sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Conferência das andorinhas


Fim de tarde de verão.

Depois de um dia de imenso calor, procuro o fresco do jardim.
Entre as flores e a beleza encontro a serenidade e a paz no infinito azul do céu.
Voam abelhas de flor em flor. Atarefadas nas suas missões, nem dão pela minha presença.
Enlaçam-se as flores para chegarem mais alto e mais longe e saudarem o sol a cada manhã (Bons dias).

Olho o céu.
Voam andorinhas, pardais, carriças, labrandeiras e sei lá que mais.
Inquietos os voos de hoje. Nervosos e barulhentos. Porque será?
Vou investigar, talvez descubra porquê.
Sigo-as.
Oiço o barulho que fazem, cada vez mais e mais perto.
Fios de telefone, eletricidade e beirais cheios de andorinhas inquietas.
Algumas fogem com a minha presença mas regressam novamente, outras vão chegando.
Intensifica-se o som e olho mais além e mais alto.
Não há poiso para tantas patinhas de andorinha.
Reunidas em conferência na mais alta e abandonada antena de TV. Qual “sala” mais improvisada, arejada e pequena para poiso de tantas outras que reclamavam nos fios e beirais.

Que discutiam? Que reclamavam?
Estariam só algumas em conferência, (as da antena) e as outras, (dos fios e beirais), protestando?
Que dirão de sua justiça?
Que regras terão de mudar, pela instabilidade do tempo e pela destruição humana?
De que leis terão de abdicar para continuar a seguir os seus instintos naturais e os seus voos livres?
Que liberdade terá o futuro?

Subitamente fez-se silêncio.
As andorinhas abandonaram os seus poisos e regressaram aos seus ninhos.
O sol já finda no horizonte e a noite não tarda a chegar.

É hora de regressar a casa e no aconchego dos seus ninhos, adormecerem entre penas e sonhos de liberdade.

Luzita

21/Julho/2010

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O livro em Castelo Branco



A apresentação iniciou-se com o José Teodoro a falar do processo que levou à concretização deste projeto.


E continuou com a leitura de algumas das histórias que selecionámos…


…acompanhadas pelo coro do nosso rancho, na parte das cantigas.


Dois dos alunos do Agrupamento de Escolas José Sanches e São Vicente da Beira explicaram o processo de ilustração de algumas das histórias do livro. 
Fizeram-no lindamente!


Finalmente, as individualidades convidadas (representante da RVJ editores, Presidente da Junta de S. Vicente da Beira, Vereador da Cultura da C. M. Castelo Branco e Diretora do A.E. José Sanches e S. Vicente da Beira) falaram da participação de cada uma destas instituições neste projecto. 
Salientaram sobretudo a importância que iniciativas como esta têm na preservação da nossa identidade cultural e na passagem de testemunho às gerações que nos sucederem.


A plateia não estava cheia, mas estavam certamente os melhores!
Para a semana iremos às escolas de Alcains e São Vicente e, no dia cinco de novembro, ao Pequeno Lugar, na Partida.

Até lá!

M. L. Ferreira

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Estivemos no Lar

Fomos ao nosso Lar conviver com as pessoas que ali vivem. E levámos o coro do Rancho Folclórico Vicentino para cantar alguns poemas integrados em histórias do livro. Cantaram a nossa Paixão, é lindíssima!
Foi muito bom. Faço minhas as palavras que a Luzita Candeias me enviou:

Gostei da tarde de sábado, entre Crescidos com tantas histórias vividas e por contar.
Gostei de ver os sorrisos deles, os olhos a brilhar a quererem que as histórias e canções se prolongassem pela tarde.

Têm de voltar outra vez, ouvir e contar novas histórias e cantar outras cantigas.
Pode ser?
E como é que aparece uma burra assim? ["...forte como uma mula, elegante como uma égua e muito mansa."] É isso que vamos ver. Há 60 anos havia uma família cigana no Cimo de Vila, que morava numa casa hoje em ruínas, que era do Tonho Russo e portanto vizinhos do meu avô Bernardo.
Num inverso particularmente agreste, a vida não estaria a correr muito bem ao Chico Cigano que, com a casa cheia de filhos a chiar de fome, lá se encheu de coragem e foi pedir ao meu avô um conto de réis para relançar o negócio. Que lhe pagaria pelo São Miguel.
Dos Enxidros aos casais: histórias e gentes de São Vicente da Beira, "A Preta", 
de Francisco Barroso, pp. 64 e 65.
Ilustração dos alunos do 2.º ciclo do Agrupamento de Escolas de José Sanches e São Vicente da Beira

Amanhã estaremos na Biblioteca Municipal de Castelo Branco...

José Teodoro Prata

domingo, 9 de outubro de 2016

O Jareto

Uma cortina enegrecida dividia a cozinha da enxerga. O ganhão levantava-se mais cedo que as galinhas. Era uma casita pequena, o reboco há muito tinha desaparecido, grossos pregos de caibro espetados na parede seguravam os poucos utensílios existentes. Um tacho esmaltado, a candeia, um púcaro, panela de barro, trempes… a panela de ferro ficava junto ao borralho, assim como um púcaro onde havia sempre café.
Ao levantar-se do catre, o ganhão vestiu as calças de burel, calçou as botas cardadas, tirou do bolso do colete a onça de tabaco, e o livro de papel; sacou uma mortalha, nela colocou um pouco de tabaco. Com os lábios humedeceu-a, enrolou-a e acendeu o cigarro. Deu uma fumaça, pigarreou, “para sair o catarro”; de seguida pegou na garrafa da aguardente e matou o bicho.
Tirou uma malga da cantareira onde migou pão e encheu-a de café que estava dentro do púcaro de barro. Sentou-se no tropeço, mastigava e fumava ao mesmo tempo.
O galo cantou no galinheiro da dona Cidália, a alva sonolenta dormitava ainda.
Foi à gaveta da mesa, cortou uma fatia de broa e um naco de queijo das ovelhas da Casa Conde e embrulhou-o numa folha de couve; do bolso do casaco de burel tirou uma bolsa onde meteu a pitança.
Nova fungadela, desceu as escadas com algum cuidado, algumas já acusam o peso dos anos. Tirou a tranca à porta, levantou a cravelha e saiu para a rua.
Elevou os olhos para o céu estrelado, não bulia uma palha. Àquela hora da manhã, o ar já era quente. Dirigiu-se ao cabanão onde se situava a abegoaria.
Ao passar em frente à igreja da Misericórdia, tirou o chapéu e cumprimentou o Senhor Santo Cristo:
-Bons dias, Senhor Santo Cristo, já cá vou.
Homem rude, simples, trabalhador, aquela era a sua reza, não recitava o pai-nosso; se calhar nem o sabia. Com a sua rusticidade e humildade, rezava mais que muito boa gente que passava o dia a debitar pai-nossos e ave-marias. Era a sua jaculatória.
-Bom dia, Senhor Santo Cristo.
No cabanão, subiu as escadas, trouxe uma faixa de caneirões, abriu a cancela e espalhou-os na manjedoura; fez umas festas à Amarela e à Malhada.
Enquanto comiam a ração, o ganhão preparou o carro, foi buscar o aguilhão, atou a lanterna a um fugueiro, enrolou um cigarro, colocou a canga às vacas, atrelou-as e saiu. A camisa fraldejava. Desceu a rua da Igreja, a jeira ficava longe, ia preparar a terra para semear milho basto.
A aurora tinha acabado de se levantar, aos poucos o sol inundava com sua luz toda a terra, em cima do carro ia a charrua e um calabre. À noite tinha que passar pelo corte e carregar uma carrada de pernadas para o forno.
Quando chegou, desatrelou as vacas do carro, engatou a charrua e começou a lavrar. As leivas faziam-se com uma certa dificuldade, o terreno tinha muita erva, com o aguilhão destorroava os montes de terra que se iam agarrando à charrua.
Entardecia, tirou a charrua às vacas, voltou a atrelar o carro, o corte ainda ficava longe; era noite quando chegou à porta do forno.
No cabanão, desatrelou o carro, acendeu a lanterna e levou as vacas ao chafariz; enquanto bebiam, matou a sede numa das bicas da fonte velha.
Àquela hora havia mais de uma dúzia de mulheres à espera de vez para encherem os cântaros.
Os animais continuavam bebendo. De repente, duas vacas engalfinharam-se e começaram a marrar, os ganhões aflitos tentavam com seus aguilhões separá-las, parecia que tinham o diabo no corpo. A certa altura, o chavelho de uma das vacas partiu-se, os ganhões finalmente conseguiram acalmar as alimárias. O sangue escorria, as pessoas que estavam sentadas nos cais e a encher seus cântaros fugiram, não ganharam para o susto.
O dono da vaca que tinha ficado sem o chifre, no outro dia de manhã foi ao posto fazer queixa. O ganhão foi notificado para se dirigir ao tribunal de Castelo Branco. Antes de entrar na sala de audiências, alguém lhe disse o que devia dizer quando estivesse a ser interrogado.
À hora marcada, apresentou-se rubicundo e a tremer, perante o magistrado:
-Conte lá o que se passou. - pediu o juiz.
-Senhor doutor juiz, as vacas estavam a beber água no chafariz, de repente começaram a marrar. Faz de conta que eu sou um boi, o senhor é outro boi, vamos os dois a marrar, eu parto-lhe um corno, que culpa tem o ganhão?
-Tirem este homem daqui!
E assim ganhou a contenda.
- Bom dia, Senhor Santo Cristo…


JMS

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Apresentação


E amanhã, sábado, no Lar de São Vicente
No dia 19, na Escola de Alcains
A 20, na Escola de São Vicente
E na Partida, estamos a combinar...

José Teodoro Prata

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Cantos de cegos

Vinham quase sempre pelas festas, feiras e romarias, mas também apareciam muitas vezes aos domingos, depois da missa. Um de chapéu estendido à generosidade do povo; o outro, ceguinho, a tocar e a cantar. E era uma animação, com a Praça ainda mais cheia a escutar aquelas cantigas que falavam de amores e desamores, traições, infidelidades e tantas outras situações costumeiras daqueles tempos. Eram muitas vezes relatos violentos que acabavam quase sempre com a morte de um, senão dos dois protagonistas da história.
Um dia compraram-me um folheto que falava de um rapaz que, por ciúmes, matou a namorada e foi preso. Já só me lembro do final:
                  
Ó Laurida, ó Laurinda
Ó Laurinda dum ladrão,
Se não fosses tão bonita
Não estava eu na prisão.

Naquele tempo, ainda uma criança, achava que o amor era assim, capaz de matar ou de querer morrer por alguém, qual Romeu e Julieta. E sonhava que era eu a heroína daquela história…

Há dias, estive no concerto de apresentação do disco “Cantos de cego da Galiza e Portugal” de Ariel Ninas e César Prata. Partilho a letra duma cantiga que acho das mais bonitas, mas também das mais “levezinhas”:

Florinda, vem à janela
Que eu quero falar contigo,
Se tu não vens à janela
Dou um tiro no ouvido.

Dou um tiro no ouvido
Dou um tiro no coração,
Ó minha mãe venha ver
O Mário morto no chão.

Que fizeste tu Florinda
Para se o Mário matar?
Eu pedi-lhe as minhas cartas
Para o namoro acabar.

No dia do funeral
Tudo foi a acompanhar,
Só a mãe da Florindinha
Ficou em casa a chorar.

Tira o luto, ó Florinda,
Que o luto não te diz bem,
Se quisesses bem ao Mário
Matavas-te a ti também.

Da janela do meu quarto
Vejo a pedra ensanguentada
Onde o Mário se matou
Por causa da namorada.

Da janela do meu quarto
Vejo as portas do cemitério
Onde o Mário está dormindo
O seu soninho eterno.


M. L. Ferreira