quinta-feira, 15 de junho de 2017

À nossa porta


O Boletim Oficial do Estado espanhol, correspondente do Diário da República português, publica esta sexta-feira as autorizações para dilatar os prazos de renovação das licenças de exploração das centrais nucleares de Almaraz (Estremadura espanhola) e Vandellós II (Tarragona).
No que diz respeito a Almaraz, unidade que se situa a cerca de 100 km de Portugal, numa das margens do rio Tejo, o limite da licença de exploração mantém-se até 8 de junho de 2020, mas o prazo para pedir a sua renovação é aumentado.
(...) as centrais terão de solicitar a renovação da licença, o mais tardar, no momento em que cada uma delas apresente a sua Revisão Periódica de Segurança, até mais ou menos um ano antes da expiração das autorizações de exploração vigentes, que no caso de Almaraz é 8 de junho de 2020
Vários grupos de defesa do ambiente em Portugal e Espanha têm contestado a construção de um aterro de resíduos nucleares em Almaraz assim como a continuação do período de vida da central para além do termo da autorização em vigor que caduca em 8 de junho de 2020.

Quando a crise chegou e muitos imigrantes voltaram aos seus países de origem, um aluno meu disse-me que a sua família nunca voltaria, porque o pai era originário da região de Chernobil, Ucrânia, e no acidente da central nuclear perdeu muitos familiares e amigos. Nunca mais se soube deles.
Penso que, no caso de Almaraz, cujo prazo de validade termina em 2020, andamos a assobiar para o lado. O prolongamento do prazo de funcionamento, sem garantias de segurança, pode significar o fim do mundo em que vivemos (a região de Chernobil foi completamente evacuada e nos arredores as pessoas sofreram e sofrem de múltiplos cancros - no youtube há vídeos elucidativos). 
Por outro lado, não sejamos hipócritas, parte da eletricidade que consumimos vem de Almaraz. Mas urgem alternativas limpas.

José Teodoro Prata

terça-feira, 13 de junho de 2017

Morreu Alípio de Freitas

Foi padre português, revolucionário brasileiro, cooperante em Moçambique. Privou com os grandes do mundo em Moscovo e partilhou a sorte dos camponeses no sertão nordestino. Preso, torturado, libertado, voltou a Portugal e foi jornalista da RTP. Morreu hoje, aos 88 anos de idade.

Alípio Cristiano de Freitas nasceu em 1929, em Trás-os-Montes. Ordenado padre em 1952, desde logo quis viver junto das comunidades a quem se dirigia. Instalou-se primeiro junto dos camponeses pobres na Serra de Montesinho.
Foi depois para o Brasil, a convite do arcebispo do Maranhão. Deu aulas na universidade e fundou uma paróquia. Queria ser entendido e recusou dizer missa em latim. Disse-a depois em português, desafiando uma Igreja que ainda tinha por fazer o aggiornamentodo Concílio Vaticano II.
Mas a mensagem nada valia sem a ação: Alípio de Freitas empenhou-se em organizar a criação de uma escola e de um posto médico. Envolveu-se na luta política e apoiou a candidatura de Miguel Arraes ao governo do Estado de Pernambuco, numa ampla coligação de comunistas, trabalhistas e social-democratas. Essa ousadia valeu-lhe um primeiro sequestro por um grupo paramilitar e detenção durante mais de um mês à ordem do Exército.
A detenção não o intimidou, antes acresceu a sua determinação. Naturalizou-se brasileiro e, ao lado de Francisco Julião, tornou-se co-fundador das Ligas Camponesas. Organizou a ocupação de latifúndios no que era um sinal precursor do atual Movimento dos Sem Terra.
O dirigente bloquista Alberto Matos, que militou com Alípio na fase final da vida deste, recordou recentemente a indignação que ecoava ainda na voz do amigo, várias décadas depois, sobre os pistoleiros pagos pela oligarquia terratenente para matarem camponeses pobres, que queriam terra para dar de comer aos filhos.
Depois de ter enterrado vários desses pacíficos ocupantes de terras, Alípio cada vez mais se foi decidindo a organizar a autodefesa do movimento: pistoleiros e mandantes deveriam doravante recear as consequências dos seus crimes. Viria a ser citado anos mais tarde com o apelo: "Trabalhadores, ontem vos ensinei a rezar e hoje aqui estou para ensinar-vos a pegar em armas e lutar".
Com o golpe militar de 1964, o ex-padre partiu para Cuba, onde recebeu instrução de guerrilha. Antes, em 1962, estivera na URSS, para participar no Congresso Mundial da Paz. Aí conheceu o dirigente soviético Nikita Kruchev, o poeta chileno Pablo Neruda e a lendária dirigente espanhola Dolores Ibarruri.
Na clandestinidade, foi dirigente do Partido Revolucionário dos Trabalhadores. Em maio de 1970 foi capturado e sujeito a intensa tortura. Recusou sempre prestar declarações e apenas deve a vida à ampla campanha de solidariedade internacional de que foi alvo. Nessa campanha se inscreve a canção que lhe dedicou Zeca Afonso, no álbum Com as Minhas Tamanquinhas.


Libertado em 1979, após várias intervenções da diplomacia portuguesa, foi viver para Moçambique, e pôs a sua experiência nas Ligas Camponesas ao serviço da reforma agrária no novo país lusófono. Foi alvo de um atentado dos serviços secretos sul-africanos, que, por engano, vitimou um companheiro da mesma cooperativa onde trabalhava.
Regressou a Portugal ainda na década de 1980, tendo trabalhado na RTP até 1994. Foi co-autor de vários programas (“Fim de Semana”, com Mário Zambujal, Carlos Pinto Coelho e José Nuno Martins, “À procura do socialismo”, com Mário Lindolfo). Foi também eleito para a Comissão de Trabalhadores da RTP. A actual CT fez-se representar ao lado de centenas de pessoas, algumas delas trabalhadores da RTP, numa homenagem a Alípio de Freitas, em janeiro de 2017, recordando esse seu mandato precursor.
Embora tivesse perdido completamente a visão nos últimos anos, Alípio de Freitas continuava a ser uma presença constante, sempre guiado pela sua companheira Guadalupe, em movimentos de solidariedade internacional ou de protesto cívico. Ainda há poucos dias, recém-saído de um internamento hospitalar, interveio de forma marcante numa cerimónia realizada no Museu do Aljube.
O velório de Alípio de Freitas tem lugar hoje, terça-feira, a partir das 18 horas, na Basílica da Estrela. O funeral realiza-se amanhã, quarta-feira, para o cemitério do Alvito, Alentejo, onde viveu uma parte dos seus últimos anos.
Jornal PÚBLICO

José Teodoro Prata

Jerónimo

Ao contrário do que eu a certa altura conclui e aqui escrevi, o apelido familiar Jerónimo não vem do Jerónimo Duarte, filho do Fraga, que casou no Casal do Pisco. E consequentemente os Jerónimo não são os descendentes diretos dos Fraga (são os Teodoro).
A sua origem é a que se segue. Destes até à atualidade mediaram poucas gerações. Prometera a alguns parentes acabar esta genealogia, mas falta-me parte da atualidade, sobretudo o ramo do Zé Eletricista, Luís Jerónimo(Revelho)...

O documento regista o batismo de António, filho de Jerónimo Lopes e Antónia do Carmo, em 1822.

Aproveito para dar notíca de mais uma etapa da vida do ator Albano Jerónimo.


José Teodoro Prata

domingo, 11 de junho de 2017

Fé, ateísmo e proselitismo

Na sequência do texto sobre Fátima que há pouco tempo assinei neste blog, escrevo agora este outro, que pouco tem a ver com o primeiro. De alguma forma, porém, é, para mim, um aditamento clarificador. Mas, antes, duas advertências.
A primeira para dizer que respeito todos os que pensam de maneira diferente da minha. Este texto é, eventualmente, apenas, para confrontar ideias. E serviu de base para responder, noutra instância, a um amigo meu, que bastante prezo e que se assume como ateu (1).
A segunda, para pedir desculpa a muitos dos leitores que, certamente, acharão estes temas uma grande maçada! E com alguma razão! Mas, enfim, são poucas as vezes que aqui aparecem coisas destas. E acontece que sempre me inquietei com elas! Vá lá saber-se porquê! Ou talvez se saiba!...
Diz esse meu amigo, em consonância com as ideias que abraçou, que Deus não existe! Para se escorar nessa difícil posição (na verdade, o grau de dificuldade para provar que Deus existe ou que não existe, é o mesmo!), recorre, esse meu amigo, a argumentos de autores de vários quadrantes e sensibilidades. Todos próximos, porém, da sua orientação doutrinária. Entre eles, alguns que afirmam que os crentes são mesmo uma espécie de loucos! Mais comezinhamente, mas com idêntico conteúdo, li recentemente, algures numa revista, que Lúcia, uma das chamadas videntes de Fátima era uma doente mental.
Afirma ainda esse meu amigo que quer que o deixem em paz com todas essas embrulhadas da religião! Quer viver livre de todas as pressões e confusões do proselitismo (2), que os apaniguados das várias religiões têm cultivado ao longo dos séculos, para converter descrentes e pagãos. E tem esse direito!
Vamos ver se nos entendemos.
Apenas por via da razão e da lógica – instrumentos do nosso conhecimento – é claro que não se prova a existência de Deus. Pela mesma ordem de pensamento, não se comprova a Sua não existência. É mais ou menos o que afirma o agnosticismo (3) que diz, justamente, que Deus não pode ser conhecido porque – como Ser Absoluto - não é suscetível de ser sujeito a uma análise racional.   
Ora, é certo que a razão e a lógica são as bases da ciência, que constitui todo o património do nosso saber (conhecimento objetivo). Quer dizer, que pode ser explicado e que todos podem constatar. Mas já não são a origem de todo o conhecimento humano, mais vasto (conhecimento subjetivo). Isto é, aquele conhecimento que apenas cada um nós apreende, por si mesmo, que adquire pelas suas vivências e experiências ao longo das mais variadas situações da vida!
Ademais, sabemos que a ciência, que tanto fascina alguns e, na qual se reconhecem, efetivamente, enormes avanços, é, apesar disso, tão pequena que não nos dá as respostas mais óbvias aos nossos naturais e, por isso, tão expectáveis anseios.
Mas também é certo que quem se manifesta apenas pela fé, menosprezando, totalmente, a razão, pode cair na crendice. Veja-se a religiosidade popular, que, todavia, deve ser respeitada, se não for por adesão de opinião, que seja, ao menos, pela sinceridade das pessoas. É o que acontece em fenómenos como o de Fátima.
Igualmente, aqueles mesmos que atuam unicamente pela fé, podem também tornar-se doentes fanáticos. Pense-se, neste caso, nos que andam a cometer atos de terrorismo, matando dezenas de inocentes ou imagine-se o tempo da inquisição católica.
Por estas e por outras, como já se disse, alguns autores veem os crentes como loucos! Mas a fé é a única forma de respondermos às nossas grandes inquietações. O que carece é de ser esclarecida pela razão. Fé e razão, são, pois, dois elementos que fazem parte da nossa vida psíquica e não podem dissociar-se no ser humano.
A fé, tal como os amores, os ódios e tudo o que são emoções, faz parte do domínio do nosso irracional! Por sua vez, a razão, a lógica, o pensamento e os atos em geral, que usamos para governo da nossa vida, fazem parte do nosso racional! 
Receio, por isso, ter que dizer que ateus, agnósticos e descrentes em geral, também têm a sua fé! Pois, espero que, se nada lhes faltar, tenham também eles, como todos nós, a sua dimensão irracional! Se não têm fé em Deus, têm-na noutras coisas, entidades ou pessoas. E, se não em Deus, porque não O veem, manifestam-na nas suas paixões e arrebatamentos, em muitas situações da vida. Estados psíquicos esses, que eles também não conseguem clarificar! Portanto, sendo a fé a adesão ao que se considera absolutamente verdadeiro, logo, irracional, não pode, por isso mesmo, ser explicitada. Tal como os ateus e agnósticos (e todas as pessoas, afinal) não podem explicar a exaltação pela música do seu cantor preferido ou pelo seu clube de futebol! Têm apenas essa vivência! É como muitas vezes se diz de certo estado de alma: vive-se e pronto! Da mesma forma, a fé só pode ser experimentada pelo próprio.
E é, por consequência, a única forma de se poder chegar a uma outra verdade que não a científica, ainda que seja, por isso mesmo, uma verdade subjetiva. Mas que não deixa de ser uma verdade tendencialmente absoluta, ainda que válida apenas para quem a vive! Para essa pessoa essa é a sua verdade. 
Só para dar mais dois exemplos: como é que ateus e agnósticos (falo só deles, mas todos nós sabemos que assim é), podem explica o Amor (assim mesmo, com maiúscula) por uma mulher ou por um filho?! Eles bem sabem que não podem! Porque esses afetos, não só não têm valor económico, como não têm dimensão de qualquer outra natureza, que se possa dizer mensurável! Sabe-se apenas que tais vivências se aproximam do absoluto e, sendo assim, são tendencialmente impossíveis de entender. No entanto, existem e são bem reais!
Como se vê, todos possuímos a nossa face irracional! Por isso, quanto a saber quem são os loucos, como dizem certos autores, não é necessário pôr mais na carta, porque estamos conversados!
Os ateus, agnósticos e descrentes, quando se interrogam sobre o seu destino último, tomam uma atitude de conformismo ou de revolta perante a finitude física. Entretanto, vão admirando as maravilhas da ciência, mesmo sabendo da sua precaridade – como, debalde, fizeram todos os Cientismos. Ora, sendo a ciência passível de uma demonstração objetiva, acontece que os crentes, mesmo com uma pontinha de loucura (afinal, como todos os outros), também a compreendem. E ambos, crentes e não crentes, sabem, perfeitamente, que ela, sendo embora importante, não passa de uma verdade relativa. Mas só os segundos parece conformarem-se com esse relativismo e contentarem-se com essa meia verdade!
Relativamente ao proselitismo de que se queixa o tal meu amigo (pelo menos no que concerne ao Catolicismo), diz o Código de Direito Canónico, Cân. 748, § 2: “A ninguém é lícito coagir os homens a abraçar a fé católica contra a sua consciência.”. Também aqui, estamos conversados! 

Notas:
(1) Ateísmo: doutrina que nega a existência de Deus.
(2) Proselitismo: atividade que tem por missão angariar adeptos para determinada religião, partido, etc.
(3) Agnosticismo: doutrina que declara que a existência de Deus não é acessível ao espírito humano, por não ser passível de análise racional.


José Barroso

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Sede da Liga dos Amigos de SVB

Casa/sede da Liga dos Amigo de São Vicente da Beira 
Em Lisboa, no Bairro da Bica, Rua Marechal Saldanha, 28
 Início: 1973/1974

Jaime da Gama

terça-feira, 6 de junho de 2017

Histórias do meu pai

Quando o meu pai era pequeno o meu avô trabalhava na casa de uma das famílias mais ricas cá da terra e por isso era onde a professora ficava hospedada. Nessa altura o meu pai ainda não tinha idade para entrar para a escola, mas a mãe foi pedir à filha do patrão que falasse à professora a ver se o deixava entrar, só para o tirar da rua. A professora disse que sim, que podia ir, mas que levasse um banquinho de casa, que não tinha onde o sentar. E assim foi. Arranjaram um banco e o menino passava o dia sentado ao lado da secretária da professora, com a pedra no colo, e lá ia fazendo uns riscos com o ponteiro, a imitar as letras e os números que a professora fazia no quadro para os outros copiarem.
Mas aquilo era um inferno para o cachopinho, avesado a andar a correr pelas ruas ou a apanhar peixes na ribeira. Sempre que ouvia os chocalhos dos rebanhos a passar no caminho, ao pé da escola, e os pastores atrás, a assobiar, ficava numa tristeza tão grande que só visto. Mas ficava calado e assobiava baixinho, só para ele, a sonhar com o dia em que também pudesse ter um rebanho de cabras e andar por lá o dia todo com elas. Uma vez chegou a casa a chorar e voltou-se para a mãe:
            - Também não sei porque é que eu nasci tão desgraçadinho e os outros cachopos são tão felizes!
            - Porque é que dizes uma coisa dessas, filho?
            - Então não vejo os outros atrás das cabras, e eu ali o dia todo, assentado num banco a olhar p’ó cu da professora?

Mal fez o exame da 4ª classe começou logo a trabalhar como os da idade dele: à frente das vacas, atrás das cabras, a colher azeitona ou aos molhos de mato e de lenha. Era o que havia para fazer, e às vezes nem havia domingos nem dias santos. Havia alturas que já andava tão farto daquela vida que até sentia saudades dos tempos que passou sentado no banquinho ao lado da professora. Um dia, ainda bem cedo, chegou a casa todo derreado debaixo de um molho de mato que tinha ido roçar lá para uma lonjura que só visto. Antes de o traçar e fazer a cama ao porco foi beber o café, que ainda estava em jejum. Nisto, a mãe ouve-o a lamuriar-se:
            - Sou um desgraçadinho! Os meus primos ceguinhos é que são felizes, que nem têm que ir ao mato nem à lenha. Quem me dera ser com’ a eles!
A mãe nem queria crer no que estava a ouvir:
- Benza-te Deus, filho! Tu nem digas ma coisa dessas que o Nosso Senhor ainda te castiga!
- Digo pois, que s’ eu fosse ceguinho com’ a eles ainda estava na cama a estas horas…

Sempre gostou muito de cagarrapos. O dia em que enchiam as farinheiras, por alturas da matação, era uma festa. À ceia eram sempre dois ou três, ainda quentinhos, com um naco de pão por cima da sopa.
Uma vez, quando se levantou da cama, no dia a seguir, foi a correr chamar a mãe:
 - Eh mãe, venha cá aqui à cozinha, que está uma farinheira caída no meio do chão!
 - Deixa lá! É da maneira que já temos conduto p’rá noite!
O pior é que, durante quase uma semana, todas a manhãs aparecia uma farinheira caída por baixo do fumeiro.
- Rais parta o diabo, qu’inté parece que m’ imbruxaram as farinheiras! - Lamentava-se já a mãe.
- Anda pr’aí mistério; ai anda, anda… - Respondia o filho, ansioso que chegasse a ceia.
Mas um dia a mãe, estranhando que se andasse a levantar da cama primeiro que todos, foi espreitá-lo e descobriu que era ele que andava a afrouxar os nós das baraças das farinheiras.  


Um ano, já era pastor sozinho, começaram a usar-se as camisas de meia manga. Havia cá na terra uns rapazes do ano dele que tinham uma tia em Lisboa e que, pela festa do Santiago, trouxe uma dessas camisas da moda para cada um deles.
            No dia da festa, quando viu os amigos com as camisas novas, não tirava os olhos delas, de tão lindas que as achava. À noite moeu o juízo à mãe:  
            - Sou um desgraçadinho que nem tenho uma camisa de manga curta, com’os outros cachopos! Corte-me lá as mangas a esta aqui.
            - Tu vê se tomas tino e não m’atentes o juízo! E depois no inverno, com’ é que fazes? Apegas outra vez as mangas à camisa?
            Calou-se. Quando foi ao outro dia, que saiu com as cabras, levou um podão bem afiado e, mal chegou lá a um certo sítio, despiu a camisa, pôs as mangas em cima dum cepo e cortou-as pelo meio. Passou o dia numa ânsia, a ver quando é que o Sol descia para arrecadar o gado na corte. Mal entrou em casa e a mãe encarou com ele, ia caindo o Carmo e a Trindade; mas ele, bem ralado! Engoliu a ceia à pressa e saiu porta fora com as mãos nos bolsos, a assobiar, todo inchado, para que todos lhe pudessem ver bem a camisa de manga curta.

Era assim, o meu pai! E o que a gente se divertia a ouvi-lo contar estas histórias à roda do lume…

M. L. Ferreira

domingo, 4 de junho de 2017

Boletim agrícola, junho de 2017


Cabras
Esta cabrada é a do Luís Prata filho.  
A novidade em relação à minha última notícia sobre rebanhos de cabras é que este já aproveita o leite, em termos comerciais. 
De 3 em 3 dias, vem um camião-cisterna da serra da Estrela (Seia ou Gouveia?),
 buscar o leite deste e de outros rebanhos de cabras da zona.


Javalis
São coisa que não falta por aqui. Andam escondidos, mas adivinham-se pelos estragos. 
Esta era uma cerejeira enxertada que daria os primeiro frutos no próximo ano. 
Mesmo sem frutos... mas eles são brutos!



Cerejas
Este ano o tempo foi melhor e o frio do início da primavera apenas impediu uma minoria de dar frutos: algumas cerejeiras e ameixeiras.
É novamente um bom ano para as peras, mas no ano passado os javalis patiram-me as pereiras todas, à procura dos frutos ainda verdes. O resto irá este ano.
Há amendoeiras carregadas!


Pesticidas
Não mos vendem, nem tenho tempo para tirar um curso de 30 horas; por outro lado, já sei o suficiente para não os querer usar.
Tenho andado a testar este pesticida biológico. Experimentei nas tânjaras, no outono, e agora nas cerejas. 
Está aprovado. Não mata tudo, mas também eu escapo!
Cada frasco custa perto de 5 euros. Os outros custam isso ou menos, mas dão para muito mais. Em resumo: já gastei cerca de 20 euros nas cerejas e dos outros teria gasto 5 euros.
Mas vale a pena, nem que custasse o dobro...

Entretanto, devido aos pesticidas e aos adubos químicos, a água da rede de Castelo Branco está condenada. 
A margem esquerda da Ocreza e da barragem de Santa Águeda, entre o Louriçal e a Lardosa, está a ser aproveitada intensamente e com sucesso, para a plantação de pomar de regadio. 
E os peixes começaram a morrer na albufeira. Os homens morrerão mais lentamente, sem se saber porquê.
Se o mesmo acontecer do nosso lado, entre a Oles e a Póvoa, então é o fim.
Criou-se uma plataforma de defesa da barragem, com várias organizações, entre as quais o GEGA. 
A nossa junta de freguesia também está envolvida indiretamente, pois é autoridade na parte de cima da barragem, margem direita.
Aguardemos, mas os organismos do Estado não estão a fazer nada e se calhar pouco podem fazer. 
A lei só condiciona a atividade humana nos terrenos situados dentro dos 500 metros contados a partir da água. Mas até aí a lei tem sido violada, impunenmente. 
(Ver artigos do Costa Alves, no jonal Reconquista).
Estou pessimista. Depois da ameaça constante da Central Nuclear de Almaraz, com mais de duas centenas de acidentes por ano, só nos faltava esta!


José Teodoro Prata