terça-feira, 26 de março de 2024

25 de ABRIL - 50 Anos: São Vicente da Beira

José Teodoro Prata

25 de ABRIL - 50 Anos: Atalaia do Campo


Memórias: 

«Andava no Externato de Alpedrinha e era hábito um dos alunos almoçar na mesa dos professores (diziam que era para aprendermos como nos devíamos comportar à mesa). Nesse dia coube-me a mim. Percebi que alguma coisa se passava porque, já estávamos todos sentados quando chegou o padre (?). Parecia que vinha nervoso e ouvi-o dizer para os outros professores: “A coisa lá por Lisboa está feia. Dizem que o Marcelo Caetano não se quer render e parece que até já há mortes”.»;

«Eu era freira e trabalhava numa Missão em Angola. No dia 25 de Abril, estava num hospital de Luanda para onde levavam os soldados feridos na guerra. Eram rapazinhos novos, alguns já sem pernas ou sem braços; brancos para um lado, pretos para o outro; diziam-nos que em primeiro lugar tínhamos que acudir aos brancos, mas eu sempre tratei todos por igual. O 25 de Abril foi bom porque acabou com aquela guerra que matou tanta gente»;

«Antes do 25 de Abril, ainda em solteiro, trabalhei uns tempos na prisão de Caxias. Fazia o que fosse preciso, que me ajeitava para tudo. Vi por lá muita coisa, mas o que mais me dava que pensar era ver entrar gente quase todos os dias, e raramente de lá via sair alguém.»;

«Não tenho lembrança nenhuma desse dia. Deve ter sido igual aos outros, a trabalhar. E naquele tempo a gente nem tinha televisão em casa para ver as notícias, só os ricos é que tinham. Depois começou a aparecer por cá muita gente para falar connosco e diziam-nos que agora era o povo que mandava, e já podíamos votar todos, até as mulheres.»;

«No dia 25 de Abril não houve escola. Fui para casa duma colega que tinha televisão e ficámos a ver. Lembro-me que à noite, quando os meus pais chegaram a casa, vinham preocupados, a dizer que se calhar a fábrica ia fechar e eles ficavam sem trabalho.»;

«Não me lembro muito bem do dia 25 de Abril porque era pequena. Do que mais me lembro, depois, foi de ir com os meus pais às manifestações e aos comícios, de ver muita gente na rua, todos contentes, de braços no ar. Para mim, aquilo era uma festa!»;

«Já não me lembro muito bem como é que foi o 25 de abril, mas lembro-me que já há uns poucos de anos fui numa excursão a Fátima, e também fomos a Peniche. Entrámos lá num sítio onde nos disseram que tinha sido ali que esteve preso o Álvaro Cunhal. Também nos contaram que ele se tinha atirado ao mar para fugir. Até me arrepiei toda.»;

«No 25 de Abril ainda andava no liceu, em Castelo Branco. Uns tempo antes já eu e mais alguns colegas, às escondidas, andávamos a deixar panfletos contra o regime pelos corredores e salas do liceu. Os contínuos andavam de olho alerta, mas nós trocávamos-lhes as voltas. Acho que nunca chegaram a saber ao certo, mas desconfiavam de nós: no dia 24, o reitor chamou-nos ao gabinete, um de cada vez, e ameaçou expulsar-nos por “mau comportamento”. Não era a primeira vez, mas aquela foi a última. Nos dias a seguir, foi uma festa, com foguetes e tudo! Até ao fim do ano já poucas aulas tivemos.»; 

«Tinha acabado de ser mãe e acordei durante a noite para dar de mamar ao meu filho. Liguei a telefonia, um hábito antigo, mas a música que estava a dar era diferente da que costumava ouvir àquela hora. Gostei daquela música diferente, e fiquei a ouvir, sem imaginar ainda o que estava a acontecer. No aconchego do berço, o meu filho já dormia tranquilamente; de vez em quando parecia sorrir, como se estivesse a ter um sonho lindo.».

M. L. Ferreira

25 de ABRIL - 50 Anos: Mulheres da Liberdade

 

Mural na Avenida de Berna, em frente da Gulbenkian, onde a figura de Salgueiro Maia se destaca, mas as mulheres aparecem também com muita força (da Internet)  

Muitas estiveram na primeira linha da resistência contra a ditadura do Estado Novo, opressor de um povo inteiro, mas sobretudo das mulheres. Nos campos, nas fábricas, nas prisões, nas universidades, ou na clandestinidade, as suas vidas ficaram imortalizadas nas nossas memórias. Outras, sendo pilares fundamentais da vida dos maridos, ficaram na sombra da sua luta heróica, e delas não reza a História.

Há tempos estive num almoço em Alcains. O pretexto era a comemoração de mais um aniversário de Ramalho Eanes, mas a presença do jornalista Fernando Alves, dos maiores do nosso tempo, e de Carlos Beato, um dos milicianos que acompanharam Salgueiro Maia até Lisboa na madrugada do dia 25 de Abril de 1974, foram a motivação principal. Nada como ouvir falar da História (várias histórias) pelas palavras de quem a fez.

Na mesa estava também Ju Beato, a mulher de Carlos Beato e foi bonito ouvi-lo falar do papel determinante que o apoio dela também teve naquele SIM, sem qualquer dúvida, quando foi abordado por Salgueiro Maia.

Foram tempos difíceis para ela: muito jovem e casada há pouco tempo; vinda do Alentejo para Santarém, cidade que lhe era completamente estranha; inquieta por saber o marido envolvido numa missão daquela grandeza e sempre à espera que fosse a PIDE, cada vez que a campainha tocava. Mas manteve firme o seu apoio à causa dele, que era também a sua (partilhavam o gosto pelas cantigas do Zeca Afonso, do Sérgio Godinho, do José Mário Branco e outros cantores censurados pelo regime e lhes alimentavam a esperança). Naquela noite de tanta ansiedade, quase desejou que a senha não chegasse a ser dada, mas quando começou a ouvir na rádio a Grândola Vila Morena, mesmo de coração apertado, não teve dúvidas.

E lembrei-me de Lourdes Pedro, “Esteio da Vida de Edmundo Pedro”, como consta do título da biografia escrita por Amílcar Faustino. Uma mulher com uma coragem e força fora do comum no apoio ao marido, perseguido, preso e torturado várias vezes; na ajuda a muitas outras pessoas perseguidas pelo regime, que precisavam de ajuda; a quem a PIDE revirou do avesso, várias vezes, a casa e a vida, mas soube sempre levantar-se com enorme determinação; que enfrentou o sistema, reivindicando melhores condições para os presos político; que quase passou fome e, num dia de aniversário, o que lhe valeu foram os cem escudos que a mãe lhe deu para comprar uma prenda, mas foi com eles que pagou as viagens até Caxias para visitar o marido na prisão; que se viu privada de ver o crescimento da filha como qualquer mãe ou pai desejam, por ter que trabalhar pelos dois ou por andar escondida a fugir à prisão, acusada de ser cúmplice nas atividades e tentativas de fuga do marido.

São apenas dois exemplos de mulheres de coragem, determinantes na luta dos companheiros pelo fim de uma ditadura de tantos anos. É também a elas, e a tantas outras heroínas desconhecidas, que devemos a Democracia, a Liberdade e a Igualdade, ainda imperfeitas e sempre em construção, em que vivemos há quase 50 anos.  

M. L. Ferreira

segunda-feira, 25 de março de 2024

Palestra do Santo Cristo

 

Ainda é cedo para eu, o palestrante, fazer o balanço.
Acho que fomos infelizes na marcação da hora (16h), pois às 17h começava a via-sacra na Igreja e houve pessoas que não foram à palestra para irem à via-sacra.
Estiveram presentes cerca de 30 pessoas e acasos fortuitos impediram que fossem perto de 40. É a assistência normal, nestes eventos (entre 20 e 40 participantes). Embora este fosse um tema especial para nós. Mas a que distância já está o mito da realidade!
Tenho de passar a intervenção a escrito, pois o tema merece uma pequena brochura acessível a vicentinos e visitantes. Assim a Misericórdia tenha apoios para a fazer!

José Teodoro Prata
Foto da São Luzio

sábado, 23 de março de 2024

Senhor Santo Cristo dos Milagres, Açores

 As semelhanças entre o culto do Santo Cristo nos Açores (Ponta Delgada, São Miguel) e em São Vicente da Beira são impressionantes!

https://journals.openedition.org/cultura/347

José Teodoro Prata

quinta-feira, 21 de março de 2024

Palestra

 

José Teodoro Prata

segunda-feira, 18 de março de 2024

De volta à Casa Grande de Romarigães

 Dos livros que li do Aquilino Ribeiro, este será o maior. É um romance que conta a história de várias gerações de uma família aristocrática do Minho, com os seus altos e baixos, e muitos pecados, relacionando-a, em vários momentos, com a História de Portugal no período entre os finais da Dinastia Filipina e a guerra civil que opôs D. Pedro a D. Miguel.

O excerto que deixo conta-nos o desespero de Luis de Azevedo, já a família ia na 6.ª geração, que, sem herdeiros legítimos vivos, se encontra na iminência de o morgadio cair nas mãos de um sobrinho por quem não morria de amores. Tenta, por isso, recuperar um dos filhos que tivera com a governanta e enjeitara na roda.

Depois de descobrir quem o tinha recolhido (um cirieiro de Braga), começa a rondar-lhe a porta. Não foi fácil ganhar confiança, principalmente a do menino, quatro anos ariscos, pouco dado a mimos de estranhos.  

Um dia apresentou-se na loja do cirieiro com um embrulho onde levava um carapucinho de lã de camelo, uma corneta de barro de Barcelos e dois burrinhos também de loiça para lhe oferecer. Assim que vê, vindo do interior da casa, agarra-o pelo bibe, mas a criança tenta fugir-lhe e dá um trambolhão:

 

«- Deixe o menino, olhe que lhe pode arrancar o bracinho… - murmurou o cirieiro para Luís de Azevedo que lhe metia os bonitos à cara com a mão livre.

O menino, ou porque a mão de Luís de Azevedo lhe pesasse, ou porque não lhe fosse simpática aquela preensão, desdenhando da oferta, rompeu a fazer beicinho. Dali a pouco estava num berreiro pegado que, sacudindo a senhora Felismina da oficina, a projectou ali em pé-de-vento (….).

- Então, meu filho, então, ninguém te faz mal! – exclamou ela estendendo-lhe os braços. – Este senhor não é a côca. Olha, olha, este senhor traz-te aqui uns burrinhos…

O pequeno continuava a berrar desalmadamente e o cirieiro disse para a mulher:

- Tira-o lá para dentro.

- Não. Não tire o menino lá para dentro. Deixe-o aqui…

Pronunciou estas palavras com voz a tal ponto alterada que o cirieiro retorquiu:

- Deixe-o aqui…Para quê, se não queda mal o perguntar!?

- O menino é meu. É meu e quero levá-lo comigo.

(……)

- O menino é seu?! Ah! ah!, deixa-me rir. O menino é nosso, meu e da minha mulher. Trinta vezes nosso. Quem o salvou de morrer naquela manhã de geada, porque afinal na roda poucos são os que escapam?! Quem Foi?! Quem o acalentou?! Quem o vestiu?! Quem o traz medrado e limpo?! Olhe que até uma cabra comprámos para lhe dar leite. Queria então tirar-nos o menino, hem? Não queria mais nada?! Com que direito, seu homem?!

- O menino é meu e vou-lhe dar os sinais com que foi depositado na roda. Trazia ao pescoço uma bolsinha de seda azul com o nome: Telmo, escrito num pedaço de pergaminho. Diga lá: não é assim que se chama?

- Chama-se Telmo, chama, e que prova lá isso? Vossa Mercê está farto de mo ouvir nomear…

- Na mesma bolsinha trazia também um dobrão de oiro embrulhado num papel. O papel dizia. Para as primeiras despesas. O mais virá depois. É assim ou não é assim?

- Não encontrámos lá nada. Assim Deus nos salve. O que lá trazia era um dente de alho e cinco pedras de sal. Sim senhor, trazem-no todos os enjeitadinhos – exclamou de lá a mulher, em voz traindo reticente surpresa, entremeada de notas altas de indignação…

- Os cueirinhos eram de cambraia com debrum azul…

- Qual cambraia nem meio cambraia! Vinha embrulhado em estopa, uma toalha grossa de estopa, que ainda para aí anda.

- Então é porque na roda roubaram o exposto.

- Roubaram quê, não roubaram nada! As freirinhas eram incapazes dessa má acção. Ainda mais com aquela que era então a madre-rodeira, e ainda é, no Convento de N.ª S.ª da Conceição! Toda a gente diz que em Braga não há mais santa

- E quem me garante que a madre-rodeira estava no acto? Pode ser que fossem as criadas que roubassem o exposto.

- Roubar-nos queria agora o senhor, mas engana-se. Nem que viesse o alcaide-mor com os quadrilheiros todos que há em Braga. Então não queria lá ver, uma pessoa toma-se de amizade por uma criaturinha destas, apaparica-a, tudo é meu santo-antoninho onde te porei, e às duas por três rompe um figurão e diz: Dê-me o menino que é meu! Dou-lhe mas é uma grande cachaporra! Com que direito? Diga lá?!

- Senhor Aniceto do Bento Lado e mais senhora, estou disposto a pagar-lhes, sem regatear as despesas que fizeram com o menino e a recompensá-los ainda, com a maior largueza, pela ternura e amor que lhes mereceu. Mas tenho de o levar, custe o que custar. O processo está em andamento no Juiz dos Órfãos. Vale mais darem-mo a bem…».

Este relato diz-nos bem como Aquilino Ribeiro conhecia o processo e todas as vicissitudes que envolviam a exposição de crianças naqueles tempos. A forma simples, por vezes subtil e com muito humor, como é hábito nele, engrandece e torna ainda mais verosímil a história.

M.L. Ferreira