sábado, 23 de agosto de 2014

Adeus, até ao vosso regresso

Este ano, São Vicente da Beira teve gente a passar férias como já não se via desde finais dos anos 70 do século passado. Dias houve em que tive dificuldade em estacionar o carro.
Não só os mais velhos vieram, como também os seus filhos e netos.
Disseram-me que é por causa da piscina, onde os mais jovens passaram bons momentos de lazer. Com piscina, já não se importam de vir para o interior passar férias com os mais velhos!
É muito bom que esta obra se tenha afirmado como estruturante da nossa vida social.
Deixo-vos com um poema do Zé da Villa, sobre os que foram partindo e agora regressam.

José Teodoro Prata



O EMIGRANTE

Lá vão o camponês e o cavador
A caminho das suas hortas cultivar a terra
Tiram o gado da corte para pastar na serra
As ovelhas seguem o pastor
Tudo desabrocha, é primavera
O sol aquece, o dia está lindo, pudera
É primavera e eles cavam, cavam com ardor

Cada um vai sonhando uma nova vida
Risonha, menos triste, e menos penosa
Vão sonhando com uma vida mais airosa
Na terra labutam, apanham frio e sol grande lida.
Com a respiração ofegante e uma lágrima teimosa
Corpo suado, sonham uma vida mais formosa
Mãos calejadas, queimadas, aqui, ali, uma ferida

Vamos sair daqui para fora para a França trabalhar
Aqui temos uma vida miserável e desgraçada
A terra não nos dá o sustento e tanta cava
Temos nossas famílias para alimentar
Quem já partiu nãos lhes falta nada
Alguns até já construíram casa, linda morada
Já mandam seus filhos para a cidade estudar

Ei-los que partem com uma mala de cartão
Noite escura, passam a fronteira a salto
Os guardas correm, vão no seu encalço
Escondem-se detrás das moitas, mala na mão
Estamos a ver-vos; parem, não fujam, alto
Os labregos fogem de salto a salto
Os guardas atiram para os apanhar, mas em vão

Muito sofrimento e muitos caminhos palmilhados
A dormirem as noites frias e chuvosas ao relento
Eis que chegam à terra prometida num dia de vento
Todos rotos, molhados e esfarrapados
Nova vida com muita fé e esperança lá dentro
…Olha o Manel! Leva às costas um saco de cimento
Moram num chantier, para pouparem os ordenados

Com o verão à porta traz também as vacanças
Já compraram cada um seu carrito
Quando partiram já levaram um deux chevauzito
Na aldeia há festa e no arraial muitas danças
Bota bierres para todos, para mim um copito
À nossa… que saudades; dá-me cá um pirolito
Amigos bebam…saúde, às nossas lembranças

Zé da Villa

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Mariana da Ribeirinha



Toda a vida fomos pobrezinhos, cá em Portugal, mas dizem os antigos que mesmo assim sempre houve muitos cobiçosos a quererem tomar conta da gente. Diz que duma vez foram os espanhóis que vieram por aí adentro. Parece que eram muitos! Tinham boas espingardas e bons cavalos; andavam bem comidos e bebidos; armados em valentes! Os nossos, coitaditos, esganados com fome, muitos deles descalços e nem armas como deve ser tinham. Mas parece que deram bem conta deles todos, mesmo quase só com machadas e forquilhas. Diz que uma ocasião, uma padeira deu cabo duns poucos só com a pá do forno. Se é verdade ou se são histórias, isso não sei; é o que ouvia contar aos antigos…

Mas dizem que os piores foram os franceses que vieram a seguir, no tempo do Napoleão. Parece que eram ruins, os filhos do diabo! Toda a gente tinha um medo deles que se pelava. Pilhavam tudo por onde quer que passassem: casas, hortas e até as igrejas e as capelas! E diz que matavam as crianças e que faziam mal às mulheres; tanto se lhes dava que fossem velhas ou novas. Não respeitavam ninguém! Piores que bichos! Constava-se que no Açor mataram uma cachopinha muito linda, ainda donzela, que tinha ido com outra à lenha. Quiseram gozar-se dela, mas como a rapariga se defendeu, deram-lhe um tiro que caiu logo ali, redonda no chão. Diz que no sítio onde fizeram esse serviço, nunca mais nasceu uma ponta de renovo.

Para fugirem dessas desgraças e para não serem obrigados a ir para a guerra, muitos homens pegavam nas mulheres e nos filhos e abalavam dos povos. Fugiam para a serra, ou para onde calhava, e ficavam por lá escondidos até que as tropas abalassem.

Foi o que fez um homem do Vale da Figueira, quando se começou a constar que os soldados andavam para aquelas bandas. Pegou nos três filhos e na mulher, que já andava outra vez com barriga de fim de tempo, e foram-se a esconder numa cabana que fizeram com paus e ramos de gesta, para os lados da Ribeirinha. A mulher e os meninos dormiam lá dentro, deitados numa cama de fetos. O homem dormia ao relento, a tomar conta, não fossem os soldados ou algum bicho aparecer por lá.

Passaram muitos cuidados e muita fominha, enquanto por lá andaram. Não é que não estivessem já avezados a viver com muitas precisões, sem farturas nem grandes novidade, mas naquela ocasião foi muito pior! A única coisa que tinham para comer era uma talêga de milho e uma amotolia de azeite que tinham trazido de casa, por isso os cachopinhos só comiam umas papas de carolo, aguadas, quer de manhã quer à noite; o homem e a mulher, o mais das vezes, era um caldo de beldroegas ou de saramagos engrolados, temperado com um fio de azeite.

Ele bem procurava! … Todos os dias pela tardinha ou logo de manhã, muito antes do sol nascer, saía à cata de qualquer coisa com que matar a fome aos filhos e à mulher, mas o mais das vezes voltava de mãos a abanar. Pelas hortas, nem se atrevia! Eram tempos de miséria e de pilhagem, e o que ainda não tinha sido roubado estava bem guardado pelos donos, de dia e de noite. Os figos ainda em leite e os gachos e as amoras tão verdes que nem os cães os queriam. Ir pedir às portas, nem pensar! Se o agarrassem, lá tinha que marchar também… Por sorte que era o tempo dos ninhos, e de vez em quando lá trazia uns passaritos ainda mal vestidos ou um coelho tirado da toca. Era uma festa, nesses dias! E duma vez que agarrou uma cobra?! Deu uma caldo melhor que canja de galinha!

Um dia, já pela tardinha, andava ele nestas andanças e a mulher sozinha com os filhos. Os dois mais velhos estavam entretidos a escarafunchar num buraco com uma palha, a ver se agarravam um grilo que não parava de cantar de dia e de noite; a mãe estava sentada à porta, a catar o mais novo. Nisto começou a ouvir uma grande algazarra e passadas de cavalo, lá ao longe. Aflita, só teve tempo de agarrar nos cachopinhos e arrastar-se com eles para dentro da cabana.

Espreitou por uma fisga e viu uma carreira de soldados, em cima de cavalos, a virem na direção da cabana. Ficou sem ação, de tanto medo. A única coisa que foi capaz de fazer foi agarrar-se aos filhos e ajoelhar-se no chão, defronte para o buraco da porta, a rezar à Nossa Senhora. Pensou que tinha chegado a hora dela e a dos seus meninos. Só um milagre da Virgem lhes poderia valer.

Quando chegaram perto da cabana, um dos soldados desamontou-se, pegou na espingarda que trazia ao ombro presa com uma correia, abaixou-se e assomou lá para dentro, de arma apontada. Viu a mulher de joelhos abraçada aos filhos, os olhos esbugalhados, como se dissesse: «Pelas alminhas de quem lá tem, não faça mal a estes inocentes…»; viu também os cachopinhos, quase encarrapatos, todos a tremer; só lhes luziam os olhinhos, de tanta fome e tanto medo. À mulher pareceu que o soldado se aprontava para entrar na cabana. Mal pôde suster um grito. Mas, nisto, viu-o a dar um passo atrás, virar-se para os outros e abanar a cabeça, como que a querer dizer: «Vamos embora que aqui não há nada.» Pôs a arma ao ombro, amontou-se outra vez no cavalo e sumiram-se ao fundo da vereda.

Quando o homem chegou, já noite alta, entrou na cabana e viu a mulher espojada no chão, tolhida com dores; os filhos à roda dela. Nunca se vira metido em tais andanças e nem sabia o que havia de fazer numa ocasião daquelas, mas como não tinha de quem se valer e a natureza não espera, aforrou as mangas e fez o que pôde. Passado um bocado, estava cá fora uma menina. Tão enfezadinha que mais parecia um coelho esfolado, mas berrava que nem um bacorinho.

Puseram-lhe Mariana. Toda a vida lhe chamaram a Mariana da Ribeirinha, por causa do sítio onde tinha nascido. Foi sempre miudita, mas dizem que era rija e esperta que nem um alho. Tinha já muita idade, quando Deus a chamou. Foi a minha bisavó!

M. L. Ferreira

Nota: Esta história foi-me contada por uma vizinha. Pode não ter muito rigor factual, mas mostra-nos um pouco da maneira como as pessoas entendem alguns acontecimentos da nossa História, passados oralmente de geração em geração.

domingo, 17 de agosto de 2014

Boas leituras



Livro
Um livro é um amigo
Também pode ser um inimigo
Para se saber
Tem que ser lido
Depois já podes escolher
O livro que queres reler
Primeiro tens que me ler
Para saberes o meu conteúdo
Podes ser um sortudo
Tens primeiro que me ler
O livro é saber
O livro é sonho, ilusão
No livro está a solução
É só abri-lo, estudá-lo e ler
O livro é sonho é paixão
O livro é ensinamento
Podes abri-lo em qualquer momento
Seja em casa, na horta ou na prisão
O livro é companhia
O livro é um tesouro
O livro é sabedoria
Guarda-o para o vindouro
Quem possui livros tem o saber
Cuida deles religiosamente
Seja labrego ou lente
Estuda, lê, investiga até morrer
O livro é um companheiro
De viagem ou solidão
Nunca é refilão
O livro é um bom parceiro
O livro abre horizontes
Quem o lê naturalmente
O livro nunca mente
Com ele viajas por vales e montes
O livro dá-te sabedoria
O livro dá-te ensinamentos
Na escola ou noutros momentos
É um companheiro todo o dia
Zé da Villa

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Desgarrada ao Pe. Jerónimo

1.ª parte:  http://youtu.be/Z9j8NKPNTuU

2.ª parte: http://youtu.be/6z9Urano0T4

Nota: Os vídeos são do Joaquim Trindade dos Santos.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Ainda as bodas de ouro sacerdotais



SÃO VICENTE DA BEIRA – JOSÉ HIPÓLITO JERÓNIMO – 50 ANOS DE MISSIONÁRIO
Na manhã de domingo, dia 10 de Agosto, S. Vicente da Beira acordou ao som do rufar dos tambores do Grupo de Bombos “Os Vicentinos”, que anunciaram festa pelas ruas, na vila medieval. José Hipólito Jerónimo, um filho desta centenária vila, que já foi concelho, comemorava cinquenta anos de Missionário do Verbo Divino, em terras de Portugal, Alemanha, Itália, Estados Unidos e Angola.
O cortejo do largo da Fonte Velha ocorreu ao som da Banda da Sociedade Filarmónica Vicentina, a caminho da Igreja Matriz, onde a povoação nasceu e se desenvolveu por esforços de D. Afonso Henriques, em 1173, recebendo foral no reinado de D. Sancho I.
Com o templo repleto, o Padre Jerónimo foi recebido com uma forte ovação. A Eucaristia foi presidida pelo Bispo da Guarda, acolitado por diversos Missionários Verbitas. Na tomada da palavra, D. Manuel Felício deu os parabéns ao homenageado e destacou a ação dos Missionários do Verbo Divino, prestando muitos serviços e colaboração pastoral na Diocese Egitaniense.
O homenageado expôs o seu curriculum familiar, social e missionário, evocando as palavras que Cristo transmitiu a S. Francisco de Assis, (a imagem franciscana estava ali bem presente e agarrada à Cruz): “Pela força e graça de Deus, sou missionário, porque o caminho não foi fácil.” Referiu que as suas preocupações pastorais se inclinaram para o enriquecimento e valorização da pessoa humana. Sempre que vem a S. Vicente da Beira, entra em primeiro lugar nesta igreja, onde foi batizado, vai ao cemitério, calcorreia muitas das ruas, em que cada pedra é uma lição de história, cumprimentando todas as pessoas com quem se cruza. Estava muito grato a todos.
O Provincial da Congregação do Verbo Divino enalteceu os serviços de missão de cinco décadas a anunciar o Evangelho e o Pároco de S. Vicente da Beira agradeceu a colaboração que lhe tem prestado.
Seguiu-se o almoço, servido na Casa do Povo, onde participaram algumas centenas de pessoas. Era bem patente a empatia, a amizade, a consideração que os vicentinos mostraram ao seu conterrâneo, além de muitos outros participantes de Castelo Branco, Fundão, Aldeia de Joanes, Tortosendo, Covilhã, Guimarães, Fátima, da Galiza e tantas outras localidades.
Na tarde de convívio salienta-se a passagem de um pequeno filme sobre o José Jerónimo e a apresentação da sua autobiografia, com o título “ O ZÉ DO CASALITO”, edição dos Missionários do Verbo Divino. Destaca-se a atuação do Grupo Musical do Acordeão de Guimarães, amigos pessoais, que além de tocarem diversas músicas, deixaram na memória de todos a desgarrada, na melhor tradição minhota. Dois jovens cantores e tocadores interpretaram o percurso humano, social, religioso e até desportivo do Padre Jerónimo.
Na rua ouvimos a opinião das pessoas de S. Vicente da Beira sobre o Padre Jerónimo:

João Benevides PrataEx-docente secundário – “Nasceu aqui de uma família numerosíssima, (quinze irmãos), viveram com muitas dificuldades. Sempre disponível, muito amigo das suas gentes e esta festa de homenagem é totalmente merecida”.

João Duarte BarrosoEx-comissário da P.S.P. É um vicentino por excelência. Subiu com a corda nos pulsos. Ser missionário exige vocação e coragem. Está há cinquenta anos no trabalho da evangelização. Amigo da nossa terra e das nossas gentes”.

José Manuel dos Santos Ex-dirigente escutista – “É um missionário que se dá com toda a gente. Fala com todos sem exceção. Nas eucaristias fala a linguagem do povo e a mensagem é positiva”.

Maria Madalena dos Santos Duarte doméstica, que faz quarenta anos de casada, no mesmo dia em que o Padre Jerónimo faz cinquenta de missionário – “O que lhe dizer? Olhe, é um homem do povo, que gosta de beber uns copitos com as nossas gentes e está sempre bem-disposto”. Brilhavam-lhe os olhos de alegria e felicidade de ter em sua posse e mostrar uma fotografia acabada de tirar na Igreja, com o marido e o seu conterrâneo. Casal e Missionário, com percursos diferentes, mas a mesma felicidade.

Maria de Fátima Jerónimo, doméstica - “É um homem aberto, simples, com bom coração. Amigo de ajudar aqueles que precisam e estar ao seu lado. Não descrimina ninguém e gosta de ouvir todos, sem exceção.

Repito o canto final: “Tanta alegria em nossos corações em festa/é chama que ao mundo a verdade manifesta.”
Parabéns a este Missionário, “O ZÉ DO CASALITO”, de S. Vicente da Beira, que um dia, há muitos anos, tive a felicidade, a alegria, de conhecer numa viagem ferroviária entre Castelo Branco e Lisboa.

António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes, Agosto/2014