domingo, 5 de novembro de 2017

Reflorestar


Várias associações e autarquias das vertentes norte e sul da Gardunha têm reunido no sentido de encontrar respostas para a recente destruição da vegetação na nossa serra. De São Vicente da Beira, participam o movimento Todos Juntos, o GEGA e a Junta de Freguesia. As crianças e adolescentes das várias escolas também vão ser envolvidos nas ações a desenvolver.
A aposta imediata é a recolha de sementes de árvores autótenes, no sentido de promover a reflorestação das áreas queimadas. Vai proceder-se ao levantamento dos terrenos públicos, onde se possam plantar as novas árvores.
Embora altamente meritória, a iniciativa levanta-me algumas reservas: acho as medidas curtas para tamanha destruição ciclicamente repetida; idênticas iniciativas já foram promovidas no passado, sem resultados à vista; só nos espaços públicos? então mas os espaços ardidos não são quase todos privados?; a maioria das áreas públicas que conheço situam-se nos altos da serra, onde a vegetação não vinga, basta olhar in loco e basta verificar os resultados de anteriores plantações nesses locais.
A reflorestação, tal como a prevenção, ou aposta na implementação de medidas, começando pela sensibilização,  junto dos privados ou está condenada ao fracasso.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Pirocumulonimbo


O fenómeno que pode estar na origem dos fogos de 15 de outubro

            Tem um nome difícil de pronunciar, é raro, mas poderá ter-se registado por duas vezes este ano em Portugal
            Os incêndios mortais de Pedrógão Grande, a 17 de junho, e da zona centro, a 15 de outubro, poderão estar relacionados com um fenómeno raro, com um nome difícil de pronunciar: pirocumulonimbo. Dois elementos da Comissão Técnica Independente que investigaram os fogos do início do verão que mataram 64 pessoas acreditam que foi isso que aconteceu, segundo contaram à TSF.
            "Pirocumulonimbo é uma tempestade criada por um incêndio", diz Paulo Fernandes, doutorado em Ciências Florestais e Ambientais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). De entre as imagens que viu e os relatos que ouviu acerca dos incêndios, destaca a nuvem do incêndio, que descreve como "muito desenvolvida, muito alta, que a determinada altura começou a produzir relâmpagos e trovões". "Esse é um dos sinais do pirocumulonimbo", conclui.
            Este fenómeno já havia sido descrito pela Comissão Técnica Independente relativamente ao incêndio de Pedrógão. "É uma nuvem de fumo que sobe muito alto, a 10 quilómetros, 12. Quando essa nuvem sobe tão alto, além da condensação, forma-se gelo e é o atrito entre os cristais de gelo que pode provocar raios, provocados pelo próprio incêndios, e que por vezes dão origem a novas ignições", descreve o Paulo Fernandes, para quem a existência de um pirocumulonimbo "explicaria, pelo menos em parte, a devastação a que se assistiu nestes dois grandes incêndios do interior". De acordo com o que o investigador afirmou à TSF, "um incêndio florestal típico não causa aquela destruição", sendo necessário para isso acontecer "vento forte, com projeções a grande distância de materiais incandescentes".
            Carlos Fonseca, outro elemento da Comissão Técnica Independente, diz à mesma rádio que aquilo que viu foi "um incêndio de uma dimensão, de uma violência, de uma rapidez como nunca tinha assistido". O investigador, que também andou no terreno a combater as chamas junto da sua propriedade, recorda as "labaredas com mais de 30 metros, com fumos de múltiplas cores", um cenário com "toda uma dinâmica atmosférica estranha".

HÉLIO MADEIRAS, Diário de notícias
https://www.dn.pt/portugal/interior/pirocumulonimbo-o-fenomeno-que-pode-estar-na-origem-dos-fogos-de-15-de-outubro-8883123.html


José Teodoro Prata

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Almas danadas ao santorinho

Na nossa vila, principalmente em noites gélidas, frias, brancas e ventosas invernais, logo que anoitecia as pessoas recolhiam aos seus lares. Depois da ceia, à luz da candeia, com toda a família sentada em redor do braseiro, rezadas as orações, os mais novos escutavam com atenção estórias que os mais velhos contavam. Umas eram comoventes, outras, assim, assim e algumas eram terríficas.
Avô Zé, com as tenazes “conchegava” os chamiços que ardiam; avó Ana encostava o púcaro de barro ao brasido cheio de água da Fonte Velha, quando começava a ferver deitava para dentro uma ou duas colheres de café, era tão bom, tão bom, perfumava toda a casa.
Para assentar, punha dentro do púcaro uma brasa; sabia tão bem!
Avó, lenço negro atado à cabeça, cabelos brancos entrançados, era uma santa mulher. Avô, com seus safões de pele de cabra, barrete enfiado até às orelhas, começava:
Uma vez, era novo, tinha ido à vila, conversa puxa conversa, estava na praça mais uns poucos da minha idade o sino bateu a meia-noite; assustei-me, assustámo-nos todos. Entre a meia-noite e a uma hora era muito perigoso andar na rua, podia aparecer a má hora, uma alma do outro mundo, uma alma penada.
“Quem está aÍ! Se és uma alma do Purgatório diz o que queres; se és o demónio, eu te arrenego em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Pessoas muito altas, gente com pés de cabra, lobisomens. Quem se cruzava com estes seres sinistros corria esbaforido em direcção a casa, queria gritar por socorro e não conseguia. Era uma hora má, aquela.
Olhos bem abertos, atentos e ao mesmo tempo cheios de medo, ouvíamos com atenção, não olhávamos para trás, não aparecesse uma alma penada.
Naquela noite, ia para o Caldeira, estava vento, fazia lua; quando cheguei ao fundo da barreira do Marzelo, rebolava na minha direcção uma grande bola. Corri para São Sebastião cheio de medo, dei a volta pela estrada em direcção às Poldras, subi o Souto do padre Teodoro, o vento ventava com todas as forças; ao outro dia outras bolas rebolavam pela estrada. Sabeis o que era! Sargaços.
Certa vez, um homem vinha do Casal, quando ia a passar junto ao Calvário um vulto muito alto apareceu em cima da parede do cemitério, começou a correr cheio de medo, quanto mais corria, mais a aparição o acompanhava. Morava ao fundo da rua de São Francisco, ao chegar à porta, abre-a, entra, coloca a tranca rapidamente, do lado de fora uma voz cavernosa, forte, gritou:
-Foi o que te valeu!
- Ai home, que se passa contigo? - pergunta a mulher toda atrapalhada.
Este, com o dedo indicador apontou para a porta, sem nada dizer, ficou sem fala.
A esposa abre a porta, olha para a rua, não vê vivalma. O céu estava limpo cheio de estrelas, a noite serena, deitou-se no catre, não falava. No dia seguinte contou à mulher o acontecido.
- Ai home, a minha alma está parva…
- Ó vô; Como são os lobisomens!
- Durante o dia são pessoas como nós, à meia-noite transformam-se em lobos danados, andam uivando por ruas, montes e vales. No dia seguinte aparecem todos arranhados, feridos, por causa do esforço que fizeram. Entregaram a alma ao diabo estes damonhos.
- Credo!
- Olhem; nos cruzamentos e em lugares previamente escolhidos dançam as bruxas encarrapatas juntamente com o mafarrico. Cruz da Oles, Fonte da Portela… são locais onde isso acontece. Era noite cerrada, desci a rua a caminho da nossa casa com os meus pais e irmãos, lanterna acesa, dormi toda a noite com a cabeça debaixo das mantas, não aparecesse a má hora.
Meu avô dizia o seguinte proverbio: “Pelos santos, neve nos campos”. Como mudou o tempo, já não há neve, em contrapartida, ardem as matas.
- Dê-nos um santorinho

J.M.S

São Martinho: passeio e magusto


Ana Patrício e José Teodoro

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Ilustríssimos


A pequena Maria Luciana foi batizada na nossa Vila, a 4 de junho de 1826, tendo como madrinha Nossa Senhora da Conceição. Pais e avós pertenciam à mais fina flor da sociedade portuguesa. Naturais de Coimbra, Lisboa e Reino de França, o pai da Luciana era juiz de fora de São Vicente da Beira, onde dava os primeiros passos de uma carreira pública em que ambicionava atingir o cume, como o pai dele e o sogro: desembargador do Paço, um, e do Senado o outro.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O nosso património

As comunidades não podem dissociar-se do passado, mas também não podem e não devem parar no tempo. Quero dizer com isto que a vida é como uma moeda, tem duas faces.
O homem maduro, depois de obter a sua reforma. deve aproveitar o tempo que ainda tem de vida para transmitir aos mais novos valores e conhecimentos que foi adquirindo ao longo do tempo. A memória de alguém considerado idoso nunca pode ser igual à memória de uma pessoa jovem. Os neurónios vão-se perdendo, a memorização é diferente, enquanto alguém jovem apreende algo com uma facilidade tremenda, a pessoa idosa muitas vezes vê-se e deseja-se para captar determinadas matérias, nomeadamente disciplinas que requeiram concentração, aprendizagem.
Sendo assim, suponho que cada geração terá muito para oferecer à outra. As gerações mais antigas podem e devem transmitir ensinamentos vividos e experienciados à medida que os anos foram passando. Ensinar aos mais novos saberes que de outra maneira se perderão para sempre, a partir do momento em que se corte o fio ténue que nos une à vida.
Entre a vida e a morte, o espaço que medeia estes dois momentos é tão pequenino, tão curto, basta um esticãozito, o fio parte-se e tudo termina para este mundo.
Sou daqueles que acredita que não morreremos. O corpo, sim; o espírito jamais, pertence ao Criador.
Já estou a entrar por um caminho que não é aquele que quero apanhar hoje; portanto… Adiante.
Idoso ou não; todos temos muito que aprender uns com os outros, mas cada geração tem o seu tempo.
Este pequeno intróito tem a ver com o tema que vou explanar.
Estava eu sentado num dos cais da nossa praça a ouvir o som da aparelhagem cujos altifalantes iam debitando decibéis incomodativos, (música de arreda cão, para mim), quando ao meu lado se sentou uma simpática idosa. Depressa veio à baila o passado.
Tínhamos que falar um tom acima do normal, o barulho ensurdecedor dos altifalantes…
- Olha Zé, uma parte da minha casa ainda está tal e qual como era no tempo do Hipólito Raposo, os sobrados e os tectos em castanho, são daquele tempo…
- Qualquer dia, vou lá, se me deixar, claro.
- Quando quiseres.
José Hipólito Vaz Raposo nasceu no dia 12 de Fevereiro 1885, numa casa situada na rua Velha, nº 47, na vila de São Vicente da Beira; não teve uma vida muito longa pois, no dia 26 Agosto do ano 1953, faleceu em Lisboa; tinha 68 anos.
Era filho de João Hipólito Vaz Raposo e Maria Adelaide Gama. Aos 17 anos entrou para o seminário da Guarda, “influência do seu irmão padre Domingos Vaz Raposo com certeza”.
Na Guarda permaneceu dois anos, 1902/1904; depois entrou no liceu de Castelo Branco e mais tarde partiu para Coimbra, onde se formou em Direito, 1911.
Não me vou alongar mais com a sua biografia, o José Teodoro e outros já a esmiuçaram amiudadamente.
No passado mês de Setembro, desci a rua da Cruz, bati à porta da senhora Maria de Jesus, que amavelmente me convidou a entrar. Ao fundo das escadas encontra-se uma porta que dá acesso a três lojas onde guarda utensílios de lavoura, pipos, tanque para o vinho… Subi, ao cimo das escadas, à esquerda, entro numa sala repleta de recordações da sua família: quadros, fotografias dos antepassados… O que imediatamente me chamou a atenção foi um Menino Jesus de Malines!
A senhora Maria de Jesus falava, explicava e apontava.
- Olha aqui ó Zé, para esta moldura: São José, Menino Jesus e o São Roque; aquele quadro além é a Senhora dos Milagres, tem os milagres em toda a volta”.
- E este Menino Jesus, perguntei.
- Foi-me dado pela minha madrinha e tia Maria de Jesus; era irmã da minha mãe, viveu 40 anos em Lisboa. Olha, tem dá réis e tudo.
A sala está igual ao que era no tempo do senhor João Raposo, o pai de Hipólito Raposo.
- É a sala de jantar, nunca cá comi nenhum jantar ou almoço.
- Quer dizer, que aqui comeu muitas vezes Hipólito Raposo.
- Com certeza.
- Estas portas que dão acesso aos quartos, são as portas originais?
- Isto não tinha portas; as cortinas fui eu que as pus. O sobrado e o tecto são todos de castanho.
Entrei nos quartos.
- Terá sido neste quarto que nasceu Hipólito Raposo, é o maior. - diz a senhora Maria de Jesus.
Fotografei e seguimos.
Antes de sairmos da sala, apontou para as portas de uma janela que dá para a rua.
- Ó Zé, repara nestas portas, ainda entram num buraco que as segura, as da outra janela já são modernas.
Ao entrarmos no corredor disse-me: - Dava acesso à cozinha, a minha tia tapou a porta, antes via-se logo a porta da rua.
- Esta é a cama onde morreu a minha tia Resgate (catequista, zeladora da igreja).
Na parede de outro aposento, um relógio de sala me chamou a atenção: - É muito antigo!
- Se é, se é… já disse ao meu neto para mo por aqui mais baixo para lhe dar corda; tem um defeito, quando começa a dar horas, quando dá uma, temos que contar logo duas, parece que está a tocar ao fogo; bam…bam…
- Daqui para lá era à telha vã, e não era tão larga, tinha uma porta para o quintal que já era velha, foi o meu homem que aumentou isto, não tinha aquele quarto que é o meu. Aqui havia uma porta, repara nos buracos e no rasgo, era para porem a tranca. O meu homem é que a tirou, porque era muito velha, aqui era tudo à telha vã, era aonde a minha avó tinha o tear; era tecedeira, esta sala não era tão larga, era mais estreita. A minha avó chamava-se Josefa.
Entrámos na cozinha, imediatamente a senhora Maria de Jesus apontando para o chão dizendo.
- O lar era aqui no meio, o Zé companhia é que fez além a chaminé, o meu homem alargou para aqui a cozinha. As pedras do lar eram iguais àquelas (ardosias que se encontram na soleira da antiga porta) Olha, aqui está a dita porta que dava acesso ao corredor…
Entrei no seu quarto, um cruxificado e várias imagens em cima da cómoda.
- Uma vez cai agarrei-me à comoda, caíram os santos todos que estão em cima do móvel; este Senhor que está além é muito antigo, ficou-me em cima do colo atravessado, intacto; foi um milagre do Senhor Santo Cristo.
A tarde já ia adiantada, tinha que ir regar as couves. Agradeci à Senhora Maria de Jesus toda a atenção que me dispensou.
Com os seus noventa anos, continua a ter uma memória invejável. Saí mais rico, porque estive no lugar onde nasceu e viveu durante a sua meninice o escritor vicentino doutor José Hipólito Vaz Raposo.

Corredor; ao fundo existiu uma porta que dava acesso à cozinha.
                             

A porta da janela é do tempo do doutor Hipólito Raposo, diz a senhora Maria de Jesus.

        
Um batente entra num buraco na parte superior; estas portas não tinham ferragens.


 Tecto da sala todo em castanho


Cabides


Quarto onde terá nascido Hipólito Raposo.
O sobrado é todo de castanho, diz a senhora Maria de Jesus.

                                                                          
Menino Jesus de Malines 

J.M.S

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Ruralidades


Milho na eira, em frente da casa que foi do sr.º Joaquim Guilherme 
(se as minhas recordações de infância não me enganam).


Tufo enorme de juncos, ao fundo da Oriana, onde começa a barragem do Pisco


Esta garça-real não é a nossa. Essa vê-la-emos no dia 12 de novembro, 
durante o passeio pedestre do São Martinho, em torno da barragem do Pisco.

José Teodoro Prata