quinta-feira, 18 de abril de 2013

Sabor Medieval

Com a inclinação da terra para o lado oposto ao do sol, no hemisfério norte, cresciam as noites e minguavam os dias, entre o equinócio do outono e o solstício de inverno. Quando este tinha lugar, em dezembro, os dias cresciam novamente, mas muito devagar. A rigorosa e permanente cercadura de nuvens à volta da Vila, fruto do rigor desses invernos parecia não deixar lugar para os dias medrarem.

Amanhecia tarde. Não estava nada bom para levantar da cama e ir tratar da horta e dos animais. E a terra fremia, ensopada, por mor de meses seguidos de chuva teimosa que não despegava, desde a entrada do outono, parecendo que, apesar dos agasalhos, a água e o próprio frio nos entravam pelos ossos dentro.

O céu de dezembro e janeiro apresentava-se quase sempre carregado, a indiciar chuva; ou, mais claro e liso, a adivinhar grandes nevões que cobriam tudo de branco. O que, dada a quietude da vida, me parecia uma brancura de morte. Talvez por tudo isso, se é certo que no nosso imaginário existe uma cor para cada abstração, eram aqueles os meses que me pareciam os mais negros do ano. Lá vinha, às vezes, um dia de sol brilhante, mas igualmente gelado e seco que nos fazia tiritar. 

Aquilo é que eram Invernos!

Dava-se a paragem das seivas na natureza e a hibernação de animais selvagens, obrigando também o homem a quedar-se, meio letárgico. Os gados saíam menos e estavam mais tempo nos redis onde se alimentavam a verdes secos guardados desde o verão. A inclemência obrigava a uma maior contenção dos trabalhos no campo. Mas nem tudo era desvantajoso. Com as noites maiores, seroava-se mais em família.

À roda da ‘boutcha’ (1), no lar, onde estrepitavam as corcódeas de pinheiro, entre dois dedos de conversa, comia-se a sopa de feijão e a morcela de cozer, às rodelas, com couves e batatas bem regadas com azeite. Cortava-se o naco do toucinho com a faca de cozinha e punha-se em cima do pão, a pingar, como conduto. O presunto lascava-se, fino, porque tinha que durar até mais adiante. E guardava-se, para oferecer, como iguaria, a quem nos visitasse. Os adultos bebiam o vinho caseiro guardado na adega, já cozido pelo frio e que, por isso, se tinha tornado numa pinga de estalo. Havia ainda o queijo fresco ou curado, as azeitonas na talha, o pão de centeio, a broa de milho e fruta todo o ano. Do que a terra dava, nada faltava! 

O mau tempo não podia tolher a atividade dos que tinham braços para trabalhar na grande azáfama da colheita da azeitona. Era necessário o azeite para temperar a panela na roda do ano. E o que sobrava, porque se tratava de um precioso líquido, vendia-se por bom preço, para ajudar na liquidez do orçamento familiar. Tarefa a fazer, custasse o que custasse. E difícil, não pelo esforço físico que era preciso despender, mas pela aspereza que a natureza impunha. Engadanhavam-se-nos as mãos. Nos dias de ar mais cortante, acendíamos uma fogueira para as aquecer. ‘És um nanho’ (2), diziam, por prosápia, os que pareciam menos tolhidos, a disfarçar os efeitos que a crueza violenta e agreste do tempo lhes provocava no corpo.

Mas, já antes, com os primeiros ventos, aí pelos Santos, a recolha da azeitona começara. Ia-se, por esses caminhos fora, com uma cesta de verga, a apanhar a que caía, ainda verde, em terra neutra, nos caminhos, que dentro dos terrenos ninguém entrava sem consentimento do dono! E guardava-se em baldes com água, para não mirrar, até ir para o lagar conjuntamente com a de menor qualidade, o ‘destelo’ (3), para dar azeite grosso. Vinha depois a colheita. Seguia-se o rebusco, durante o qual um ou outro fruto perdido, alguém ainda aproveitava, mas, agora, por regra consuetudinária, sem ter que temer o dono, desde que não danificasse o renovo. A bem dizer, não se perdia uma azeitona! 

Já os sete lagares da Vila, dispostos ao longo da ribeira, ainda em condições de laborar, trabalhavam em pleno, estava a safra no auge! De norte para sul, era o do Tonho Neto, da Natividade, do César, do Major, do Conde, do Albano e Fundeiro (depois submerso pelas águas da barragem).  

Pouco se tinha avançado na técnica da exploração do azeite. Os lagares eram de vara (exceto o do Major, por isso lhe chamavam ‘a fábrica’), a energia, a hídrica, da levada de água, para mover as pesadíssimas galgas de granito que moíam a azeitona. Os meios de transporte os de tração animal. Tudo durava há séculos.

Os carros de bois a cargo dos ganhões, o Ti’ João Grilo, o Ti’ Dinis, o Ti’ João Jarêto e outros, levavam para o lagar a azeitona nos sacos e traziam o azeite em grandes bilhas, num vai e vem, que só abrandava um pouco a meio da noite para que homem a animais recobrassem energias.  

Tinham rodas robustas de madeira com grandes eixos, reforçadas com aros de ferro que o João Ventura aquecia na forja até ao rubro, aplicando-os depois no piso, ainda incandescentes, para ficarem firmes, sem o que pouco resistiriam ao grande esforço a que eram sujeitas.

Muitas vezes fui acordado de manhãzinha ou embalado, já noite, pelo barulho cadenciado destes carros, a passar na rua que, ora se aproximava, gradualmente, ora se ia deixando de ouvir, até se dissipar de todo. Rodas a saltar, ferro contra pedra, a compasso, ao ritmo dos pachorrentos bois, tau, tau, tau, tau, nas irregularidades da ancestral calçada, anterior ao calcetamento de paralelepípedos de granito.  

Não havia eletricidade. Os candeeiros antigos a petróleo ou azeite, soldados a chumbo na parede de algumas casas para iluminar as ruas, em lugares estratégicos da Vila, não eram acesos havia anos. Os dias eram curtos e, fosse de manhãzinha ou depois do lusco-fusco, os carros de bois, nas suas andanças, ostentavam, como pirilampos gigantes, uma lanterna acesa, de metal, com portas de vidro, à prova de vento, para alumiar o caminho.  

Certa vez, em dezembro, nos afazeres destas fainas da azeitona, mas, nessa altura, teria já os meus vinte e picos, andávamos nós, lá em cima, na Vala do Conde da Borralha, a colher. Eu, o Ti’ Zé Maria Prata, o Ti’ Zé Marau, o Coluna, A Ti’ Maria dos Santos da Tonina e o Quim Mosca. Não sei se me escapa algum.

O dia estava lindo! Mas era uma destas manhãs geladas, com uma grandessíssima camada de ‘códão’ (4). O frio era intenso porque, no inverno, o sol, fazendo jus ao poeta ‘dá muitíssima luz, mas não aquece nada’ . E tudo ainda era agravado pelo facto de a Vala se situar numa depressão cavada na Gardunha, em direção à Portela do alto da Senhora da Orada. Talvez ainda influenciado pelos ares da Estrela que fica em frente, do outro lado da Cova da Beira, formando ali um canal de vento gelado de alto lá com ele! 

O Ti’ Zé Maria Prata, tinha sido uma figura importante. Em tempos, terá pertencido à força de Cabos de Ordens que, sob a supervisão do Regedor, mantinham, na Vila, a ordem pública. Parece que chegou também a ser encarregado de grande parte dos resineiros, numa considerável área de pinheiros bravos, na exploração da resina. Fruto desse passado, dizia de si próprio, ao mesmo tempo que batia com o pé direito no chão: ‘número um de S. Vicente’! E ia repetindo várias vezes ao dia a mesma expressão: ‘número um de S. Vicente ’! batendo, de novo, com o pé no chão. Maneira de refrear o ego com as lembranças de outros tempos, já que, à época, andaria pelos seus setenta e muitos, longe dos tempos áureos.      

Sucede que o Quim Mosca que gozava as férias escolares de Natal ou tinha já deixado o seminário, estava mais habituado ao aconchego das salas de aula do que à dureza do trabalho dos campos. Desde manhã, obra de mais de uma hora, mesmo assim, tinha-se aguentado lá no cimo da escada, a colher e a rilhar o vento que passava na Vala, como vidro cortante. De vez em quando, descia da escada e ia junto da fogueira, entretanto acesa, para se aquecer.   

Mas a violência daquele frio num corpo habitualmente abrigado no interior das paredes do seminário e, quase de repente, exposto à agrura extrema do tempo, teve os seus efeitos negativos. Desceu da escada mal disposto, a tremer, lívido, quase a vomitar. Nem a ‘gorra’ (5) que tinha enfiada na cabeça, até às orelhas, o protegera do ar gelado, picante como aguilhão, que vinha pela Vala abaixo. Quedou-se ao sol, por um bocado, a tentar recuperar do estado de quase desmaio.

Foi logo objeto da mangação dos outros, com a sua bazófia, a fazerem-se grandes: ‘isto não é para seminaristas’’!

É certo que também eles teriam os seus pontos fracos. Só que a natureza humana carece, muitas vezes, de afirmar as suas competências contra o semelhante. Mas o Quim, ao cabo de um bom migalho, lá acabou por recobrar do gélido abanão. 



A Vila, era assim. E na nossa infância, podemos afoitamente dizê-lo, a vida tinha ainda um sabor medieval.

Agora, não há o rebuliço de antigamente, logo na obscuridade da manhã, do toque a reunir da corneta, a chamar os da ‘camarada’ (6) do Tonho Dias ou do búzio, a chamar os da ‘camarada’ do Albano, para iniciarem a colheita da azeitona de mais um dia. Nem das juntas de bois, nem dos grandes rebanhos de ovelhas ou de cabras, a avançar, ouvindo-se, ao longe, de manhã ou ao entardecer, o som dos chocalhos. 

É verdade que demos um grande salto tecnológico. Vimos chegar a televisão e o homem à lua. O automóvel generalizou-se e apareceram as comunicações em massa (telefones, telemóveis, computadores).          

Mas, hoje, estranhamente, deixamos a azeitona nas oliveiras!  


Notas:

(1) Boutcha: na linguagem local, certamente, com influência castelhana, diz-se de uma “grande fogueira”; deve ter origem no termo ‘boucha’ que significa ‘desbaste de mato que se queima para se cultivar a terra que ele ocupava ’; o mesmo que bouça.

(2) Nanho: para nós é o mesmo que ‘incapaz’ , ‘pouco expedito’ ; julgo (mas não tenho a certeza) que vem do latim ‘nanus’, anão; acanhado; que tem corpo pequeno; nanismo: próprio do anão.

(3) Destelo (lê-se destêlo): tem o significado geral de fruto caído por efeito do vento; mas, falando-se de azeitona, significa (também) fruto caído por ter atingido um maior grau de maturação.     

(4) Códão: congelação da humidade infiltrada no solo, formando uma crosta de gelo semelhante a pequenas estalactites (ou estalagmites) de cerca de 5 ou 6 cm de espessura, entre a camada exterior do solo e a camada seguinte; ao caminhar-se sobre ele, esmaga-se com um som semelhante ao do vidro quando pisado; deve ter origem no termo côdea.

5 -  Gorra: há vários tipos de gorra; mas a nossa é do tipo que se assemelha mais à boina basca.

6 – Camarada: conjunto de pessoas, homens e mulheres, que trabalhavam, numa época, na colheita da azeitona, normalmente para um mesmo patrão; os instrumentos de toque a reunir as ‘camaradas’ eram diferentes para que, cada um, ao ouvi-lo, identificasse a sua. 

José Barroso

terça-feira, 16 de abril de 2013

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Reminiscências


Como diz o Francisco Barroso, a capacidade do cérebro humano para criar associações de ideias e guardar memórias não se compara à de qualquer outra espécie à face da terra.

Vem isto a propósito do poema Reminiscências que foi o primeiro texto do livro de leitura do meu primeiro ano na Telescola. Trata-se de um poema que descreve a alegria de uma criança que passa com distinção no exame da quarta classe porque conseguiu papaguear tudo o que lhe tinham ensinado na escola. Quando chega a casa, orgulhosa, exclama: “Ó mãe, eu já sei tudo!” O poema termina num acto de humildade da protagonista quando, já madura, exclama: “ Ó mãe, eu não sei nada!”. Este é um ensinamento que só o conhecimento adquirido ao longo da vida nos dá: quanto mais aprendemos maior consciência temos do quanto estamos longe do conhecimento total e mais humilde é a atitude perante a vida.  

Tenho-me lembrado deste poema muitas vezes ao longo dos anos, mas recordei-o especialmente há dias, aquando da declaração do ministro Miguel Relvas sobre o seu pedido de cessação de funções governativas.

A sua declaração, como aliás quase todos os atos em que esteve envolvido como ministro, foi tão despropositada e arrogante, e revelou um auto-conceito tão desmesurado que só pode ser comparado ao de uma criança de nove ou dez anos que acaba de passar no exame com distinção. Só que ele nem o exame fez, como parece…

Aqui vai o poema que descobri há dias na internet(http://leonoretta.blogspot.pt/2005/04/reminiscncias.html), ainda por cima acompanhado pela canção “Poetas Andaluces” dos Aquaviva (uma maravilha!):


Reminiscências

"...Lisboa, Santarém, Porto, Leiria..."
(eu sabia de cor toda a geografia)
O Senhor Inspector
deu-me a nota mais alta em geografia
e disse gravemente:
- "Continua. Hás-de ser gente..."
"Ângulo recto, agudo,
cateto, hipotenusa...
(já manchara de giz a minha blusa
mas respondia a tudo
e a professora sorria
enquanto eu papagueava a geometria)
"...D. Sancho, o Povoador...
D. Dinis, o Lavrador...
(Tinha então boa memória,
sabia as datas da história...)
1580
1640
1143
em Arcos de Valdevez...
(Muito bem, sim senhor!
A pequena é simpática)
E depois, em voz alta, o senhor Inspector:
- Vamos à gramática." -
"...E, nem, não só, mas também...
conjunções copulativas"
(Eu pensava na alegria
que ia dar a minha mãe,
nas frases admirativas
da velha D. Maria,
a minha primeira mestra:
- Tão novinha e ficou "bem"!" -
e esta suavíssima orquestra
acompanhava em surdina
o meu primeiro exame de menina
aplicada, orgulhosa e inteligente...)
- "Vá ao quadro, menina! Docilmente
fiz os problemas, dividi fracções,
disse as regras das quatro operações
e finalmente
O Senhor Inspector felicitou-me,
quis saber o meu nome
e declarou-me
que ficara "distinta" sem favor.
Ah! que esplendor!
Que alegria total e sem mistura,
que orgulho, que vaidade!
Olhei de frente o sol e a claridade
não me cegou, julguei-a quase escura...
As estrelas, fitei-as como iguais.
Melhor: como rivais...
E a Humanidade
pareceu-me um rebanho sem vontade,
uma vasta colónia de formigas...
(As minhas pobres, tímidas amigas!)
Pouco depois, em casa, a testa em fogo, o olhar em brasa,
gritei num desafio
à terra, ao céu, ao mar, ao rio:
- "Ó mãe, eu já sei tudo!"
No seu olhar tranquilo de veludo,
no seu olhar profundo,
que era todo o meu mundo,
passou uma ironia tão velada,
uma ironia
tão funda, tão calada,
que ainda hoje murmuro cada dia:
"-Ó mãe, eu não sei nada!..."

de Fernanda de Castro in Trinta e nove poemas (1941)


M. F. Ferreira

domingo, 14 de abril de 2013

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Num passeio à Orada



A caminho da ermida


Espelho de água


Recanto de paz e oração


No terreiro da Senhora


À fresca 


Ribeiro de águas revoltas


No regresso

Luzita Candeias e M. F. Ferreira

sábado, 6 de abril de 2013

Primavera


Ontem fez um frio de rachar, mas a meteorologia previu uma vaga de frio para hoje e amanhã. Afinal esteve um dia primaveril. No Caldeira as cerejeiras já estão floridas, mas no Ribeiro Dom Bento só agora desabrocham os primeiros botões.






A Libânia mandou-me outra primavera, esta de Constância, mas igualmente bonita.


E uma olaia, para matar saudades da Praça da nossa meninice.

José Teodoro Prata e M. L. Ferreira

quinta-feira, 4 de abril de 2013

O nosso Fernando

Há dias, revisitando histórias mais antigas deste blogue, vi uma referência ao Fernando a propósito do leite que (não) fugiu.
Trata-se de uma situação quase anedótica, mas que revela bem do zelo que o Fernando, já na altura, punha nas coisas que fazia.
Nunca me esquecerei da surpresa que senti, há muito anos, quando o vi com o seu ar compenetrado, óculos de sol e boné à maneira, ajudando a regular o trânsito na saída da praia de Carcavelos. Quem não o conhecesse, julgaria que se tratava de um profissional experiente e muito competente.
Passado muito tempo resolvi dar um passeio pelas nossas charnecas das quais apenas guardava memórias muito distantes (só me lembro de ir uma vez à Partida por altura do casamento de uma prima do meu pai, e outra vez ao Violeiro com a minha mãe e as minhas tias para levarmos as fitas com que mandavam tecer as mantas de trapos). A certa altura, na estrada entre os Pereiros e a Partida, lá está novamente o Fernando, trajado a rigor, pronto para orientar quem necessitasse de ajuda. O empenho e concentração que lhe adivinhei naquele dia e num local onde só passava um carro, de tempos a tempos, eram os mesmos que lhe vi, anos antes, no meio do trânsito intenso da marginal de Cascais, numa tarde de Verão.
Mas foi há cerca de um ano, aquando da festa do São Tiago que o Fernando me deu a maior lição de civismo. Tinha ouvido dizer que o nosso rancho ia atuar na Partida nesse dia e convenci o meu marido a irmos até lá para assistir a essa atuação. Quando chegámos à entrada da aldeia não vimos ninguém na estrada que nos pudesse indicar o local da festa e enquanto nos decidíamos pelo caminho a tomar vimos aparecer, ao longe, vindo na nossa direção, uma pessoa que nos pareceu ser um GNR. Ficámos mais tranquilos e fomos caminhando ao seu encontro. Quando nos aproximámos um pouco mais, vimos que era o Fernando. Caminhava em passo decidido, o olhar sempre em frente, e trazia uma garrafa de cerveja vazia em cada mão. Ficámos um bocadinho à conversa com ele e, às tantas, em tom de brincadeira perguntámos-lhe se duas cervejitas não eram bebida a mais. Ele, com o seu ar calmo, respondeu-nos mais ou menos isto: “Não senhor, eu não bebi nada. Vossemecês querem lá ver, foram uns homens que estiveram a beber lá ao pé da capela e aventaram as garrafas e eu trouxe-as para as botar no caixote do lixo”. Fiquei sem palavras!
A última vez que o vi foi em Junho ou Julho do ano passado. Fui à Senhora da Orada ao final da tarde e lá estava o Fernando sentado numa pedra junto à fonte. Para além de cansado, pareceu-me triste e muito agitado. Estivemos um bocado à conversa e contou-me que tinha saído de casa de manhã, atravessou a serra toda a pé e, pelo que percebi, durante o dia todo só tinha comido uns abrunhos que uma mulher lhe deu pelo caminho. Contou-me também que tinha vindo rezar porque a sobrinha andava muito triste, pois o marido tinha-a deixado. Contava que a Nossa Senhora fizesse o milagre de o trazer de volta…
Quando me vim embora, insisti para que viesse comigo, comia qualquer coisa na minha casa e depois levava-o de carro à Partida. Ele recusou. Disse que voltava outra vez pela serra e num instantinho se punha em casa. 

M. L. Ferreira