Era Maio. Seguíamos em grupo, meia centena de pessoas silenciosas e tristes. De vez em quando o cortejo detinha-se: subiam da vereda algumas preces encomendadas pelo cura. Nem um farrapo de nuvem no céu. Nem asa de vento a agitar o horizonte.
Nas terras lavradas, junto ao cemitério, comecei o ver as lavandeiras, saltando de leira em leira. Com elas vieram as rolas e uma que outra cotovia no pinhal em redor. Senti, então, como quem pode sentir distintamente, que o canto dos pássaros crescia para fazer coro, a última vez, com o teu assobio: como naqueles dias em que, na galeria da Mina, com o fôlego derradeiro dos teus pulmões cansados avisavas os companheiros da chegada do capataz.
«Não somos patrões, somos trabalhadores», respondias ao chefe, quando te repreendia por não impores a ordem dele aos companheiros de que te nomeara vigilante. O pico atirado longe, violentamente marcou a tua recusa definitiva, devolveu-te à condição de mineiro, simples mineiro, que sempre foste.
Mas tinhas razão. Não somos patrões, somos trabalhadores. E este livro pretende dizer-te que a voz dos patrões na Panasqueira é hoje menos arrogante. Quero também informar-te - talvez as novas cheguem a esse mundo distorcidas - que um ano depois daquele Maio, Abril libertou a voz e o gesto dos teus companheiros na Mina.
Fiz com eles esta viagem. É para eles este livro e para ti também, mineiro José, atalhado pela silicose a meio do caminho, antes desse Abril nascer. Fossem estas páginas tão vivas como as papoilas, que juntos colhíamos nas estevas agrestes das nossas terras altas, e eu desfolhá-las-ia, uma a uma, sobre a campa lá em Bogas, mineiro meu pai.
Lisboa, Verão de 78.
DANIEL REIS
In A GUERRA DA MINA e os mineiros da Panasqueira, Daniel Reis e Fernando Paulouro Neves, Regra do Jogo, Edições, 1799
José Teodoro Prata
Li este livro há pouco, penso que emprestado pelo tio Francisco. Tem rodado de mão em mão.
ResponderExcluirCom ele aprendi coisas que nem imaginava.
Adorei e recomendo.