segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O Endireita da Paradanta

Naquele tempo, havia poucos médicos e o dinheiro para consultas e medicamentos ainda era menos, por isso os mais pobres não tinham outro remédio senão recorrer aos santos da sua devoção ou aos curiosos, para se tratarem de qualquer mazela de que padecessem. Havia-os por todo o lado e para quase tudo usavam benzeduras, rezas e mezinhas feitas com o que tinham à mão.
Para problemas de ossos, não havia como o Endireita da Paradanta. Tinha uma fama tão grande que era procurado até por gente que vinha de longe. Dizem que às vezes lhe chegavam à porta tolhidos das costas ou com pernas e braços que mal podiam mexer e saíam de lá como se não fosse nada com eles. Por modos, até os médicos lhe mandavam os doentes, quando já não se entendiam com os males de que se queixavam.
Mas, como em todo o lado, aqui nas nossas terras há muita gente que não pode ver uma camisa lavada a um pobre e havia quem tivesse inveja de alguns bocaditos de terra que ele ia comprando à custa do trabalho que fazia. Devem ter ido dar parte dele, que um dia a autoridade bateu-lhe à porta.
- Como é que vossemecê se chama?
- Por enquanto ainda sou João; João Faustino, senhor guarda.
- Então e é vossemecê que anda aí a fazer-se passar por doutor?
- Não senhor, senhor guarda, que não estudei para isso. Desde pequeno que sou ferreiro, que foi a arte que o meu pai me deixou.
- Não estudou p’ra doutor, mas até parece; que por modos não lhe falta freguesia à porta. 
- Olhe, senhor guarda, lá isso é verdade, mas os doutores fazem o serviço deles e eu faço o meu, que neste mundo há trabalho para todos. Mas sempre lhe digo que para levar os ossos ao lugar, não há pai p’ra mim.
- Ai ele é assim? Então já vamos a ver se é como vossemecê diz. Traga-me aí uma galinha.
- Trago até duas, que tenho um galinheiro cheio delas, bem gordas.
- Para o que é, basta uma!
O ti João foi à capoeira, apanhou a galinha mais gorda e entregou-a a um dos guardas. Nem quis crer quando o viu agarrar no animal pelas patas, pegar no bastão e quebrar-lhas pelo meio.  
- Agora é que vamos a ver se é como vossemecê diz! Pegue lá no bicho e ponha-o outra vez a andar, se for capaz.
O endireita agarrou no frango e, mexe daqui, puxa dali, roda dacolá, passado um bocado põe-no outra vez no chão. O animal, mal se viu à solta, ó pernas para que vos quero! Desatou a correr por ali fora e já ninguém o agarrou. Os guardas até ficaram aparvalhados.
- Sim senhora, por esta é que nós não estávamos à espera! Olhe, ti João, fique cá com Deus e governe a sua vida, que bem merece. Nós já levamos que contar.


M. L. Ferreira

domingo, 12 de fevereiro de 2017

O Dr. Nicolau Veloso

Estive a recapitular e já fiz duas publicações sobre o Nicolau Veloso. Mas numa coloquei um documento do de Távora e noutra do de Carvalho.
Hoje apresento documentos dos dois: o casamento do de Carvalho e o casamento de dois jovens de fora da Vila que trabalhavam no forno do Licenciado Nicolau Veloso de Távora. Era então um letrado, o que o coloca na primeira linha para ganhar nome de rua.
Outra questão são os fornos da Vila. Não havia fornos comunitários e as pessoas mais ricas tinham um forno, onde quem cozesse pão pagava uma percentagem da cozedura. O mesmo se passava nos moinhos e os lagares. Aliás, na Torre, todos os poderosos da região tinham um moinho, para ganhar com a correnteza das águas da Ocreza. O nome do pagamento variava do forno para o moinho (maquia) ou o lagar (poia), mas o valor não, era sempre um oitavo (1/8).
Agora imaginem este cenário muito próximo da realidade: um rendeiro colhia os cereais e a renda menor que poderia pagar era 1/8 (se colhesse 8 sacas, entregava uma). Depois moía o cereal, quinzenalmente ou de mês a mês, mas sempre que fosse ao moinho, que poderia ser do senhorio das terras que cultivava, deixava 1/8 da semente ou da farinha. De seguida ia ao forno de um senhor da vila, que poderia ser do dono das terras que trazia arrendadas, e entregava 1/8 do pão no final da cozedura. Não admira que se morresse tanto!



José Teodoro Prata

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Neve

Há neve um pouco por todo o país, mas entre o sopé da Gardunha e o da serra de São Mamede (Portalegre) não caiu nada. Daqui (Castelo Branco) vê-se o cabeço do Mastro todo branquinho, parece um lençol estendido lá do alto até à capela da Senhora da Orada.
A imagem abaixo apresentada é do site http://www1.hotelsamasafundao.com/index.php/galeria.
Não será deste nevão, mas é assim que estarão os altos da Gardunha.


A foto é do nevão de 2010, tirada pelo Jaime Gama.
Ontem o santuário estaria igual.

José Teodoro Prata

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O frete da farmácia

Todos os vicentinos do meu tempo e mais velhos quando lerem esta historieta vão recordá-la certamente, fez parte da nossa geração.
A vila naqueles tempos era uma pacata povoação rural. Havia meia dúzia de casas ricas que dominavam, os homens eram contratados à jorna. Se por ventura o tempo não estivesse capaz e não pudessem trabalhar não ganhavam nada e alguns ainda gastavam o pouco pecúlio que havia emborcando copos de vinho nas tabernas. Se por um acaso jornaleiro tivesse o azar de adoecer, não havia nada que o protegesse durante a doença; não trabalhava, não ganhava.
Tempos duros, difíceis; alguns pela manhã iam para a praça na esperança que alguém os contratasse para o duro trabalho diário
A vida quotidiana regia-se pelo badalar das horas e pelo toque do sino que chamava os fiéis à igreja. Todos os dias antes de o sol nascer, o vigário celebrava uma missa, o templo na penumbra; bruxuleando somente as velas do altar sacrificial, a igreja acolhia muitas dezenas de jornaleiros, artesãos, criadas, proprietários… assistiam à missa antes de começarem as tarefas diárias
Apesar da pacatez rural, as pessoas viviam felizes, naquele tempo não havia nenhuma habitação pobre ou rica que não estivesse habitada, as ruas fervilhavam de gente, a natalidade superava os óbitos. Na Rua do Beco existiam: um artesão, senhor Fernando latoeiro; uma barbearia, senhor José Craveiro; uma padaria, senhor José Matias; uma farmácia, senhor Segurado; um café, senhora Eulália; mais tarde da tia Tomásia; uma mercearia, senhor Joaquim “boas noites”, atualmente o proprietário é o Rui Pedro; duas tabernas, a do senhor João “arrebotes” e a da senhora Maria “viúva”.  
Para termos uma ideia da população residente, no ano de 1950, segundo os censos, residiam na freguesia 4.185 habitantes. A partir desse ano, a curva inverteu-se de tal maneira que, no último censo de 2011, os moradores em toda a freguesia eram 1.259 almas. Em 61 anos a freguesia perdeu 2.926 habitantes.
Se dividirmos este número por 61 anos, faleceram ou demandaram outras paragens 48 pessoas por ano. A manter-se esta tendência, daqui por vinte e seis anos não mora ninguém na freguesia. “O diabo seja cego, surdo e mudo”.
Se não existirem leis que estanquem esta hemorragia e invertam este estado de coisas, o interior transformar-se-á num enorme deserto e teremos outra vez de volta os senhores “condes”.
Deus permita que nunca aconteça uma coisa dessas, para que as nossas aldeias e vilas não desapareçam do mapa. Oxalá!
Não vou dar continuidade a este pensamento, porque não era nem é o cerne do meu escrito, foi somente uma bucha que meti no texto.
Assim, a estrada nova que hoje faz parte do perímetro urbano da vila, naqueles tempos ficava nos arrabaldes; existia somente uma casa junto à paragem das camionetas e que há muitos anos pertence à família do senhor João Ventura.
Naquela época a malta ia para a paragem esperar a camioneta da carreira da Auto Transportes do Fundão. Lourenço era o motorista, a carreira chegava às cinco horas da tarde à vila. Este autocarro todos os dias partia do Fundão, passava cerca das sete horas da manhã na vila e terminava o seu percurso em Castelo Branco. À tarde saía às quatro horas de Castelo Branco para terminar no Fundão, por volta das seis horas.
À farmácia chegavam pessoas de toda a freguesia, a fim de adquirirem os remédios que o doutor Alves receitava, para a cura dos seus males, alguns medicamentos certamente esgotavam ou havia necessidade de se repor o stock. Todos os dias a carreira trazia uma encomenda.
Um pouco antes das cinco horas, na paragem, começavam a aparecer cachopos na esperança de poderem apanhar o frete e entregá-lo na farmácia. Os mais pequenos raramente conseguiam tal intento, o que valia era o senhor Lourenço de vez em quando dar a encomenda a quem entendia. Só assim alguns de nós conseguíamos entregá-la na farmácia.
À força, aos grandes bastava darem-nos um encontrão e era uma vez o frete da farmácia.
Era assim que chamávamos à encomenda e sabem o porquê de tanta sofreguidão para a conseguir apanhar? O farmacêutico dava dez tostões a quem a entregasse.

J.M.S

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Migrações internas


Aos 19 de março de 1698, casaram Manuel Fernandes Pereira Pisoeiro e Maria Henriques, na Igreja Matriz de S. Vicente da Beira..
Ele de Moselos, freguesia de Campo, concelho de Viseu, e ela de São Miguel de Poiares, concelho de Vila Nova de Poiares (distrito de Coimbra).

Ele seria pisoeiro, a julgar pelo apelido que lhe acrescentaram ao nome. 
Nós tínhamos em São Vicente vários pisões nas margens da ribeira, pois éramos um centro de produção de tecidos com alguma importância. 
De um deles nos ficou o topónimo Chão do Pisão.
O pisão era um engenho em que se pisoavam os tecidos depois da tecelagem, a fim de os lavar e dar aperto às fibras. Também havia pisões que serviam para tingir os tecidos, após a tecelagem. Nos inícios deste século XVII, tínhamos em São Vicente um cristão-novo (descendente de judeus) que era tintureiro.

Há dias, reuni com a pessoa que trabalha numa plataforma genealógica, a quem envio os meus levantamentos de registos de batismos, casamentos e óbitos.
Dizia-me ele que fazer o levantamento da freguesia de São Vicente é fundamental, para estudar a genealogia da região a sul da Gardunha, pois foi via São Vicente que chegaram a esta zona muitas pessoas originárias do interior-centro entre o rios Zêzere e Douro (concelhos interiores dos bispados de Coimbra e Viseu), com destaque para os concelhos de Arganil, Góis, Oliveira do Hospital...
Parece que é uma região muito bonita e todos lá temos as nossas raízes. Temos de lá ir um dia destes!
Para melhor perceberem o que acima escrevi, deixo um exemplo:
Acabei ontem o levantamento dos registos de casamento de 1702. 
Foi um ano muito fértil (26 enlaces), em comparação com os anos anteriores (1700 - 4; 1701 - 8).
Dos 52 noivos, 32 eram originários da nossa freguesia (62%), 13 noivos vieram da região a que atrás me referi (25%) e 7 (13%) de outras terras (da Covilhã e Penamacor, passando por Vila Velha de Ródão, até Aldeia do Mato (Abrantes)).
Estranhamente, nenhum noivo veio das freguesias de Sobral de Campo, Almaceda, Castelejo e Souto da Casa. Por duas razões: por mero acaso e porque o casamento com estes nossos vizinhos iria ganhando importância com o desenrolar do século XVIII e sobretudo no século XIX.
As migrações para São Vicente da Beira já foram estudadas pela nossa Maria João Guardado Moreira e a sua amiga Helena Diogo, no estudo Migrações Internas para S. Vicente da Beira no século XVIII, publicado nas Comunicações das I Jornadas de História Regional do Distrito de Castelo Branco, obra que se encontra esgotada.
José Teodoro Prata

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Coronel e Zé Canhoto

Reconquista, 19 de janeiro de 2017

José Teodoro Prata

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017