado pela comunidade: atividades culturais, acompanhamento escolar para os miúdos, aulas. As pessoas que ali trabalharam faziam-no de graça. E isso Rui Rio nunca entenderá. Muito menos a ideia de um grupo de cidadãos se juntar, na "sua" cidade, sem a sua superior autorização, para fazer alguma coisa pelos outros. Muito menos para desenvolver qualquer tipo de atividade cultural que não passe pelo seu crivo provinciano. Rui Rio matou a vida cultural do Porto, transformando uma das mais vibrantes cidades portuguesas numa pequena cidade de província. Porquê? Porque Rui Rio é um verdadeiro autoritário. Abomina a liberdade dos outros, a criatividade dos outros, a opinião dos outros.

Mas a Escola da Fontinha carregava outro perigo: ao usarem uma ruína da incúria do poder local para fazerem qualquer coisa de útil para os outros, coisa que todos os vizinhos agradecem e aplaudem, aquelas pessoas exibiam, sem terem de abrir a boca, a negligência do presidente da Câmara. E passavam uma mensagem que Rio não aguenta: se quem te governa não cumpre, faz tu. Muito menos quando quem o faz não procura o lucro. O despejo violento de gente que usa um espaço abandonado, ao qual o Estado se recusa a dar uso, para ajudar a comunidade, é um excelente retrato da cultura política e cívica, o poder do Estado português. Não serve para servir a comunidade. Serve para impor a vontade do governante. E para exibir o seu poder, não se importa de deixar um edifício emparedado no lugar onde alguém fazia alguma coisa de útil.

O gesto autoritário do presidente da Câmara, injustificável aos olhos de qualquer pessoa com o mínimo de sentido cívico, faz todo o sentido: não é Rui Rio que serve o Estado para este servir os cidadãos. É o Estado que serve Rui Rio para os cidadãos se vergarem ao seu poder. Querem saber porque somos um país atrasado e subdesenvolvido? Porque admiramos a autoridade de homens como Rui Rio.
Como se a força bruta fosse a única forma de poder que entendemos.

Do meu lado, aqueles que fizeram a Escola da Fontinha só podem merecer o respeito, admiração e solidariedade. Eles são, com a sua vontade e generosidade, quem pode fazer deste país uma sociedade decente. Rio, na sua soberba autoritária, é apenas um reflexo da estupidez arrogante do poder que nos atrasa há séculos. E não encontro melhor data para escrever este artigo do que o dia 24 de abril.

domingo, 22 de abril de 2012

História da minha avozinha

Ernesto Hipólito

A minha avó Maria do Carmo contava-me histórias, para eu adormecer.

Andando na serra lavrando com os bois
Notícia me veio que o meu pai era morto e minha mãe por nascer.
Eu logo vi que isto não podia ser
Agarrei nos bois às costas, dei-lhes o arado a beber.
Subi por uma rua abaixo e encontrei uma aboboreira carregada de maçãs
Fui-me a ela e colhi romãs.
Eis que chega o dono e diz-me:
Ó homem de faval alheio
Quem o manda colher os meus pepinos?
Atirei-lhe com uma nêspera ao pescoço que lhe fiz deitar sangue dum tornozelo.


Nota:
Este texto foi escrito ao abrigo do acordo ortográfico celebrado em 1958 entre mim e o saudoso Professor Artur Eugénio Couto a quem presto as minhas homenagens.