quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

5.º CENTENÁRIO DO FORAL MANUELINO DE S. VICENTE DA BEIRA

A arte na época do foral
Estamos a dias do final do ano em que se completaram 500 anos da atribuição de um novo foral a São Vicente da Beira, por D. Manuel I.
Para fecho das comemorações, nada melhor que mostrar as obras de arte que nos deixaram os vicentinos desse tempo.


A construção do edifício da Câmara Municipal será dessa época. O brasão, que até ao início do século XX estava sobre a porta de entrada, ostenta duas esferas armilares, símbolo do rei D. Manuel.
A Igreja da Misericórdia é também do século XVI, mas da segunda metade, período em que foi fundada a nossa Misericórdia e de que existem registos de enterramentos nesta Igreja. No entanto, o atual edifício é de 1643.


O nosso pelourinho é anterior ao foral manuelino, pois não tem nenhum dos símbolos de D. Manuel I e tem um símbolo (o pelicano) do rei anterior, D. João II, o qual confirmou o foral medieval de São Vicente da Beira.
Por outro lado, ostenta o brasão da Ordem de Avis, cuja comenda de São Vicente possuía muitas propiredades e poderes na gestão dos bens da Igreja, mas ainda não aparece o brasão da Ordem de Cristo, pois a respetiva comenda só foi criada depois da sua construção.
Inclui-se o pelourinho nesta listagem de obras de arte da época do foral manuelino, pois foi erguido poucos anos antes de 1512.


As portas e janelas com arestas chanfradas (cortadas) são típicas do século XVI. Em São Vicente, existem muitas, algumas infelizmente tapadas com cimento, tinta, persianas...
Esta casa, onde viveu o tio Bernardino Candeias, localiza-se na Rua do Convento.


Janela de uma casa situada ao fundo da Rua Manuel Lopes. Tem arestas chanfradas e o lintel ostenta motivos manuelinos. A data é muito anterior (MCCLXXI - 1271), pelo que a pedra terá sido reutilizada.


Nesta janela, só o lintel nos interessa, pois a parte restante é obra da requalificação da Igreja Matriz, nos anos 80 do século passado. O lintel manuelino foi trazido de uma casa arruinada, na Rua Velha, a qual, em finais do século XIX, servia de cozinha do solar construído pelo Visconde de Tinalhas, então Presidente da Câmara e por isso residente em São Vicente. No século XX, morou lá o tio Albano Jerónimo e atualmente é do Zé Barroso (e de sua mãe), colaborador dos Enxidros.


Esta pia de água benta é uma jóia da arte manuelina e encontra-se à entrada da porta principal da Igreja da Misericórdia. Tem coluna oitavada (oito faces), tal como o nosso pelourinho. A parte inferior é um acrescento recente e em pedra diferente.


Outra jóia da arte manuelina, esta na ermida da Senhora da Orada. É também uma pia de água benta.


O cruzeiro da Senhora da Orada é da mesma época da pia de água benta acima apresentada e do atual edifício da capela. Possivelmente todos mandados fazer por D. Álvaro da Costa, comendador da Ordem de Cristo, em São Vicente da Beira. De notar que o cruzeiro, tal como a pia de água benta anterior, ostenta o brasão dos Costa.



Janela manuelina de uma casa no alto da Rua Manuel Lopes. Possivelmente, ali viveu Manuel Lopes Guerra que deu nome à rua e foi avô de Dona Benedita, casada com um Cunha Pignatelly, os quais deram origem à Casa Cunha, em São Vicente.


Pórtico manuelino da capela de Santa Bárbara, no alto do Casal da Fraga, mais propriamente já no Casal do Monte do Surdo (um nome em desuso). Esta capela situava-se no limite entre o Sobral e São Vicente e era propriedade da Câmara Municipal. Nos inícios do século XX, estava totalmente arruinada, sendo as pedras deste pórtico, e outras, trazidas para o Casal da Fraga, na década de 30. O meu avô Francisco Teodoro, aqui morador, andou com um carro de bois a acarretá-las.


A Fonte Velha, até ao início do século XX chamada apenas fonte, ostenta a data de 1578 e o nome do rei D. Sebastião. Foi primitivamente construída no espaço em frente ao edifício atualmente arruinado da Casa Cunha, no local onde foi plantada uma palmeira, quando as trasladaram para a face do largo, sendo pouco depois mudada para o local onde hoje se encontra.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Chanfana com ervas

Fui almoçar aos Pereiros.
Chanfana à moda da Charneca, com ervas e batatas do Casal da Fraga, tudo regado com um tinto vicentino muito bem apaladado. E ainda tigelada à sobremesa.
MIIINHA NOOOSSA SENHOOOORA!!!!!!!











quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O nosso falar: aluada e crostos

Estive a comer requeijão e apetece-me escrever sobre os crostos, mas antes é preciso levar a cabra ao chibo, quando estiver saída, isto é, aluada.
Aluada deriva de lua, este satélite incansável, sempre a dar voltas à nossa terra, originando as fases da lua. E são elas que regem a vida dos agricultores (Semear um canteiro de couves no quarto crescente ou minguante?), o corte de cabelo (No quarto minguante, cresce mais devagar!(?)), o ciclo reprodutor da mulher (28 dias, tal como o ciclo lunar) e talvez também o das cabras. Pelo menos, o nosso povo diz de uma cabra com cio que está aluada.
Logo que a cabra começava a berrar incessantemente, tínhamos de lhe arranjar um chibo. Mas uma cabra não é como uma porca, despachada, a cabra requer rituais mais demorados. Ela e o chibo tinham de viver juntos, por uns dias. O melhor era pedir o chibo a um vizinho ou levar a cabra para um rebanho. No caso dos meus pais, o habitual era pedir ao primo Miguel Jerónimo que aceitasse a nossa cabra no seu rebanho.
Mais tarde, tivemos três ou quatro cabras e já compensava criar um chibo para as cobrir. Ficou nos anais da família o recado que o primo Luís Teodoro nos deixou escrito a carvão, na porta do palheiro do Ribeiro de Dom Bento (Julgávamos que ele não sabia escrever!): Levara o nosso xibo para o Mato Branco e vinha trazê-lo quando cobrisse as cabras dele. Ok, primo Luís, disponha sempre!
Bom, a cabra ficava pranha e depois era só esperar uns meses até chegar a altura em que já mal conseguia andar. E é agora que entram os crostos. Íamos todos ver a cabra a parir e ajudávamos os cabritinhos a pôr-se de pé e a encontrar a teta da mãe cabra. Por vezes, era logo ali que perfilhávamos um cabritinho e lhe dávamos nome (Estrelinha, invariavelmente, para uma chibinha com uma mancha branca na testa, Malhada, se tinha manchas de diferentes cores...). Eles mamavam pouco e a minha mãe ordenhava o resto do leite, para os seus filhos. Entretanto, eu apanhava as páreas e ia a enterrá-las.
Esse primeiro leite era diferente. Ao cozer, cortava, ficava quase requeijão, mas mais aguado. Eram os crostos, uma festa para a pequenada! Ainda hoje me engano e só me sai crostos quando quero dizer requeijão. 

Nota:
Alguns de nós, como eu, dizemos/dizíamos crostos, mas o termo correto é colostros ou calostros, o primeiro leite das mães, humanas ou animais, após o parto. É um leite muito rico em nutrientes!
(Esta nota foi alterada a 03-01-21013)

sábado, 15 de dezembro de 2012

Saberes e sabores

Bebia-a de conversas com o Pe. Jerónimo ( um famoso bacalhau que comeu no lagar do Mesquita, feito pela Brocha), do José Miguel Teodoro (os livros são pretextos para o encontro de pessoas) e do Ernesto Hipólito (as tasquinhas de Alpedrinha em São Vicente...). Dirão que aprendi com os melhores, mas foi por uma boa causa!
A ideia foi fazendo o seu caminho. No passado dia 11 de novembro, já misturámos história, poesia e música, com castanhas e jeropiga. E repeti-a na apresentação do meu livro, em Castelo Branco, graças à generosidade das Águas Fonte da Fraga, da Jú Marau (as filhoses foram um sucesso!), dos Queijos Veríssimo (do Vale de Alfaia, Sobral) e do Vinho Quinta da Arrancada (Ninho do Açor e também Tinalhas). Foi uma geografia de saberes, sabores e afetos, um casamento perfeito.
Obrigado a todos eles, mais aos Amigos da Escola e ao Jaime Teodoro Nicolau e ainda à Câmara Municipal, aos Serviços Municipalizados e ao pessoal da Biblioteca Municipal.
Um agradecimento especial ao Carlos Matos e ao Miguel Santos que me ajudaram a produzir esta obra. E à Dr.ª Adelaide Salvado e ao Pedro Salvado, pela maneira sábia como a explicaram ao público presente, no auditório da Biblioteca Municipal de Castelo Branco, em tarde abençoada por muita chuva.


















Fotógrafo: Joaquim Trindade dos Santos

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O livro em Castelo Branco

O meu livro vai ser apresentado em Castelo Branco. É na próxima sexta-feira, 14 de dezembro, pelas 18 horas, na Biblioteca Municipal.
Desejo que seja um importante momento de afirmação da identidade da região entre Castelo Branco e os cumes da Gardunha. Por mim, fiz o melhor que pude: escrevi o livro, convidei dois dos maiores vultos da cultura regional para o apresentarem (Adelaide Salvado e Pedro Salvado) e desafiei produtores a virem dar a provar os seus produtos: Águas Fonte da Fraga, Queijos Veríssimo e Vinho da Quinta da Arrancada, além do nosso pão e das nossas filhoses.
Aos leitores do blogue, peço que publicitem a iniciativa junto das pessoas da nossa região (freguesias de São Vicente, Louriçal, Ninho, Tinalhas, Freixial e Póvoa), sobretudo dos que vivem em Castelo Branco.


Sinopse
Foi há cerca de 250 anos.
Em Tinalhas, vivia Teodoro Faustino Dias, que casou com Maria Cabral de Pina, do Violeiro, filha do Sargento-Mor Domingos Nunes Pousão. Teodoro Dias foi alferes da capitania de Tinalhas. Era o maior criador de gado bovino no concelho, 31 cabeças. A sua filha Eusébia Dias Cabral casou com António Meireles Gramaxo, do Fundão e Soalheira, os quais deram origem à Casa Viscondes de Tinalhas. Teodoro Faustino Dias tornou-se presbítero, após enviuvar, perto dos 50 anos, e foi cura do Freixial.
O Pe. João Antunes era natural do Casal da Serra, onde fiscalizou a capela devotada a São João Baptista, particular dos irmãos Duarte Ribeiro. Foi o capelão de São Tiago, pago pelos vizinhos dos montes da charneca que se fintavam para lhe fazerem uma côngrua, a troco de assistência religiosa. Os espanhóis levaram-no preso, na Guerra dos Sete Anos.
Ana Maria do Carmo nasceu em Castelo Branco e casou com o Dr. Diogo José Pires Bicho Leonardo, natural de Tinalhas, mas residente no Ninho. Enviuvou cedo. Morava na Praça e era dona de uma azenha, no Freixial, e de um lagar confrontante com a ervagem do Vale do Curro.
O Pe. Manuel Marques era natural do Louriçal, já fora cura do Freixial e era-o então do Sobral. Ensinava Gramática aos filhos de parte da elite local: dos Duarte Ribeiro do Casal da Serra e dos Ramos Preto do Louriçal, mas originários do Sobral.
O tribunal e a cadeia eram na Câmara da Vila. Os pais cujos filhos sujassem a água do chafariz passavam 8 dias na enxovia dos presos e das presas. E quem colhesse uvas ou figos, em vinha alheia, pagava de coima 500 réis (Manuel Henriques andou um dia ao entulho, para as calçadas, e recebeu 150 réis).


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O nosso falar: fenadouro

Mais uma palavra do outro mundo ou antes, de outros mundos.
Conheço a palavra fenadouro desde sempre e ainda a uso frequentemente, mas nada sei dela além do significado que lhe atribuo: sentir uma fome ligeira, um leve despertar do apetite para comer algo, o protesto delicado de um estômago já vazio. Ainda não é fome, nem fraqueza, é apenas um ratinho, ou melhor, um fenadouro.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Genealogia de um beirão restaurador

A existência de Portugal e a qualidade de ser português devem-se a homens e mulheres que, em vários momentos da nossa história, teimaram em manter uma individualidade própria neste nosso berço à beira mar plantado. São Vicente da Beira não se alheou deste esforço colectivo de afirmar a nossa identidade nacional.
Os moçárabes desta região lutaram ao lado dos guerreiros de D. Afonso Henriques, na batalha da Oles, ainda Portugal era pouco mais que um sonho. Em 1385, os castelhanos foram barrados em Aljubarrota pelo vicentino D. Fernando Rodrigues de Sequeira e um punhado (de poucos milhares) de heróis que desprezaram as suas vidas em troca do ser português. Em 1640, António de Azevedo Pimentel Galache, capitão-mor de São Vicente da Beira, levantou a bandeira real portuguesa por D. João IV, na vila e depois em Castelo Branco. Deu-nos tanto e a nós basta-nos conhecê-lo melhor.


1. António de Azevedo Pimentel, fidalgo, casou com Isabel Ferrão Galache, de Castelo Branco, senhora de Felices, em Espanha. Tiveram:

2. Fernão de Azevedo, moço fidalgo da Casa Real, por Alvará de 1551. Casou, em 1567, com Leonor da Costa, filha de Gaspar da Costa, de S. Vicente da Beira. Neste casamento, foi testemunha Jácome de Sousa e Refoios, também de São Vicente, cuja mãe pertencia igualmente aos Costa e que foram antepassados dos condes de São Vicente.
Fernão de Azevedo casou, em segundas núpcias, com Maria de Brito, filha de João Homem de Brito e Clara Tavares, neta paterna de Vasco Homem de Brito, comendador de S. Vicente da Beira. Deste casamento nasceram 3 filhos, o mais velho dos quais foi:

3. António de Azevedo Pimentel Galache que nasceu em S. Vicente, no dia 07-10-1567 e aqui faleceu em 21-01-1643. Foi moço fidalgo e senhor de um morgado de bens de raiz em São Felices dos Galegos, herdado da avó Isabel Ferrão Galache.

Em 29-10-1731, António de Azevedo Pimentel Galache foi testemunha, em Castelo Branco, do casamento de António Feio da Maia e Almeida, natural de Abrantes, e Oriana Maria Brígida de Brito e Fonseca, de Castelo Branco.

Um documento da mesa do Desembargo do Paço, de 24 de Julho de 1641, refere-se-lhe como sendo «Antonio de Azevedo Pimentel fidalgo da casa de V. Majestade morador na vila de sam Vicente da Beira…».
De seguida, informa que ele era possuidor de um morgado de bens de raiz na vila de São Felices dos Galegos, Reino de Castela, no valor de mais de vinte mil cruzados, confiscado pelos espanhóis logo após a Restauração da independência, em Portugal.
Por isso se queixava de não poder viver conforme a sua qualidade, apesar de ter sido o primeiro a aclamar D. João IV em S. Vicente da Beira, tomando a bandeira real nesta vila e depois em Castelo Branco.
E pedia que lhe fosse dado um morgado na cidade da Guarda, propriedade de um castelhano de Cidade Rodrigo, no mesmo valor do que perdera, oferecendo-se para servir na guerra (da Restauração) com dois sobrinhos e cunhados.
O Desembargo do Paço pediu informações ao Corregedor da comarca de Castelo Branco, o qual confirmou tudo o que o capitão-mor de S. Vicente da Beira tinha argumentado. Face a esta informação, a Mesa do Desembargo do Paço sugeriu a Sua Majestade que lhe fosse dado o morgado da Guarda, conforme requerera.

António de Azevedo Pimentel Galache casou com Maria de Lemos Pereira, natural de Almeida, e, em segundas núpcias, com a sobrinha Joana da Costa, filha de António de Brito Homem, natural de S. Vicente da Beira, e de Luísa da Costa, de Castelo Branco. Deste casamento nasceu:

4. Tomás Fernando de Azevedo Pimentel, nascido em S. Vicente da Beira, a 07-03-1642. Tornou-se moço por alvará de 1653. Foi padroeiro do Convento da Graça (atual Santa Casa da Misericórdia), em Castelo Branco. Casou com Josefa Micaela de Freire de Avis e tiveram:

5. António de Azevedo Pimentel Galache.

BIBLIOGRAFIA
Hipólito Raposo, Um Beirão Restaurador, "Oferenda", Lisboa, 1955
Manuel Estevam Martinho da Silva Rolão, “Famílias da Beira Baixa”, Lisboa, 2007
Manuel da Silva Castelo Branco, O Amor e a Morte… nos antigos registos paroquiais albicastrenses, Cadernos de Cultura “Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX”, N.º 7, Novembro de 1993
Eis os heróis do nosso tempo: equipados a rigor, sem temer o frio, depositaram um ramo de flores no nosso pelourinho, assinalando a Restauração da Independência de Portugal.