domingo, 30 de abril de 2017

1.º de Maio


A imagem não tem qualidade, mas, pela foto de Mário Soares a chegar de Paris e pelo subtítulo, 
a notícia será de um dos dias entre 25 de Abril e 1 de Maio.
No 1.º de Maio comemoram-se as lutas pela jornada 8 horas de trabalho, 
iniciadas em Chicago e duramente reprimidas.
Em Portugal, essa conquista só chegou depois do 25 de Abril, assim como o feriado.
Para se ter uma ideia da situação do mundo do trabalho, num país com o catolicismo como religião oficial do Estado, foi necessário chegarem ao poder os "hereges" republicanos (1.º República, 1910-1826), para que os trabalhadores conseguissem o direito ao descanso semanal (ao domingo).
Por isso, o feriado do 1.º de Maio encerrada uma simbologia muito forte!
E por isso não irei às compras amanhã, seria uma falta de respeito pelos trabalhadores que iria encontrar. Já basta a sofreguidão com que as entidades patronais tentam desregular a vida familiar dos seus empregados, não é preciso que eu alinhe.

Depois de Abril, lembro-me que colaborei nas comemorações do 1.º de Maio, em São Vicente: jogo de futebol e convívio entre solteiros e casados.
Essas comemorações mantiveram-se no Clube dutrante anos. 
Nunca lá pus os pés, pois para o meu pai o feriado era a altura ideal (tal com o do 25 de Abril) para fazer as lavras e as sementeiras no Ribeiro de Dom Bento e na Horta de Estêvão.
Nos anos em que estive no Clube, ajudava a organizar as coisas, 
mas depois ficava-me pelos restos (os sons) que chegavam às Quintas.
Naquela altura ficava revoltado, mas agora, sempre que é Abril ou Maio, apetece-me ir para lá.
Foi o que fiz este ano no 25 de Abril, mas amanhã não, vou com amigos a Malpica, lembrar o Zeca Afonso.


Catarina Euifémia foi assassinada numa greve pela jornada das 8 horas.

José Teodoro Prata

sábado, 29 de abril de 2017

Maio, Maduro Maio


Na segunda, dia 1.º de Maio, voltaremos a Malpica do Tejo, para ouvir João Afonso e Francisco Fanhais, na festa anual a José Afonso.
José Teodoro Prata

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Liberdade

As manas viviam em Lisboa, tinham vivido a revolução do 25 de Abril e vinham cheias de ideias revolucionárias. O povo enfim livre, dava liberdade ao pensamento e eufórico, enchia as paredes de frases revolucionárias. Elas tinham vindo às festas do Verão.
Nessa altura, as casas eram caiadas e viviam-se as festas com tudo a que se tinha direito: as cerimónias religiosas, a música todo o dia e os concertos de bandas ou artistas, na praça à noite, as barraquinhas cheias de novidades e a verbena com muito artigo para leiloar, o fogo de artifício, os bombos e a alvorada bem forte, na madrugada no dia do Senhor Santo Cristo.
Durante os dias da festa, havia rancho melhorado: matava-se o borrego ou o cabrito que tinha sido criado para esse fim. As famílias recebiam os entes queridos que viviam fora e confraternizava-se.
Também na Tapada, a casa foi caiada de alto abaixo. Sobrou alguma cal. Então as manas lembraram-se de imitar os revolucionários e toca de começar a escrever na parede de trás da casa, que dava para a quelha e na parte lateral, ainda rebocada a cimento tais como:
“Independência da Tapada D. Úrsula”, “ Viva o 25 de Abril”, “PCP” com a foice e o martelo, “Spínola Traidor” e “Nacionalização dos Figos do Padre Velho” - havia e ainda existe uma figueira que dá figos brancos pingo de mel que estava num terreno que era do Padre Tomás, mesmo a cair para a quelha. Os figos eram sempre comidos por nós e por quem passava. Mas, naquele ano, alguém se lembrou de comprar os figos, para poder ter exclusividade na apanha dos mesmos, o que nos causou um grande constrangimento e revolta.
Quando o nosso pai chegou a casa, ficou abismado e arreliado com o nosso atrevimento. Um homem honrado, assim como a família, a ser comentado pelas bocas dos vizinhos? O que é que as pessoas haviam de pensar de tudo aquilo? Então não esteve com meias medidas. Era preciso apagar tudo ou não haveria festa para ninguém. Ficámos aflitas. Tínhamos de caiar as paredes todas para apagar tudo, mas não havia mais cal. Era sábado à tarde e as lojas já tinham fechado. No domingo, ninguém saiu de casa. Mas na segunda-feira, dia mais rijo das festas, as lojas abriam de manhã. Era preciso ir comprar mais cal e ficou decidido que iria eu. Todo o caminho fui apreensiva. Entrei na loja do sr. Joaquim Boas-Noites e envergonhada pedi a cal, sempre a pensar o que é que o homem havia de achar de andar a caiar num dia santo como aquele.
Mas o sr. Joaquim Boas-Noites, homem solícito e de poucas falas, lá foi buscar a cal sem comentários. Quando cheguei a casa fomos caiar as paredes, mas a cal estava fraca e não ficou um trabalho exemplar, pois ainda se ficou a perceber o que estava escrito por baixo, durante muitos anos e até há bem pouco tempo, agora que a minha irmã já recuperou a casa.

Tina Teodoro

terça-feira, 25 de abril de 2017

25 de ABRIL

No verão de 1974, fui com uns amigos acampar para a serra da Estrela, no final do ano letivo. Nesse tempo fazia-se campismo na Nave de Santo António. Até lá existia uma capela onde se dizia missa nos domingos. Mas além de uns chuveiros e umas torneiras, não havia mais nada. Era campismo selvagem, como agora se diz, mas a Nave ficava cheia de gente, talvez milhares.
À noite, fomos surpreendidos por magotes de gente que percorria o acampamento a cantar esta canção. De facto, ela resumia tantos anos de luta e sacrifícios dos operários da zona da Covilhã! 



Não era esta que eu procurava, mas achei-a e não resisti, é um portento!
Poema e voz de Manuel da Fonseca, cantada por Vitorino.
Atentem bem na letra.
Um hino aos desprezados de todos os tempos!



José Teodoro Prata

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Moinho de mão

Penso que no passado lhe chamávamos atafona.
O grão do cereal colocava-se no buraco do centro e os orifícios laterais serviam para encaixar algo em que se pegava para mover, à mão, a mó de cima, chamada galga. A farinha saía pelo buraco lateral, à direita.
O sr. Zé Ar (José Duarte?) contou-me um dia que havia uma atafona (chamou-lhe zangarra) na casa onde morava, na Rua da Costa. Já lá estava quando ele comprou a casa.
No século XVIII, existiam duas atafonas em Tinalhas, uma na Rua do Cabo e outra na Praça. Talvez fossem maiores e por isso movidas por animais.
Esta encontrei-a, no Restaurante O Lagar, no Estreito da Câmara de Lobos, Madeira. Mas nas nossas terras haveria muitas, utilizadas ainda nos inícios do século XX.

José Teodoro Prata

sábado, 22 de abril de 2017

Alcunhas 2

Já lai vai mais de um ano que o Zé Barroso publicou aqui no blogue um artigo com as alcunhas usadas na nossa terra. A lista foi sendo completada por vários colaboradores e, no final, já tinha mais de trezentas.
Uma das perguntas que se colocou na altura foi o que fazer a seguir. Parece que não se chegou a nenhum consenso, mas penso que era interessante escrever-se uma pequena história sobre a origem de cada uma. Algumas são tão óbvias que pouco há a dizer; outras perderam-se no tempo e já ninguém se lembrará da sua origem; mas muitas terão por trás episódios interessantes e engraçados.  
Acho que vale a pena tentarmos. Para já, aqui fica a minha colaboração, incluindo também algumas alcunhas da Partida que acho deliciosas:

O Mil Homens
Quando andava na escola todos me chamavam a Mil Homens. Eu ficava muito envergonhada porque achava que era um nome muito feio.
Só mais tarde é que fiquei a saber a origem daquela alcunha e a partir daí senti sempre um orgulho muito grande nela: O meu avô andou na Guerra e quando regressou foi recebido como um herói; mas vinha tão traumatizado que não conseguia falar noutra coisa que não fosse naquilo que por lá passou. Todas as conversas iam dar ao mesmo: as muitas tropas do seu batalhão; os muitos homens nas trincheiras; os muitos mortos pelo chão. Referia-se sempre a eles utilizando a expressão «Mais de mil homens!» um número que ele, analfabeto, achava ser o maior para definir todas as atrocidades que por lá viu e dificuldades que passou. Por causa disto puseram-lhe o Mil Homens e, a partir daí, toda a família ficou conhecida por essa alcunha, até hoje.

O Quinta Casa
Antigamente também não havia grandes farturas na Partida, mas quase toda a gente tinha um bocadinho de terra para tratar uma horta. E havia por cá até algumas casas ricas, com bons lameiros, olivais, terras de pasto e de pinhal que chegavam para eles, para vender e davam trabalho a muita gente.
Um dia o Ti Manuel Lopes pôs-se a deitar contas ao que cada um tinha e, lá para com os seus botões, ia sentenciando qual era a casa mais rica, e a que vinha a seguir, e por aí fora até chegar à dele que, pelas suas contas, estava em quinto lugar. Começou então a gabar-se, para quem o queria ouvir, que a quinta casa maior da Partida era a dele.
A partir daí todos começaram a chamar-lhe o Quinta Casa.

O Conde Caniço
Também tinha muito de seu, o Ti Domingos Nunes. Entre as várias propriedades que possuía, também era dele o Caniço, uma das melhores terras da Partida. Tinha tanto orgulho naquela propriedade que não se calava: «O meu Caniço é a melhor terra que aí há. Nem o conde!».
Tanta vez repetiu aquilo que começaram a chamar-lhe o Conde Caniço.

O Mata Nosso Senhor
Morava no Casal, o João Teodoro. Um dia deu-lhe a preguiça e atrasou-se para vir para a escola. Com medo de apanhar alguma reguada veio o caminho todo a correr até à Vila. Quando chegou à Praça e viu que já toda a gente tinha entrado, correu tanto que até parecia que vinham atrás dele.
Nesse dia o Ti António Mosca andava a podar as olaias e quando o viu naquela pressa, para brincar com ele, desatou a berrar lá de cima da escada: «Agarrem-no! Agarrem-no que foi ele que matou o Nosso Senhor!».
O cachopinho desatou a correr ainda mais e a partir desse dia toda a gente começou a chamar-lhe o Mata Nosso Senhor.

O Nita
Morreu cedo, a mulher do Ti Francisco Candeias, e quem lhe valeu para o ajudar a criar os três filhos, todos ainda crianças, foi a Ti Rita do Manha, tia dos meninos por parte da mãe.
O João, que era o do meio, não saía da casa da tia que o tratava como a um filho e ele também se afeiçoou muito a ela. Mas, como era ainda pequeno e tinha dificuldade em falar, não conseguia dizer o nome dela e, em vez de Rita, chamava-lhe Nita. Foi daí que começaram a chamar-lhe o João Nita.

O Caneco
Era ainda criança e a mãe já o mandava a levar o jantar ao pai quando andava por dia. Uma vez passou por um homem que viu que ele ia todo derreado com a cesta e disse-lhe assim:
- Ó cachopo, olha que tu endireita-me bem a cesta, que ainda entornas o jantar ao teu pai!
- Não entorno não senhor, que hoje até cá levo um caneco de vinho!
Foi quanto bastou para começarem a chamar-lhe o Emílio Caneco…

M. L. Ferreira

quarta-feira, 19 de abril de 2017

O guião do amor

MORTE MATRIS

Disseram-me que faleceste,
Mãe!
Venho pela estrada, veloz,
Anseio fútil.
Coração a saltar do peito,
Com uma súplica nos lábios,
Prece inútil!
Já estás, inerte, deitada no teu leito
E não proferes qualquer palavra,
Quando tanto precisava,
Nesta minha angustiada hora!
Ao despedir-me de ti, da última vez,
Ainda te vi o sorriso e a luz branca do olhar!
E, decerto, ainda me iludo agora,
Pois pareces tão calma e serena!
Porém, como o rigor dessa quietude
Te roubou a suavidade
Da frágil linha da tua face amena.
Estás tão terrificamente imóvel,
Mãe!
Que te fez a realidade severa da morte,
Que te tornou o traço imperturbável
E o rosto tão estranho e reto?!
Ainda estás aqui comigo e já não te conheço,
Porque não mostras mais o jeito amável
Do antigo afeto.
Como vou eu suportar a vida
Desta punição profunda, perpétua, dura
E o sofrimento que tu me deixas,
Com esta ferida,
Sem o bálsamo da tua ternura?
No entanto,
Sei que me podes ouvir no etéreo ignoto,
Aos viventes não permitido.
Percebo que estás aí,
E, todavia, não sei em que lugar!
Mas pressinto-te!
Espera, dá-me a tua mão,
Ensina-me a andar,
Porque não sei o caminho.
Sim, guia-me pela estrada,
Como a ave ensina os filhos a voar ao sair do ninho.
Sempre o fizeste, como ninguém,
Com abnegação, trabalhos e dor!
Assim! Vês?!
A Morte não pode mais que o Amor,
Mãe!

Joaquim Benedito