terça-feira, 1 de julho de 2025

Quinteiro, de quinto, originou quinta?

 No livro “Portugal na Espanha Árabe”, de António Borges Coelho, na “II Parte – História do Andaluz, no subcapítulo “Partilha da terra entre os conquistadores” informa Ibne Mozaine de Silves:

«Conquistada Espanha, Muça […] dividiu o território da península entre os militares que vieram à conquista, da mesma maneira que distribuíra entre os mesmos os cativos e demais bens móveis colhidos como presa. Então deduziu o quinto das terras e dos campos cultivados […]. Dos cativos escolheu cem mil dos melhores e mais jovens e mandou-os ao emir dos crentes […], mas deixou os outros cativos que estavam no quinto, especialmente camponeses e meninos adscritos às terras do quinto, a fim de que o cultivassem e dessem o terço dos seus produtos ao Tesouro Público. Eram estes a gente das planícies e chamou-se-lhes quinteiros e a seus filhos, os filhos dos quinteiros.»

José Teodoro Prata

domingo, 29 de junho de 2025

Egitânia

Ando a ler o livro “Portugal na Espanha Árabe”, de António Borges Coelho. Sobre a nossa Idanha-a-Velha, informa do seguinte, na “I Parte – Geografia”, capítulo “O Garbe no século X pelo mouro Ahmede Razzi", subcapítulo “Do termo de Egitânia”:

 

«O termo de Coimbra parte com o de Egitânia. Egitânia encontra-se a oriente de Coimbra e ocidente de Córdova. É uma cidade muito antiga, situada sobre o Tejo, forte e bem dotada com um território bem provido de cereais, de vinhas, de caça e de peixes e um solo fértil. Neste território há fortes castelos onde o clima é muito são, tal como o de Monsanto, que é muito sólido; o de Arroches; o de Montalvão, que se encontra no cimo de um monte muito elevado; o de Alcântara que é uma bela localidade. Há em Alcântara uma ponte sobre o Tejo de que se não poderia encontrar semelhante no mundo; o território desta vila é propício à criação de gado, à caça e à criação de abelhas. De Egitânia a Córdova são 380 milhas.»

 

Notas: Neste mesmo subcapítulo, Ahmede Razzi faz referência ao castelo de Ourique (Ereyguez), no termo de Beja; Garbe designava o território ocidental do Andaluz (Espanha muçulmana), o qual abarcava o território ocupado hoje por Portugal e ainda as cidades de Badajoz e Mérida; o Garbe (Ocidente) foi encurtando com a Reconquista, até ficar reduzido ao Algarve, topónimo que dele deriva; a Egitânia era pois a cabeça de um grande território, entre os territórios de Coimbra, Santarém e Beja (Évora pertencia a Beja); foto do interior da catedral da Egitânia, com seus arcos em ferradura, da época em que foi mesquita muçulmana (de https://www.minube.pt/sitio-preferido/catedral-de-idanha-a-velha-a3651823).


José Teodoro Prata

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Ó meu São João Batista

 Acordei com um forte batuque e vozes de mulheres a cantar. Cheguei-me à janela e uma pequena multidão descia a rua, atrás de adufeiras, que cantavam e bailavam ao ritmo dos seus adufes.

São João subiu ao céu

A regar o seu jardim.

Trouxe um cravo p´ra Sant´Ana

Outro p´ra São Joaquim.


Vesti-me à pressa, saí para a rua e misturei-me com as pessoas. O que é isto?, perguntei. São as adufeiras de Penha Garcia, é uma homenagem à Ti Rita!, alguém me informou.


São João não tem capela

Venha cá que la darei.

Tenho cá cravos e rosas

E outras flores buscarei.


Descemos a rua e o cheiro a rosmano e marcela a arder sentia-se cada vez mais forte. Na praça ardia uma grande fogueira e em volta um grupo fazia coro com o Manel Ceguinho que tocava na concertina uma modinha do São João. As adufeiras e acompanhantes juntaram-se a eles e depois todos se dirigiram para o pelourinho, onde lançaram ginjas à rebatinha.

Esta noite hei de ir às ginjas

Esta noite hei de ir a elas – ai lindó.

Quem as tiver que as guarde – ai lindó

Se não ficará sem elas – ai lindó.


Fui beber água à fonte de São João. Como estava linda, enfeitada com vasos de cabeleiras brancas amareladas! Quem fez isto tudo? Como apareceram aqui? As crianças da escola!, disseram-me. E os papelinhos com as quadras ao São João? Também foram elas.

São João lá vai lá vai

Ai se lá vai, deixai-o ir.

Ai qu´ele é menino mimoso

Ai vai ao céu e torna a vir.


Desci a Rua do Beco e, em frente à padaria, as filhas da Sr.ª Céu tinham trazido um cântaro para a rua, que rapazes e raparigas, em fila e de costas, lançavam à pessoa que estava atrás de si. Além falhou e o cântaro caiu no chão e ficou em cacos. Risada geral.


São João era bom homem

Se não fosse tão velhaco.

Ia à fonte com três moças

E vinha de lá com quatro.


Mais animação no largo da Fonte Velha, também ela enfeitada com cabeleiras. Outra fogueira ardia, enchendo o largo de fumo acre do rosmaninho e adocicado da marcela. Rapazes saltavam as chamas, constantemente avivadas pelo guardião da reserva de rosmano ali ao lado. Um tocador desceu a Rua da Costa, vindo lá do alto de onde se avistava fumarada. Era o Zé Té-Té, com a concertina, que deu voltas à fogueira com os rapazes e as raparigas a cantar e a bater palmas.


Para o São João que vem

Já não moro nesta rua.

Inda não tenho casa

Menina arrende-me a sua!


Depois seguiu pela Rua Velha e eu segui os foliões. Ao fundo da Rua Nicolau Veloso, mais animação, e na Fonte de São António juntámo-nos às adufeiras acabadas de chegar. Os adufes e a concertina animaram um bailarico em frente à casa do sr.º Manel da Silva.


Donde vens tu São João

Donde vens tão molhadinho?

Venho do rio Jordão

De regar o cebolinho.


O cortejo voltou à Praça e, surpresa, já não era um tocador, eram muitos, cada um vindo de um cruzamento de ruas, todos convergindo para o centro. Quem são? Porquê tantos?, perguntei. São os da Carapalha e vieram recordar todos os nossos tocadores de concertina.


No altar de São João

Nasceu uma cerejeira.

Qual será a mais ditosa

Que lhe colherá a primeira?


O arraial de São João estava animado, mas eu regressei à minha rua, atraído pelo cheirinho a sardinha assada do tradicional arraial organizado pelo Zé Cavalheiro. Estavam os vizinhos todos, às voltas com sardinhas, pão e vinho, em alegre cavaqueira. Na fonte havia vasos de manjericos. Passei-lhes a mão, cheirei e fui ficando, sem pressas de voltar aos lençóis.


Do São João ao São Pedro

Quatro a cinco dias são.

Moças que andais à soledade

Alegrai o coração.

Notas:

1.     Não há sincronia neste texto, pois cruzo nele pessoas e tradições de épocas diferentes.

2.     Um dia, poucas semanas antes do início da pandemia, reuni-me com o Carlos Semedo, sugerindo-lhe a realização de algumas das nossas tradições do São João, no Festival Água Mole em Pedra Dura, que se realizava no fim de semana próximo da festa deste santo. Este texto é um pouco do que combinámos, mas ficou por concretizar.

3.     As quadras foram retiradas do livro Etnografia de S. Vicente da Beira, de Isabel Teodoro

José Teodoro Prata

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Sardinhada dos santos populares

E depois fazemos estas coisas!

Faltando-nos a orientação dos poderes, juntamo-nos e convivemos, em multiplas inicativas. Desta vez, a Comissão das Festas de Verão. É sinal de uma comunidade bem viva!

(ver publicação anterior).

José Teodoro Prata
A foto penso que é do Paulo Mateus

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Afirmação


No tempo das presidências da Junta pelo meu primo Prata e pelo Vítor Louro, organizei  passeios (não eram caminhadas) por São Vicente e cercanias, mas sempre com uma organização mais que rudimentar.

Lancei e organizei a Rota da Promessa, a cumprir o estabelecido por D. Afonso Henriques de ir todo o povo uma vez por ano, em romagem ao Castelo Velho a relembrar a batalha da Oles e a ajuda do nosso povo na vitória do exército português; isto em troca da criação da povoação e do nome São Vicente. Não pegou.

Também organizei e lancei a ideia da Rota da Garça Real, em volta da barragem, rota fácil e igualmente linda, mas também não vingou.

Numa das nossas festas de primavera, organizada pela Câmara e Junta, esteve na Vila o meu amigo André Gonçalves, em representação de Almaceda. Realizara de manhã um dos passeios, penso que o Por cantos e recantos de São Vicente (o título era mais bonito, mas não me  lembro). Falei-lhe desse projeto e no ano seguinte nasceu o projeto acima apresentado, contando no segundo ano com cerca de duzentos participantes. Vingou a ideia e tornou-se marca.

Tivemos uma marca fortíssima, o Festival Água Mole em Pedra Dura. Também a deixámos perder. E não me venham, dizer que... Sarzedas não abandonou a sua marca de sucesso, Sarzedas Vila Condal, mesmo quando deixou de ser uma organização conjunta da Câmara e da Junta para passar a ser apenas da responsabilidade da Junta, como são todas as que agora se realizam nas povoações do concelho.

Depois do tempo das infraestruturas dos mandatos do Francisco Alves, Ernesto Hipólito e Pedro Matias, veio o tempo do bem-estar. Já vamos na terceira liderança, nada se afirmou e continuamos em queda desde meados do mandato do Vítor Louro.

Mas podia e devia ser diferente!

Nota: Também se organizaram caminhadas pela Gardunha, promovidas por outras pessoas e entidades (Gega, Junta...), mas nenhuma logrou vingar.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 16 de junho de 2025

O jogo da bola

 Janeiro de Cima, à beira do rio Zêzere, é uma aldeia com a qual tivemos no passado (anos 70 do século XX) uma forte ligação, chegando até a realizar-se intercâmbios entre as duas povoações, organizados pelo Pe. Branco, que ali paroquiou.

Há anos, encontrei um documento escrito do século XVIII que referia a existência em Tinalhas de um sítio chamado Jogo da Bola. Falei com a Berta Ramalhinho e localizámos o referido topónimo nas cercanias da atual sede do Centro Recreativo de Tinalhas. Que jogo de bola seria aquele que ali se jogara?

Ora recentemente fui a Janeiro de Cima visitar o meu amigo José Cortes, regressado à aldeia após uma vida de missão na Amazónia.

O anfitrião fez uma visita guiada pela sua Aldeia de Xisto e a certa altura chegámos à Rua do Jogo da Bola. Alto lá, o que é isto?

No momento passava na rua um senhor um pouco mais velho que nós e a quem o Zé pediu a confirmação das suas recordações de infância.

Nos anos 50 e 60 do século passado ainda ali se jogava um jogo com uma bola de madeira, feita de uma noça de pinheiro, acabada de arredondar por um carpinteiro. Não havia equipas, o jogo era individual e a ordem do lançamento da bola à mão era determinada por uma ordenação prévia obtida pela pontuação de cada um ao lançar a bola contra uns paus colocados ao alto, a certa distância.

Seguia-se o jogo propriamente dito. A bola era lançada por cada jogador, o mais longe possível. Por vezes a bola rachava logo ao bater no solo. Alguns jogadores que lançavam a bola até ao limite visível da rua tinham a sorte de ali o chão começar a descer e então todos, jogadores e assistência, se deslocavam para a parte da rua fora da vista, para conferir até onde fora a bola. Ganhava quem a lançasse mais longe. No final, iam todos beber uns copos para uma taberna que havia ali perto.

Era o jogo da bola, uma forma de convívio naquele Zêzere profundo.

Nota: Desconheço se se escreve noça ou nossa, mas inclino-me para a primeira; alguns pinheiros e outras árvores ganham, normalmente rente ao solo, uma saliência arredondada a que o povo chamava noça (ou nossa).

José Teodoro Prata

quinta-feira, 12 de junho de 2025

António Morão e José Jerónimo

 Estes dois padres, o nosso Padre Jerónimo e o Pe. António Morão, que paroquiava a Orca, deram um contributo muito importante para a consciencialização dos cristãos da necessidade de democratizar Portugal, antes e depois do 25 de Abril. 

Neste fim de semana de 14 e 15 de junho, inúmeros personalidades da região irão à Orca homenagear o Pe. António Morão, este ano em que se prefazem 100 anos do seu nascimento. Deixo-vos um texto que escrevi para um podcast que passou na Rádio Castelo Branco, no âmbito das comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril.

A Homilia da Paz do Bispo do Porto, no dia 1 de janeiro de 1974, teve enorme repercussão entre os cristãos. Também nesse dia, um grupo de cristãos fez uma Vigília pela Paz, na capela do Rato, em Lisboa. Nela Sophia de Mello Breyner Andresen compôs a Cantata pela Paz, que começa pelos versos “Vemos ouvimos e lemos, não podemos ignorar.”

Estas ações vieram agitar as consciências dos cristãos, até então muito acomodados e até ativos colaboradores do regime ditatorial.

Logo nesse mês de janeiro, Frei Bento Domingos publicou na revista Brotéria um artigo que saiu no Jornal do Fundão, a 17 de março. Nele o autor refletia sobre a opção dos cristãos pelo socialismo, alicerçando-se na doutrina dos papas João XXIII e Paulo VI e nas tomadas de posição de muitos cristãos, dentro e fora da hierarquia da Igreja Católica.

Imediatamente após o 25 de Abril, a 12 de maio, um grupo de sacerdotes publicou no Jornal do Fundão o seu apoio ao Movimento das Forças Armadas e ao programa da Junta de Salvação Nacional, dando assim o seu contributo para o processo de democratização do país.

Estes sacerdotes viriam depois a fundar um núcleo regional do Movimento dos Cristãos pelo Socialismo, um movimento cristão, internacional e não partidário, dos anos 70. Em toda esta dinâmica regional dos cristãos progressistas, o Pe. António Morão desempenhou um papel muito importante.

(Nota: O socialismo que aqui se refere é o que está consignado na nossa Constituição e que é apelidado de social-democracia e trabalhismo no norte da Europa e de socialismo mais no sul da Europa - palavras diferentes para designar a mesma ideologia política.)

José Teodoro Prata