quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Amoras silvestres


Começou (para mim, no Ribeiro de Dom Bento/na serra) a temporada das amoras.
E com as chuvas da semana passada ainda vão ficar melhores!
Num ano desgraçado como este, é a minha primeira fruta.
Tardes, compotas... Com amoras silvestres, fica tudo excelente!

Não há quem me mande uma foto da trovoada?

José Teodoro Prata

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

D. Pedro, Conde de Barcelos - palestra

Reina grande alvoroço em São Vicente desde 5.ª feira da semana passada. É sempre assim, quando o Conde de Barcelos, D. Pedro, aqui pousa com os seus homens, a criadagem e as suas bestas. No entanto, não é isto nada se comparado com o sucedido no ano de 1344, quando o conde aqui instalou um paço e nele a mulher que ama, D. Tareja Anes de Toledo, sua amante.
É D. Pedro um homem de uns onze palmos de altura, com envergadura correspondente, de cabelo crescido e sobremaneira ruivo, o que é uma raridade. De porte altivo e bem apessoado, ele, que é homem dos seus 60 anos, tem, de rico e poderoso, mais do que qualquer outro em Portugal.
D. Pedro é fruto de uma ligação de D. Dinis com D. Graça Froes, pertencente a uma importante família de Torres Vedras.  Este homem, exímio na arte de andar a cavalo, corre desde madrugada os montes do termo de São Vicente, em perseguição de caça grossa, como gosta de fazer sempre que aqui vem em especial no meio do Inverno.
Nem só à caça se dedica o Conde em São Vicente. Se faz mau tempo, o paço anima-se em serões que se alongam pela noite. Acodem jograis com as suas trupes, atraídos pela perspectiva de dormida e comida gratuitas e de uma remuneração compensatórias.  D. Pedro também costuma contratar vilãos de São Vicente para, no paço, cantarem e dançarem as suas modas populares, que muito aprazem à fidalguia presente.
D. Pedro é homem de grande cultura, que dedicou alguns anos da sua vida - entre 1325 e 1344, dizem - a compilar uma Crónica Geral de Espanha; antes disso, fizera já a compilação de um Livro de Linhagens. E pedem muitas vezes as damas que o Conde recite algumas dessas cantigas de amor que ele compôs, ou mesmo outras de autores vários, o que ele de costume faz de boa vontade.

José Miguel Teodoro, No Tempo dos Avós mais Velhos,  GEGA, S. Vicente da Beira, 2003 (adaptação livre das páginas 62 a 64)


José Teodoro Prata

domingo, 28 de agosto de 2016

O nosso falar: rabeiras

Rabeiras vem de rabo, cauda, o que fica para o fim.
No que aos cereais diz respeito, pois é isso que aqui me traz, o significado que apresenta o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa 2001 é: «6. Resíduos miúdos que ficam depois de joeirados os cereais; pragana do grão.»
Mas a minha mãe dá-lhe ainda outro significado. Há dias, conversávamos sobre a alimentação dos galináceos em geral, os perigos das farinhas com aceleradores de crescimento e medicamentos.
Ela respondeu-me que não havia perigo, pois comiam rabeiras que o João Ventura vendia. Tentei entender e explicou-me que eram uma mistura de cereais mais reles que não eram aproveitados para fazer farinha.
Penso que são sacos com uma mistura de sementes, nem todas de cereais, mas também de gramíneas e leguminosas.
Em todo o caso, para a minha mãe, rabeiras são restos de cereais, os que não prestaram para farinar e por isso são dados aos animais.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Tempo livre

Há uns tempos, o Ernesto Hipólito ofereceu-se um livro antigo. Foi a minha leitura deste verão.
Chama-se A Paixão de Jane Eyre e foi escrito por Charlotte Bronte, irmã da autora do Monte dos Vendavais. A primeira edição saiu, em Inglaterra, no ano de 1847. A edição portuguesa não está datada e parece ser de meados do século passado.
A ortografia é diferente da atual e também da anterior ao acordo ortográfico agora em vigor. Além dos aspetos visíveis, ainda se usava o ponto de interrogação invertido no início da frase interrogativa (que não pude reproduzir).
No trecho que aqui vos deixo, a cena passa-se num colégio de meninas órfãs, propriedade da Igreja Evangelista local. Decorre uma visita/inspeção do pastor, acompanhado pela sua esposa e filhas…

Entretanto, Mr. Brocklehurst, em pé, diante do fogão, com as mãos atrás das costas, passava majestosamente revista à classe inteira. De repente, piscou os olhos, como se qualquer coisa lhe ferisse ou chocasse a vista; virando-se, disse com um tom mais rápido que até aí.
- Miss Temple, Miss Temple! Quê? Quem é aquela aluna com cabelos frisados? Cabelos vermelhos, senhora, e frisados, todos frisados?
Levantou a bengala e apontou êsse horrível objecto; a sua mão tremia.
- É Júlia Severn – respondeu, com tôda a tranquilidade, Miss Temple.
Júlia Severn, hem? E porque frisou ela os cabelos? Porque razão, apesar de todos os princípios e regulamentos desta casa, uma casa evangélica, um estabelecimento de caridade, procede ela como se estivesse lá fora, no mundo? Aqui não se querem caracóis!
- Os cabelos de Júlia são assim mesmo, naturalmente encaracolados – respondeu Miss Temple, ainda mais tranquila.
- Naturalmente! Sim, mas nós não nos devemos conformar com a natureza; quero que estas meninas sejam filhas da Graça. E depois, porque tanto cabelo? Já disse, e torno a dizê-lo, que quero os cabelos penteados, com modéstia e simplicidade. Miss Temple, é preciso mandar cortar os cabelos a essa menina: mandarei amanhã um barbeiro. E estou a ver aqui outras com excesso dessas excrescências. Aquela crescida, diga-lhe que se volte. Diga à primeira divisão que se levante. Que se virem tôdas para a parede.
(…)
- Êstes carrapitos têm de ser cortados.
Miss Temple pareceu discutir.
- Minha senhora, - prosseguiu êle – sirvo um Amo cujo reino não é deste mundo: a minha missão é mortificar nestas raparigas as vaidades da carne e ensinar-lhes a vestirem-se com modéstia e sobriedade, e não a trazerem os cabelos enfeitados com ricos atavios. Cada uma das raparigas aqui presentes anda penteada como se a vaidade em pessoa a tivesse arranjado por suas mãos. Repito: êstes cabelos têm que ser cortados; pense no tempo perdido…
Aqui, Mr. Brocklehurst foi interrompido pela entrada de três senhoras. Pena foi que não tivessem chegado um momento mais cedo, para ouvirem êste sermão sôbre os adornos, pois vinham admiràvelmente vestidas de veludo, sêdas e peles. As duas mais novas (duas lindas raparigas de dezasseis a dezassete anos) traziam feltros cinzentos; à moda de então, enfeitados com penas de avestruz e, sob os graciosos chapéus, viam-se-lhes as tranças e os caracóis; a mais velha das três vinha envôlta num rico chaile de veludo enfeitado de arminho e com uma franja de cabelos postiços tôda encaracolada.
As senhoras foram recebidas com tôda a deferência por Miss Temple (eram Mrs. e Misses Brocklehurst) e conduzidas aos lugares de honra, ao fundo da sala.


José Teodoro Prata

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O fogo

No ano 2003, a nossa região foi terrivelmente afectada pelo flagelo dos fogos, até ao dia sete de Agosto tinham ardido em Portugal cento e sessenta e dois mil hectares de mata, proprietários mais pobres, o país também. A erosão dos solos, as cheias, o aquecimento global…
São dessa época os versos que seguem.


A temperatura baixou, os fogos terminaram
Por agora…
É tempo de fazer balanço na fauna e flora
E às matas que os fogos queimaram

Montes e vales despidos
Sem nada a protegê-los
Passa o vento aos gemidos
Assassinos, grandes camelos

Por montes, vales e baixas
Tudo a chama e o lume levou
Foi-se a floresta, a terra ficou despida
O fogo, tudo destruiu e queimou

A ganância de alguns é tanta
Que tudo querem destruir
As serras sem a sua manta
Choram, choram; não podem rir

As televisões mostraram
Esta miséria sem igual
Casas, florestas, hortas, queimadas
Neste nosso Portugal

As aldeias ficaram mais pobres
Tudo, o fogo consumiu e levou
De negro e cinzas a montanha se cobre
O fogo, tudo comeu e matou

Tocam os sinos a dobrar
Reza-se ao Criador
Levam-se os mortos a enterrar
Os que morreram naquele horror

Do Violeiro à Enxabarda
Do Ingarnal a Oleiros
Muitos ficaram sem nada
Casas, hortas e palheiros

Gente que vivia da terra
Gente de paz e bem
Mais parece uma guerra
Tantos ficaram sem vintém

Senhores lá de Lisboa
Nossas gentes venham ver
Não têm nada, nem uma broa
Ficaram sem nada para comer

Gentes de Trás da Serra
Tendes na mata o sustento
Vencereis esta guerra
Com denodo e alento

No alto daquele monte
Vejo uma planta a nascer
Perto brota uma fonte
Que a ajuda a crescer

Já oiço os passarinhos
Com seu alegre chilrear
Construindo seus ninhos
No seu novo e belo lar

A montanha a pouco-e-pouco
Está novamente verdinha
Que nunca mais nenhum louco
A queime, deixando-a nuazinha

Todos juntos em união
Venceremos estas batalhas
Temos todos mais que razão
Não nos dêem mais migalhas

Se nos querem ajudar
Ponham as máquinas a trabalhar
Para a terra lavrar
A semente semear
A planta brotar
Crescer, crescer sem parar
Para o povo se alimentar
O ar se purificar
A ave nidificar
O animal se criar
A lareira aquecer o lar
O povo deixar de mourejar
E nunca mais o fogo voltar


Zé da Villa

terça-feira, 23 de agosto de 2016

O nosso falar: ir para a Devesa

No passado, grandes extensões do antigo concelho de São Vicente da Beira eram terras baldias. Era o caso dos enxidros e de quase toda a área do triângulo Louriçal-São Vicente, Ribeirinha e Ocreza, até abaixo do paredão da atual barragem de Santa Águeda. Nestes baldios, os povos tinham a liberdade de apascentar os gados e colher lenha e mato. Às vezes havia limitações, mas estabelecidas pela Câmara.
A Devesa era o baldio mais próximo da Vila. Por isso, ainda nos anos 60 e 70, quando crianças e jovens importunavam os adultos com jogos de bola ou correrias, na Praça ou em qualquer rua, logo vinha o "convite":
- Vão para a Devesa!

José Teodoro Prata

sábado, 20 de agosto de 2016

As coisas que o Pedro sabe

Às vezes até me deixa de boca aberta com o que ele sabe sobre a nossa terra – a História e as histórias, as gentes, os lugares, as tradições… É verdade que teve uma boa mestra, mas, mesmo assim, não deixa de surpreender. Ainda por cima é uma pessoa generosa, sempre disposto a partilhar o que tem e o que sabe, e a ajudar quem precisa.
Aqui há tempos encontrei-o na Praça. Tirou uma coisa do bolso e parecia um menino:
- Olhe aqui, sabe o que é isto?
- Sei lá agora, Pedro…
- Chama-se um barbilho.
De repente fez-se luz e lembrei-me do tempo em que via o meu avô, no Mato Branco, a berrar atrás de algum borrego ou cabrito:
- Grande filho duma cabra, com o corpanzil que já tem e ainda agarrado às tetas da mãe! Deixa estar que já te cozo!
Ao outro dia, embarbilhado, que remédio tinha o bicho senão fazer pela vida, e a minha avó toda contente com o queijo mais avultado.

Barbilho
 É utilizado para desmamar os cabritos e borregos. Mete-se a parte de madeira dentro da boca do animal e a tira de couro passa por cima do nariz. 
As guitas atam-se aos cornos ou, no caso de ser moucho, passam por trás das orelhas e atam-se ao pescoço.

Um dia destes encontrei-o no estaleiro da Junta. No meio de tantas velharias, mostrou-mas como se fossem tesouros. Sabe o nome, função e proveniência de tudo, e diz que ainda um dia lhes há de voltar a dar vida.
Numa caixa, bem acondicionados, tinha as últimas aquisições:
  
Um chocalho
É maior, se for para as vacas, ou mais pequeno, se for usado por cabras e ovelhas.

Badalos
O som do chocalho depende do tamanho e da forma do badalo.

Chavetas   
São utilizadas como fivelas para prender a coleira do chocalho.

Travincas
Serviam para ajudar a fixar e apertar a corda dos molhos de lenha, mato ou erva.

Todos estes objectos eram feitos à mão, muitas vezes pelos pastores. A madeira utilizada era quase sempre o carvalho, a oliveira ou o azinho, por ser mais rija. Muitos faziam também pífaros, fisgas, fundas e outros objetos de madeira, cortiça, osso e couro. Era uma maneira de enganarem a solidão dos dias...

M. L. Ferreira

Nota: Os objetos e explicações são do Pedro Gama.