O
final do mês de Agosto aproximava-se. A caminho da vila, vindo dos Pereiros, uma
criança ao colo da madrinha senhora Ludovina Maria; juntamente com o padrinho,
João Martins, o pai Manuel João e demais familiares. Passaram as passadoiras e
no calvário trocaram as alpergatas, entraram na igreja, esperava-os o senhor
vigário. A mãe Benvinda Saraiva ficou em
casa a por a mesa para os familiares e demais convivas.
-
Qual o nome que ides dar à criança!
-
Maria, responderam os padrinhos.
Os
avós, José João, Antónia Maria; António Dias e Ana d`Oliveira Saraiva; não
puderam vir, a idade não perdoa.
No
mesmo dia vinte e oito de Agosto, sábado;
outra criancinha recebeu o baptismo.
Tinha
sido encontrada por Angelina Marques na véspera, exposta na freguesia de Louriçal do Campo.
Ao
passar na rua ouviu o choro de uma criança, aproximou-se; embrulhada num
pequeno lençol estava uma menina deixada ali, por quem?
João
da Silva Lobo e Maria da Trindade, naturais da vila, fizeram a caridade de
serem os padrinhos.
O
vigário voltando-se para eles perguntou:
-
Qual o nome que ides dar à criança!
-
Maria Luiza, responderam.
(…)
Sacristão, subiu as escadas da torre sineira pegou nos badalos dos sinos
tangendo-os fortemente.
Eram
dois os anjinhos…
Artesãos,
ferreiros, ferradores, latoeiros, sapateiros, alfaiates, barbeiros, comerciantes,
taberneiros, ganhões… Cada um na sua profissão servia a população da vila e do
concelho trabalhando com denodo e perfeição.
A
Câmara abria e fechava pontualmente à mesma hora, funcionários atendiam com
simpatia e atenção os munícipes.
Iniciava-se
o mês de Setembro do ano 1895, as uvas estavam a ficar maduras, na Fonte Velha
encontravam-se pipos que os donos enchiam de água para que as aduelas inchassem
para mais tarde receberem o vinho novo.
Nas
adegas trabalhadores entendidos amassavam sebo, com ele tapavam fisgas que
encontravam nos pipos, nas dornas; limpavam, verificavam as vasilhas, os tonéis…
As
festas em louvor do Santíssimo Sacramento, Senhor Santo Cristo e Senhora do
Carmo estavam à porta, assim que findassem, a maioria das gentes começavam a
vindimar.
Entretanto,
em Lisboa o governo entendeu que devia fazer nova reforma administrativa, diziam
eles que ainda havia concelhos a mais para o tamanho da Nação.
Vai
daí, estenderam um mapa de Portugal em cima de uma secretária e começaram a
riscar aqui, ali, este concelho, aquele.
Assim;
no dia 7 de Setembro do ano 1895 o conselheiro de estado, ministro e secretário
dos negócios do reino João Ferreira Franco Pinto Castelo Branco riscou do mapa,
um dos mais antigos concelhos de Portugal.
O
edifício camarário ficou entregue aos ratos, a vila foi perdendo o esplendor de
outrora, os quadros debandaram, os mais capazes seguiram as pisadas e a vila
aos poucos foi perdendo população.
As
pessoas influentes não mexeram uma palha.
Assim
que as autoridades da vila tiveram conhecimento aqui-del-rei; colocaram panos
pretos no pelourinho, no edifício da Câmara, na Fonte Velha…
Não
houve força ou vontade para que a justiça fosse reposta.
Eis
a vila…
No
dia 8 de Setembro, logo a seguir ao terrível e inesquecível dia, uma criança de
nome Maria, natural de S. Vicente da Beira, filha de António Mateus e
Henriqueta de Jesus, era baptizada pelo vigário António Pires Antunes. Nasceu
em 23 de Agosto.
José,
filho de Cipriano da Silva Lobo e Emília Maria, moradores no Casal da Fraga;
recebeu o sacramento do baptismo no dia 16 de Setembro. Nasceu no dia 23 de Agosto do ano 1895.
As
crianças, assim que ouviam os sinos, dirigiam-se para a porta dos pais da
criancinha, os mais abastados lançavam algumas guloseimas, da janela para a
rua, (até moedas). No espaço mais
nobre da casa, familiares e amigos saboreavam saborosas vitualhas, não faltava
a canja de galinha, o arroz de galinha, batatas fritas… num açafate enfeitado
com um alvo pano de linho havia esquecidos, bolos de leite, cavacas, borrachos,
minutos, pão-de-ló, fofo e saboroso.
Fumegante,
uma cafeteira cheia de chá era posta em cima da mesa, os comensais bebiam,
cavaqueavam, comiam doces, confraternizando uns com os outros.
Enquanto
a criança não fosse baptizada, o quarto onde dormia tinha que ter sempre uma
luz acesa, se por algum motivo se apagava, entrava num berreiro, só se calava
quando voltavam a acender o candeeiro.
A
mãe, por vezes sentia um grande peso em cima dela, era o demónio; assim que a
criança era baptizada, o sossego entrava naquele lar, o menino passava a dormir
soninho descansados e já não havia necessidade de...
Não
queria terminar esta minha carta epistolar sem mencionar os últimos dois
casamentos que se realizaram no concelho de S. Vicente da Beira.
O
primeiro aconteceu na igreja paroquial, no dia 18 do mês de Julho do ano 1895;
José Lopes, o noivo, tinha 22 anos de idade, natural da Partida; Maria Justina,
a noiva, tinha 19 anos e era natural do Vale de Figueira; Joaquim António
Bartolomeu e Antónia Freire eram os pais do noivo; Domingos Costa e Justina
Antunes, os pais da noiva; António Pires Antunes, o pároco.
O
último casamento que aconteceu no ainda concelho envolveu os nubentes André Agostinho
e Maria da Conceição, ambos naturais de S. Vicente da Beira, e realizou-se no
dia 4 do mês de Setembro.
O
noivo tinha 25 anos de idade e era filho de João Agostinho e Maria Casimira. A
noiva, de 22 anos de idade, era filha de Bernardo A. Robles e Sabina da
Conceição. Testemunharam o ato matrimonial os senhores Felisberto Monteiro e
Aires Raposo. António Pires Antunes oficializou a cerimónia.
Assim
terminaram oitocentos anos de autonomia municipal, a partir desta data a vila
transformou-se numa simples freguesia.
Os
primeiros noivos que casaram após a extinção municipal foram Joaquim Domingos e
Maria Pires. No dia 23 de Outubro receberam-se por marido e mulher na igreja
matriz de S. Vicente da Beira. Ele tinha 22 anos de idade, natural do Tripeiro,
filho de Joaquim Domingos e Felícia Tereza. A noiva, 25 anos de idade, natural
da Partida, filha de José Pires e Maria Ana. Apadrinharam a cerimónia Domingos
Antunes e Joaquim Antunes.
Meus
senhores e minhas senhoras, eis aqui transcritos os nomes dos últimos noivos
que casaram antes da extinção do concelho e os primeiros que casaram na igreja
matriz após… embora todos tivessem nascido no antigo concelho de S. Vicente da
Beira.
Outros
tempos, outros costumes e crenças.
Fiquem
bem!
J.M.S