quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O nosso falar: correduras

É uma palavra de antigamente, do direito costumeiro (consuetudinário).
Tem a ver com as regas, através de levadas. Abriam-se as presas ou as minas e a levada enchia-se de água que galgava a distância até ao renovo sequioso. Depois a presa ou a mina esvaziava-se e a água enfraquecia na levada e a que chegava às hortas já não corria na terra, não dava para regar. A esta água que ainda corre na levada, mas já é tão pouca que ao chegar ao terreno agrícola não dá para regar chamávamos correduras. Eram as rabeiras que ficavam na levada.
E o direito consuetudinário é que qualquer pessoa tinha direito a cortar estas correduras para uma terra ou represa que tivesse junto à levada. Isto nas regueiras ou levadas de muitos metros e até quilómetros, que atravessavam propriedades de outros donos que não o daquela água, como as que tínhamos nas encostas da Gardunha. Agora, só tubos de plástico ou já nem isso.
Segundo a minha mãe, as hortas entre os Carquejais e o Pinheiro eram regadas com as correduras da regadia do Ribeiro de Dom Bento, armazenadas numa presa que lá havia. Isto antes da regadia ter sido canalizada para o tanque que fizeram nos Carquejais, nos anos 70.

José Teodoro Prata

domingo, 11 de setembro de 2016

Como se fazia um nobre

Aprendemos na escola que os nossos reis fundadores conquistaram o centro e sul aos mouros e depois doavam as terras a quem se distinguia no campo de batalha. Muitos pequenos nobres do norte tornaram-se assim grandes possuidores de terras e por consequência ricos e poderosos e por consequência ocuparam importantes cargos e por consequência ascenderam à média ou alta nobreza.
Alguns vilãos tornaram-se nobres, pois conseguiram tornar-se médios/grandes proprietários e por isso tornaram-se homens-bons, a elite dos concelhos. E como, na crise de 1383-85, souberam escolher o lado certo da História e lutar, em Aljubarrota, ao lado do Mestre de Avis, receberam de D. João I títulos de nobreza.
Havia outras formas de uma pessoa se tornar importante, mas quase todas passavam pela posse da terra, pois ter propriedades era ter poder sobre os vilãos que ali viviam, fazendo-lhes justiça, protegendo-os e comandando-os na guerra e cobrando-lhes impostos, tudo em nome do rei.
E foi assim ao longo dos tempos.
Peço-vos que leiam o documento que se segue e no final voltamos a conversar.


Em os dezoito dias do mês de agosto da era de mil setecentos e quarenta anos, faleceu da vida presente com todos os sacramentos, o padre Domingos Dias Martins deste lugar de Tinalhas, e fez testamento…
…Mais disse ele testador que deixava como seu testamenteiro e universal herdeiro o seu sobrinho e afilhado, o Alferes Theodoro Faustino Dias e por seu trabalho lhe instituía um morgado ou capela nas peças seguintes:

- Primeiramente umas casas que tem defronte da Igreja neste dito lugar com todos os seus quintais e serventias que lhe pertencem, que partem de uma banda com casas de Manoel Duarte Vincente deste dito lugar, e com estrada do concelho.
- Mais um lagar de vinho que está detrás das ditas casas que foi de Manoel Vas Duarte.
- Mais uma quinta que está aonde chamam o Ribeiro detrás da capela do Divino Espírito Santo, com sua casa e o mais que lhe pertence, que parte com herdeiros de Maria Agostinha e com estrada do concelho.
- Mais uma terra ao Ocreza, aonde chamam as Casas do Leitão, limite de São Vicente, que parte com a mesma Ocreza e com terra de Jorge Lourenço deste dito lugar.
- Mais uma terra com seu olival aonde chamam Vale Coelheiro, limite do lugar da Póvoa, que parte com herdeiros de Maria Agostinha deste dito lugar.
- Mais uma vinha aonde chamam o Vale do Feixe, limite deste dito lugar, e duas terras junto à mesma vinha, uma da parte do poente e outra da parte do nascente, com tudo o que lhe pertence; e vinha e terras que partem com Matheus Fernandes da Póvoa e com Manoel Simão do Cabo deste lugar.
- Mais uma tapada junto à mesma vinha, a qual foi de Domingos Dias de Amaral, a qual tapada anda em litígio no tribunal (…), a qual parte com Manoel Affonço Delgado e com herdeiros de Domingos Fernandes Ratto, ambos deste lugar.
- Mais uma terra ao Vale do Monte, limite do lugar da Póvoa, testa com herdeiros de Maria Gomes deste lugar.

Este Teodoro Faustino Dias estava casado com Maria Cabral de Pina do Violeiro, irmã dos Cabral de Pina que viviam em São Vicente (3 padres e 2 irmãs solteiras). A mulher morreu-lhe cedo, assim como 2 dos 4 filhos, e ele tornou-se sacerdote. Dos dois filhos, o rapaz foi jesuíta. A filha Eusébia casou bem, a neta Joana ainda melhor, de forma que o bisneto José (o da foto do fundo da publicação anterior) se tornou fidalgo e o rei D. Luís o fez visconde.
Porquê? Porque este José seria pessoa de qualidade, mas sobretudo porque os seus antepassados, através de uma inteligente política de casamentos, tinham acumulado uma grande soma de propriedades que o tornaram rico e importante.
E porquê Visconde de Tinalhas, se as propriedades se espalhavam por toda a região (Violeiro, São Vicente, Soalheira...)? Porque ali tinha residência (entre várias) e sobretudo ali se situava o morgado que o Pe. Domingos Dias Martins instituíra ao sobrinho Teodoro Faustino Dias, o núcleo duro da riqueza desta família.
É que estas terras do morgado não se podiam doar, nem dividir, e tinham de ser herdadas pelo filho mais velho macho e só não havendo machos é que herdava a fêmea mais velha. E o herdeiro tinha de casar com alguém aceite pelos pais e ser de boa raça (não podia ser judeu/cristão-novo).
E porquê chamar-se também capela a este conjunto de propriedades? Porque quem herdasse o morgado tinha a obrigação anual e perpétua de mandar rezar 6 missas por alma do instituidor e de seus parentes.
Era assim, naquele tempo...

Nota: Reparem que o solar do 1.º visconde de Tinalhas se situava (situa ainda, embora já degradado - é o solar da notícia anterior) no sítio de umas casas que o seu bisavô Teodoro Faustino Dias herdou do Pe. Domingos Dias Martins.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Praças

Numa discussão entre uma sanvicentina e uma tinalhense, cada qual defendia com unhas e dentes os pergaminhos do respetivo berço. Uma porque São Vicente até tinha tido a Casa da Câmara; a outra porque sim senhora, mas também lá tinham tido a Casa da Malta. A de cá porque não havia como a Senhora da Orada; a outra porque havia lá santa mais linda que a Rainha Santa Isabel! E casas antigas? E gente importante? E histórias? Um nunca mais acabar, dum lado e do outro.
Ao fim de algum tempo, a nossa baixou um pouco o fervor com que defendia São Vicente, até porque, em boa verdade, reconhecia em Tinalhas uma das aldeias mais bonitas das redondezas.
- Mas não têm é uma Praça tão linda como a nossa! – foi o último argumento da de cá.
- E onde é que os de São Vicente alguma vez tiveram uma praça como a que nós cá tínhamos antigamente? Olhe, vendia-se lá de tudo: hortaliças e frutas de toda a qualidade; carne, vinho, azeite, leite de cabra e de vaca, que até nos perguntavam logo de qual é que queríamos; queijos frescos e curados… Neste tempo as melancias eram tão grandes que era preciso os braços de um homem para as abraçar. Era uma fartura de tudo! Vinha gente de todo o lado a abastecer-se e todos os dias ia uma carroça cheia a vender na praça de Castelo Branco.
Era além, onde está aquele portão grande. É uma pena é agora estar naquele estado, mas o que é que se há de fazer? Naquele tempo dava trabalho a muita gente. Entre pastores, criados de fora e de dentro, pessoal que vinha só no tempo da azeitona, da monda ou das ceifas, era uma tormenta de gente. Mas agora já ninguém quer saber da terra e está tudo ao abandono…




Painéis de azulejos que ladeiam o portão da Casa Agrícola de Tinalhas. Verdadeiros os dizeres do segundo painel e, não fosse a imagem da criança a guiar a charrua e a miséria em que viviam os trabalhadores agrícolas, apesar de trabalharem como escravos, até apetecia dizer que naquele tempo é que era…


Retrato do 1.º Visconde de Tinalhas, José Coutinho Barriga da Silveira Castro da Câmara, pai de Tomás Aquino Coutinho Barriga da Silveira Castro e Câmara, que foi presidente da Câmara de São Vicente da Beira e protagonista da história “Um herdeiro”, aqui publicada em dezembro passado.


M. L. Ferreira

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Curiosidades históricas

Pedro era o único filho varão de D. João de Almeida Portugal, 2.º Marquês de Alorna.
Pedro José de Almeida Portugal, 3.º Marquês de Alorna, descendente dos Távoras, casou em Lisboa, na Encarnação, em 19-02-1782, com Henriqueta Julia Gabriela da Cunha (1787-1829), filha mais velha do 6.º Conde de São Vicente da Beira, Manuel José Carlos da Cunha e Távora e de Luísa Caetana de Lorena.

É tradição que, quando as tropas de Junot estavam à entrada da subida da serra, o povo de S. Vicente dirigiu-se em massa à Igreja da Misericórdia, fazendo preces para que as tropas invasoras não entrassem. Ao mesmo tempo a imagem do Senhor cobria-se de suores e um nevoeiro cerrado impediu a entrada do exército francês. Então, cheio de reconhecimento e veneração, o povo prometeu fazer uma festa ao Senhor Santo Cristo, que reúne povo de todas as aldeias circunvizinhas. E à noite, no arraial, nenhuma rapariga de S. Vicente dança, porque a Igreja lho proibe, e assim tirava todo o carácter religioso à festa.
VASCONCELLOS, J. Leite, Contos Populares e Lendas II, Coimbra, por ordem da universidade, 1966 , p. 721

Jaime Gama

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

O nosso falar: restolhada

O restolho sabemos o que é: parte inferior dos cereais que fica depois da ceifa.
Restolhada pode ter um sentido coletivo, pois designa o conjunto de todo o restolho. Também se refere às espigas que caem e ficam no meio do restolho. Mais habitualmente, designa um barulho idêntico a passos a atravessar uma seara ou o restolho.
Um dia ao fim da tarde, parti para o Alentejo com o meu cunhado Joaquim Teodoro. Íamos carregar um camião de fardos de palha.
Chegámos ao campo já de noite, comemos qualquer coisa e estendemo-nos em cima de uma manta, junto ao tronco de uma azinheira, à espera da claridade do amanhecer.
Esse é um outro significado de restolhada: conjunto de pessoas a dormir no chão. O termo terá tido origem nas ceifas, pois era assim que se dormia nos campos. Por outro lado, dormir no campo, no chão, em cima de umas mantas, era habitual nos nossos antigos, desde que o tempo estivesse seco. E com um pouco de palha por baixo ficava melhor. Também nas festas familiares, vinham parentes de longe e era necessário acomodá-los. Então estendiam-se umas mantas no chão de sobrado ou até no térreo da loja e por umas noites desenrascava. Era uma restolhada de gente!

José Teodoro Prata

sábado, 3 de setembro de 2016

Por metade do preço

            O inverno tinha sido duro naquele ano, muita chuva e neve; havia trabalho, mas o tempo… Os homens passavam-no na taberna; jogavam às cartas, ao nôcho, ao burro e a emborcar copos de vinho. O pouco dinheiro que havia, uma boa parte ficava na taberna do Fecisco Ourico ou do Marcelino.
            A nuvem estava a ficar lisa, o vento calado que nem um rato, não estava capaz de se fazer fosse o que fosse; acomodar o vivo; a lenha era fraca, estevas verdes, os pinhais estavam exauridos; tocos, chamiços, tanganhos ou tangãos. Tudo tinha sido aproveitado pelas pessoas, ai de quem cortasse um pinheiro; se o dono soubesse pagava-o bem pago, mesmo assim os mais afoitos aventuravam-se furtivamente durante a noite
            A neve começou a cair, as vidraças da janela aos poucos foram ficando pintalgadas do branco imaculado, não tardou muito os campos em redor das casas estavam cobertos da alva e branca neve, frio de rachar, as estevas enchiam a cozinha de fumo que saía pelo telhado de telha vã, uma rafada de vento assobiava, com um temporal destes ninguém se aventurava a andar na rua.
            Toda a família estava reunida em volta da fogueira, pai, mãe, filhos e sogra.
            A panela de ferro fumegava, de vez em quando a mãe destapava-a, mexia o caldo com a colher de pau e provava. As couves engroladas precisavam de levar mais sal.
            Lá fora a neve continuava a cair, o brasido das estevas tornava aquele espaço acolhedor.
            A mãe levantou-se dirigiu-se à cantareira, tirou os pratos de esmalte e foi-os enchendo de caldo.
            A família tinha terminado a refeição, o pai já com um grãozito na asa, voltando-se para os filhos disse:
            - Ó filhos, a vossa mãe já anda outra vez cheia.
            A sogra, que estava sentada num canto embrulhada no xaile preto e um rafado lenço na cabeça, respondeu:-
            - Não, não há de estar cheia, comeu agora dois pratos de caldo…
            Os dias começaram a melhorar, o verão ia a meio, naquela humilde casa a mulher dava mais uma vez à luz, um bonito rapaz.
            Chegou a altura de o baptizar. O pai da criança quando terminou a missa do dia foi falar com o padre Tomaz para marcarem a data da cerimónia.
            No dia e hora marcada, a família espera pelo senhor vigário ao fundo da igreja, que estava sentado na sacristia. Inesperadamente aparece o pai do menino e disse:
            - Senho Vegário; a criança já está ao fundo da igreja, quando quiser…
            - Olha: são quarenta mil rés.
            - Mau, mau; só cá tenho vinte escudos.
            - Não quero saber, são quarenta mil réis…
            - Quer os vinte escudos ou não? Olhe que a taberna da viúva não está longe!
            - Dá cá os vinte escudos, vamos lá baptizar a criança.


J.M.S.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Trovoada de agosto

Na tarde de 25 de agosto e na noite desse dia para o de 26, ocorreu um fenómeno metereológico como não há memória entre os mais antigos. A meio da tarde e depois à noite registaram-se descargas de forma contínua, pois o barulho nunca parava. Além disso, em São Vicente, a trovoada veio acompanhada por uma carga de água de alto lá com ela!
Encontrei neste site
(http://www.meteopt.com/forum/topico/trovoada-pampilhosa-da-serra-25-26-agosto-2016.8871/
de alguém da Pampilhosa da Serra (em linha reta estamos muito perto) um vídeo e imagens impressionantes, de que deixo um exemplar, para abrir o apetite. Têm de descer até meio do site para ver a parte melhor.


José Teodoro Prata