
O tio Joaquim Teodoro (1891-1993), em entrevista gravada, no ano de 1990:
A Senhora da Orada é muito antiga.
Houve uma lei, e foi cá e na nação toda, qualquer pai, mãe, que tivessem uma filha que aparecesse grávida, eram obrigados a desterrá-la, a matá-la ou a abandoná-la.
Um pai encontrou a filha grávida e, para não a matar, levou-a para o sítio onde está a cruz. Havia lá uma cova funda e o pai deixou-a lá. Por Deus, apareceu uma corça e ela mamava a corça, mas vinha a beber água à fonte, atrás da capela.
A rapariga esteve ali a viver naquela cova e chorava muitas lágrimas, num ermo daqueles e não se podia vir embora para casa, porque era proibido. Ela rezava muito e apareceu-lhe Nossa Senhora e disse-lhe que ela não andava grávida. Quando bebeu água numa fonte, de bruços, entrou-lhe uma cobrinha pequenina para dentro da barriga e governava-se pelo que ela comia. A Senhora disse-lhe para ir para casa dos seus pais e que lhes dissesse que aquecessem uma caldeira de leite quente e a cobra, quando lhe desse o cheiro do leite, se desenroscava e lhe havia de sair pela boca e cair para dentro da caldeira; que fizessem ali uma capelinha com o nome de Nossa Senhora da Orada. Orada pela oração que a rapariga fazia.
Os pais da rapariga pediram então uma esmola pelo povo e fizeram a capelinha. Na pia da água benta, dentro da capela, estava lá a cobra.
A capela já foi acrescentada, por várias vezes. Em 1930, quando a minha primeira mulher morreu, andavam a acrescentar a capela-mor, porque era muito pequenina.
Estiveram lá uns frades, há muitos anos.
A parte da casa onde estava a pedra d´hera pertencia à capela. O António Neto tirou a pedra e levou-a para a capela.
Eu estive lá muitos anos como rendeiro. O ermitão que lá estivesse era senhor da casa toda, só no dia da festa é que não. Vinham os festeiros a prepará-la, porque os padres iam lá a comer. A festa foi sempre no quarto domingo de Maio.
Houve um homem, o Ricardo Velho, avô do Manuel Valente, que aforou aquilo e morreu-lhe a mulher e depois ficou para a Casa Cunha. Depois eu estive lá de rendeiro e ainda me obrigavam a dar uma galinha com uma ninhada de pitos e muitas coisas da agricultura.
Havia uma fonte que estava atrás da capela, essa é que era a fonte. O Ricardo Velho é que, para aproveitar aquele bocadinho, arrasou a fonte e foi pô-la do outro lado, mas a fonte natural era atrás da capela. E ao pé da fonte havia um moinho para moer milho e outra semente.

Casa Cunha – Esta família comprou a propriedade da ermida à Câmara Municipal, em data que ainda não conhecemos, mas certamente por volta de 1850. Em 1980, a Casa Cunha vendeu-a a Joaquim Teodoro dos Santos e a José Francisco Matias, os quais dividiram propriedade entre si e ainda hoje a detêm. É na parte de José Francisco Matias que se capta a água Fonte da Fraga.
Cruz – Localiza-se a cerca de 100 metros da capela, no alinhamento desta com a casa do ermitão, sempre a subir, no meio do mato. Tem a data de 1887.
Festa no quarto domingo de Maio – Não tinha razão o tio Joaquim Teodoro. Pelo menos até 1895, ano em que a festa se realizou no dia 21 de Abril, a data da festa era no domingo de Pascoela, que é o 1.º domingo depois da Páscoa. No passado, a romaria a Nossa Senhora da Orada integraria os festejos da Páscoa.
Fonte atrás da capela – Segundo relato do pároco de S. Vicente, na altura o P.e Tomás da Conceição Ramalho, em 1952 construiu-se o muro de suporte do terreiro da capela, tendo sido encontrada esta fonte, que foi novamente soterrada. António Teodoro trabalhou nessa obra como pedreiro e garantiu que a fonte tinha inscrições antigas e que foi tapada sem ser demolida. O P.e António Branco informou-nos que, em obras posteriores, tentaram localizar a fonte, mas não conseguiram.
O buraco na parede serve para escoar a água dessa nascente. Ao lado, havia um moinho.
Pedra d´hera – É uma pedra de calcário, com o símbolo da Ordem de Cristo, que estava na parede da casa do ermitão. O António Neto, mordomo da capela durante muitos anos e colaborador do P.e Branco, tirou-a da parede da casa e guardou-a, para proteger esta obra de arte. Na parede da casa, ainda continua aberto o buraco do sítio onde estava a pedra.
Ricardo Velho – Era descendente de Ricardo Joze que, na época das Invasões Francesas (1807-1812), era o ermitão da Senhora da Orada. Ricardo Joze era natural do Souto da Casa. Cultivava as fazendas da ermida, era carpinteiro e cuidava da capela. O Ricardo Velho terá sido ermitão, nos inícios do século XX. Assim, esta família ocupou o cargo de ermitão da Senhora da Orada durante cerca de 100 anos. O Ricardo Velho era o avô do Manuel Valente.
Mais informação sobre a ermida pode ser consultada no livro: “Senhora da Orada”, de José Teodoro Prata, publicado pelo GEGA, em 2001. As fotos são do Tó Sabino. O livro está esgotado, mas existe em muitas casas de S. Vicente da Beira.
As imagens da Senhora "Dorada"... os tios que virão (ou não) na excursão de Lisboa, os ovos verdes na merenda pronta de véspera, as pútegas que se apanhavam e comiam no caminho do Casal "das Fragas" para a capela, o meu pai a escolher o melhor leirão para assentar arraiais e depois se comer a merenda, o sermão do padre Branco a falar dos emigrantes e dos soldados em África (duas referências que, dizia a experiência, eram dinheiro em caixa - emoção e choro garantidos), os corações de açúcar à venda numa das barracas, o projecto do tio M. Paiágua para resolver o problema do trânsito no local, no dia da festa, um flash fugaz dos rostos do avô Francisco e da avó M. do Rosário, a água que tantos juram capaz de fazer milagres, o vaso posto em cima da bica, com nome e ano - JT; 1970.
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