Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para dosenxidrosgardunha@gmail.com
sábado, 27 de abril de 2024
quinta-feira, 25 de abril de 2024
25 de Abril - 50 Anos
Está a ser bonita a festa!
Tenho andado pelas escolas e sente-se um entusiasmo com o 25 de Abril / Democracia, como não me lembro de existir, mesmo em 1975.
Penso que o genocído em Gaza, patrocinado pelo Ocidente, a par do que se passa na Ucrâcia e da ânsia dos políticos europeus de levarem a guerra o mais longe possível, a par dos populismos de extrema-direita na Europa (tipo Chega em Portugal) estão a criar uma crise existencial nas pessoas, que as leva a agarrarem-se à nossa democracia, simbolizada no 25 de Abril.
Vemo-nos domingo, no nosso 25 de Abril, às 15:30h, na sala da Junta de Fregueisa,
Deixo-vos com o grande Fausto e o seu Marcolino, das longas viagens: https://youtu.be/v_1VjgA_7Go?si=OqJ8Mj1J9VwgYjZz
José Teodoro Prata
segunda-feira, 22 de abril de 2024
Discriminações
Na escola:
Quando
acabei o 2.º ano da Telescola, não foi fácil conseguir autorização dos meus pais
para continuar a estudar. Valeu-me uma enorme teimosia e as ajudas do Padre
Branco e da Dona Teresinha.
Naquele
tempo, em aldeias pobres como a nossa, muitas crianças não iam além da quarta
classe: começavam cedo a trabalhar no campo, nas obras, nas fábricas ou a
servir nas casas ricas da cidade. Das que continuavam a estudar, poucas
aspiravam chegar à faculdade, por isso iam quase sempre para a Escola Técnica, que
dava maior garantia de trabalho imediato (muitos rapazes iam par o seminário).
Eu, sem nenhuma razão consciente, matriculei-me no Liceu. Era o ano letivo de
1969/1970.
Por
essa altura, percebi depois, o Liceu de Castelo Branco era uma escola bastante elitista:
via-se pela arquitetura do edifício; pela figura de um reitor todo-poderoso que
raramente se deixava ver, mas temíamos; pelos professores que abusavam da
autoridade e do estatuto, e eram distantes no relacionamento com os alunos; pelo
rigor na separação entre sexos; sobretudo pelo critério discriminatório
utilizado na constituição das turmas.
Nas
turmas A e B andavam os filhos das famílias “bem” da cidade: advogados,
médicos, entidades administrativas do Concelho, militares, grandes
proprietários ou homens de negócios. Raramente se misturavam com os outros
alunos, nem nos corredores, nem nos recreios, muito menos na rua. Só faltava
terem uma porta diferente para entrar e sair. O modelo seria semelhante em todo
o país.
Eu
pertenci sempre à turma C ou D. Na altura, nem tive consciência de que esse
facto poderia estar a determinar o meu futuro. Só mais tarde percebi como aquela
escola era o instrumento de um sistema educativo injusto, competitivo e
elitista, que deixava para trás várias gerações de alunos, não por serem menos
competentes que outros, mas apenas com base na origem social e geográfica: os
professores, os livros e vários outros aspetos do contexto educativo poderiam
ser iguais para todos, mas as expetativas, crenças e preconceitos que se
criavam sobre o desempenho de cada um dos grupos influenciavam os resultados. Para
além deste efeito psicológico altamente penalizador dos alunos das classes
sociais mais baixas, sabia-se que os professores eram pressionados a não dar
notas mais altas aos alunos dessas turmas, que as que davam aos das turmas A e
B, mesmo que as merecessem.
Isto
acontecia ainda no início da década de setenta, já depois das reformas do Ministro
Veiga Simão, que prometiam introduzir alguma democratização no ensino. Só após o
25 de Abril de 1974, com o fim dos Liceus e Escolas Técnicas, a criação das
Escolas Secundárias e o alargamento da escolaridade obrigatória, o Sistema
Educativo se democratizou. Começou então a falar-se numa Escola para todos e na
Educação como elevador social. E foi de facto um dos setores da sociedade que
mais evoluiu neste meio século. Apesar disso, passados 50 anos, é evidente como
o elevador continua a subir mais facilmente para determinados grupos; para
outros é ainda muito vagaroso. As causas estarão, em grande parte, nas
assimetrias sociais que continuam a dividir o país, e permitem que haja ainda
escolas para ricos e escolas para pobres. Os rankings publicados anualmente são
disso uma evidência escandalosa.
No trabalho:
Numas
férias de verão fui oferecer-me para a vindima nas Vinhas do Poço (naquele
tempo as vindimas faziam-se em finais de setembro e as aulas começavam só em
outubro). Olharam-me com cara de quem não acreditava muito nas minhas
capacidades, mas devem-me ter valido os créditos herdados dos meus pais e avós,
gente de muito trabalho e boas referências. Disseram que me apresentasse na
segunda-feira de manhã na Fonte Velha, que era onde se juntava o pessoal
apalavrado. Só tinha que levar uma cesta, uma faca que cortasse bem e a
merenda. Estava tão ansiosa que fui das primeiras a chegar.
Éramos
um rancho grande de homens e mulheres, toda a gente muito animada, a pé, pela estrada
adiante até às Vinhas. Era a minha primeira vez numa vindima assim tão grande,
mas estava determinada a dar tudo para mostrar que era capaz de merecer o salário.
E ia fazendo contas a ver se o que ia ganhar chegaria para os sapatos que
andava a namorar há que tempos.
Quando
chegámos, as mulheres distribuíram-se pela vinha, cada uma no seu carreiro, a
colher as uvas. Trabalho duro: costas curvadas o dia inteiro e o olhar do
feitor, sempre em cima de nós, atento ao que fazíamos, principalmente se
levávamos tudo a eito ou metíamos à boca mais que a conta de bagos de uva. Os
homens carregavam os cestos que íamos enchendo, até ao sítio onde pisavam as
uvas. A minha cesta, mal a despejava, voltava a encher-se num instante. Fui até
repreendida por me adiantar um pouco às outras mulheres: «Na vindima há que andar
todas a par umas das outras; é mais bonito». A partir daí fiz por acompanhar o
passo do grupo: nem à frente, nem atrás, cumprindo o ritual que, a pouco e
pouco, fui percebendo.
Não
me lembro de quanto tempo durou a vindima, mas, à medida que passavam, parece
que os dias iam ficando maiores e as costas cada vez mais doridas; mas aguentei
sem me queixar nem dar parte de fraca até ao fim. No dia do pagamento estava
ansiosa; era o meu primeiro salário! Mas o entusiasmo passou assim que vi que
aos homens pagavam uma coisa, às mulheres um pouco menos e a mim uma miséria. Perguntei
porquê e responderam-me que toda a vida os homens ganharam mais que as mulheres,
e eu também não podia querer o mesmo que uma mulher já feita. Foi uma desilusão;
e senti-me discriminada não apenas pelo patrão, mas também pelas outras
mulheres, que olhavam para mim a achar que era justo que assim fosse. Na altura
nem percebi que era a luta pelo pão a sobrepor-se a qualquer tentativa de
solidariedade. Naquele tempo, pensava-se lá em enfrentar os patrões por
melhores condições e igualdade no trabalho?!
Já
lá vão mais de cinquenta anos desde que isto aconteceu. Entretanto a situação
laboral das mulheres melhorou significativamente, mas, reminiscências de um
passado que não queríamos tão presente, uma das grandes reivindicações das
mulheres continua a ser o fim da discriminação salarial relativamente aos
homens. Salário igual para trabalho
igual!
M.L.
Ferreira
terça-feira, 26 de março de 2024
25 de ABRIL - 50 Anos: Atalaia do Campo
Memórias:
«Andava no Externato de Alpedrinha e era hábito um dos alunos almoçar na mesa dos professores (diziam que era para aprendermos como nos devíamos comportar à mesa). Nesse dia coube-me a mim. Percebi que alguma coisa se passava porque, já estávamos todos sentados quando chegou o padre (?). Parecia que vinha nervoso e ouvi-o dizer para os outros professores: “A coisa lá por Lisboa está feia. Dizem que o Marcelo Caetano não se quer render e parece que até já há mortes”.»;
«Eu era freira e trabalhava numa Missão em Angola. No dia 25 de Abril, estava num hospital de Luanda para onde levavam os soldados feridos na guerra. Eram rapazinhos novos, alguns já sem pernas ou sem braços; brancos para um lado, pretos para o outro; diziam-nos que em primeiro lugar tínhamos que acudir aos brancos, mas eu sempre tratei todos por igual. O 25 de Abril foi bom porque acabou com aquela guerra que matou tanta gente»;
«Antes do 25 de Abril, ainda em solteiro, trabalhei uns tempos na prisão de Caxias. Fazia o que fosse preciso, que me ajeitava para tudo. Vi por lá muita coisa, mas o que mais me dava que pensar era ver entrar gente quase todos os dias, e raramente de lá via sair alguém.»;
«Não tenho lembrança nenhuma desse dia. Deve ter sido igual aos outros, a trabalhar. E naquele tempo a gente nem tinha televisão em casa para ver as notícias, só os ricos é que tinham. Depois começou a aparecer por cá muita gente para falar connosco e diziam-nos que agora era o povo que mandava, e já podíamos votar todos, até as mulheres.»;
«No dia 25 de Abril não houve escola. Fui para casa duma colega que tinha televisão e ficámos a ver. Lembro-me que à noite, quando os meus pais chegaram a casa, vinham preocupados, a dizer que se calhar a fábrica ia fechar e eles ficavam sem trabalho.»;
«Não me lembro muito bem do dia 25 de Abril porque era pequena. Do que mais me lembro, depois, foi de ir com os meus pais às manifestações e aos comícios, de ver muita gente na rua, todos contentes, de braços no ar. Para mim, aquilo era uma festa!»;
«Já não me lembro muito bem como é que foi o 25 de abril, mas lembro-me que já há uns poucos de anos fui numa excursão a Fátima, e também fomos a Peniche. Entrámos lá num sítio onde nos disseram que tinha sido ali que esteve preso o Álvaro Cunhal. Também nos contaram que ele se tinha atirado ao mar para fugir. Até me arrepiei toda.»;
«No 25 de Abril ainda andava no liceu, em Castelo Branco. Uns tempo antes já eu e mais alguns colegas, às escondidas, andávamos a deixar panfletos contra o regime pelos corredores e salas do liceu. Os contínuos andavam de olho alerta, mas nós trocávamos-lhes as voltas. Acho que nunca chegaram a saber ao certo, mas desconfiavam de nós: no dia 24, o reitor chamou-nos ao gabinete, um de cada vez, e ameaçou expulsar-nos por “mau comportamento”. Não era a primeira vez, mas aquela foi a última. Nos dias a seguir, foi uma festa, com foguetes e tudo! Até ao fim do ano já poucas aulas tivemos.»;
«Tinha acabado de ser mãe e acordei durante a noite para dar de mamar ao meu filho. Liguei a telefonia, um hábito antigo, mas a música que estava a dar era diferente da que costumava ouvir àquela hora. Gostei daquela música diferente, e fiquei a ouvir, sem imaginar ainda o que estava a acontecer. No aconchego do berço, o meu filho já dormia tranquilamente; de vez em quando parecia sorrir, como se estivesse a ter um sonho lindo.».
M. L. Ferreira
25 de ABRIL - 50 Anos: Mulheres da Liberdade
Mural na Avenida de Berna, em frente da Gulbenkian, onde a figura de Salgueiro Maia se destaca, mas as mulheres aparecem também com muita força (da Internet)
Muitas estiveram na primeira linha da
resistência contra a ditadura do Estado Novo, opressor de um povo inteiro, mas
sobretudo das mulheres. Nos campos, nas fábricas, nas prisões, nas
universidades, ou na clandestinidade, as suas vidas ficaram imortalizadas nas
nossas memórias. Outras, sendo pilares fundamentais da vida dos maridos,
ficaram na sombra da sua luta heróica, e delas não reza a História.
Há
tempos estive num almoço em Alcains. O pretexto era a comemoração de mais um
aniversário de Ramalho Eanes, mas a presença do jornalista Fernando Alves, dos
maiores do nosso tempo, e de Carlos Beato, um dos milicianos que acompanharam Salgueiro
Maia até Lisboa na madrugada do dia 25 de Abril de 1974, foram a motivação
principal. Nada como ouvir falar da História (várias histórias) pelas palavras
de quem a fez.
Na
mesa estava também Ju Beato, a mulher de Carlos Beato e foi bonito ouvi-lo
falar do papel determinante que o apoio dela também teve naquele SIM, sem
qualquer dúvida, quando foi abordado por Salgueiro Maia.
Foram tempos difíceis para ela: muito jovem e casada há pouco tempo; vinda do Alentejo para Santarém, cidade que lhe era completamente estranha; inquieta por saber o marido envolvido numa missão daquela grandeza e sempre à espera que fosse a PIDE, cada vez que a campainha tocava. Mas manteve firme o seu apoio à causa dele, que era também a sua (partilhavam o gosto pelas cantigas do Zeca Afonso, do Sérgio Godinho, do José Mário Branco e outros cantores censurados pelo regime e lhes alimentavam a esperança). Naquela noite de tanta ansiedade, quase desejou que a senha não chegasse a ser dada, mas quando começou a ouvir na rádio a Grândola Vila Morena, mesmo de coração apertado, não teve dúvidas.
E lembrei-me de Lourdes Pedro, “Esteio da Vida de Edmundo Pedro”, como consta do título da biografia escrita por Amílcar Faustino. Uma mulher com uma coragem e força fora do comum no apoio ao marido, perseguido, preso e torturado várias vezes; na ajuda a muitas outras pessoas perseguidas pelo regime, que precisavam de ajuda; a quem a PIDE revirou do avesso, várias vezes, a casa e a vida, mas soube sempre levantar-se com enorme determinação; que enfrentou o sistema, reivindicando melhores condições para os presos político; que quase passou fome e, num dia de aniversário, o que lhe valeu foram os cem escudos que a mãe lhe deu para comprar uma prenda, mas foi com eles que pagou as viagens até Caxias para visitar o marido na prisão; que se viu privada de ver o crescimento da filha como qualquer mãe ou pai desejam, por ter que trabalhar pelos dois ou por andar escondida a fugir à prisão, acusada de ser cúmplice nas atividades e tentativas de fuga do marido.
São apenas dois exemplos de mulheres de coragem, determinantes na luta dos companheiros pelo fim de uma ditadura de tantos anos. É também a elas, e a tantas outras heroínas desconhecidas, que devemos a Democracia, a Liberdade e a Igualdade, ainda imperfeitas e sempre em construção, em que vivemos há quase 50 anos.
M. L. Ferreira
segunda-feira, 25 de março de 2024
Palestra do Santo Cristo
sábado, 23 de março de 2024
Senhor Santo Cristo dos Milagres, Açores
As semelhanças entre o culto do Santo Cristo nos Açores (Ponta Delgada, São Miguel) e em São Vicente da Beira são impressionantes!
https://journals.openedition.org/cultura/347
José Teodoro Prata
quinta-feira, 21 de março de 2024
segunda-feira, 18 de março de 2024
De volta à Casa Grande de Romarigães
Dos livros que li do Aquilino Ribeiro, este será o maior. É um romance que conta a história de várias gerações de uma família aristocrática do Minho, com os seus altos e baixos, e muitos pecados, relacionando-a, em vários momentos, com a História de Portugal no período entre os finais da Dinastia Filipina e a guerra civil que opôs D. Pedro a D. Miguel.
O
excerto que deixo conta-nos o desespero de Luis de Azevedo, já a família ia na 6.ª
geração, que, sem herdeiros legítimos vivos, se encontra na iminência de o
morgadio cair nas mãos de um sobrinho por quem não morria de amores. Tenta, por
isso, recuperar um dos filhos que tivera com a governanta e enjeitara na roda.
Depois
de descobrir quem o tinha recolhido (um cirieiro de Braga), começa a rondar-lhe
a porta. Não foi fácil ganhar confiança, principalmente a do menino, quatro
anos ariscos, pouco dado a mimos de estranhos.
Um
dia apresentou-se na loja do cirieiro com um embrulho onde levava um carapucinho de lã de camelo, uma corneta de
barro de Barcelos e dois burrinhos também de loiça para lhe oferecer. Assim
que vê, vindo do interior da casa, agarra-o pelo bibe, mas a criança tenta
fugir-lhe e dá um trambolhão:
«- Deixe o menino, olhe que lhe pode arrancar o bracinho… - murmurou o cirieiro para Luís de Azevedo que lhe metia os bonitos à cara com a mão livre.
O
menino, ou porque a mão de Luís de Azevedo lhe pesasse, ou porque não lhe fosse
simpática aquela preensão, desdenhando da oferta, rompeu a fazer beicinho. Dali
a pouco estava num berreiro pegado que, sacudindo a senhora Felismina da
oficina, a projectou ali em pé-de-vento (….).
-
Então, meu filho, então, ninguém te faz mal! – exclamou ela estendendo-lhe os braços.
– Este senhor não é a côca. Olha, olha, este senhor traz-te aqui uns burrinhos…
O
pequeno continuava a berrar desalmadamente e o cirieiro disse para a mulher:
-
Tira-o lá para dentro.
-
Não. Não tire o menino lá para dentro. Deixe-o aqui…
Pronunciou
estas palavras com voz a tal ponto alterada que o cirieiro retorquiu:
-
Deixe-o aqui…Para quê, se não queda mal o perguntar!?
-
O menino é meu. É meu e quero levá-lo comigo.
(……)
-
O menino é seu?! Ah! ah!, deixa-me rir. O menino é nosso, meu e da minha
mulher. Trinta vezes nosso. Quem o salvou de morrer naquela manhã de geada,
porque afinal na roda poucos são os que escapam?! Quem Foi?! Quem o acalentou?!
Quem o vestiu?! Quem o traz medrado e limpo?! Olhe que até uma cabra comprámos
para lhe dar leite. Queria então tirar-nos o menino, hem? Não queria mais
nada?! Com que direito, seu homem?!
-
O menino é meu e vou-lhe dar os sinais com que foi depositado na roda. Trazia
ao pescoço uma bolsinha de seda azul com o nome: Telmo, escrito num pedaço de
pergaminho. Diga lá: não é assim que se chama?
-
Chama-se Telmo, chama, e que prova lá isso? Vossa Mercê está farto de mo ouvir
nomear…
-
Na mesma bolsinha trazia também um dobrão de oiro embrulhado num papel. O papel
dizia. Para as primeiras despesas. O mais
virá depois. É assim ou não é assim?
-
Não encontrámos lá nada. Assim Deus nos salve. O que lá trazia era um dente de
alho e cinco pedras de sal. Sim senhor, trazem-no todos os enjeitadinhos –
exclamou de lá a mulher, em voz traindo reticente surpresa, entremeada de notas
altas de indignação…
-
Os cueirinhos eram de cambraia com debrum azul…
-
Qual cambraia nem meio cambraia! Vinha embrulhado em estopa, uma toalha grossa
de estopa, que ainda para aí anda.
-
Então é porque na roda roubaram o exposto.
-
Roubaram quê, não roubaram nada! As freirinhas eram incapazes dessa má acção.
Ainda mais com aquela que era então a madre-rodeira, e ainda é, no Convento de
N.ª S.ª da Conceição! Toda a gente diz que em Braga não há mais santa
-
E quem me garante que a madre-rodeira estava no acto? Pode ser que fossem as
criadas que roubassem o exposto.
-
Roubar-nos queria agora o senhor, mas engana-se. Nem que viesse o alcaide-mor
com os quadrilheiros todos que há em Braga. Então não queria lá ver, uma pessoa
toma-se de amizade por uma criaturinha destas, apaparica-a, tudo é meu
santo-antoninho onde te porei, e às duas por três rompe um figurão e diz: Dê-me
o menino que é meu! Dou-lhe mas é uma grande cachaporra! Com que direito? Diga
lá?!
- Senhor Aniceto do Bento Lado e mais senhora, estou disposto a pagar-lhes, sem regatear as despesas que fizeram com o menino e a recompensá-los ainda, com a maior largueza, pela ternura e amor que lhes mereceu. Mas tenho de o levar, custe o que custar. O processo está em andamento no Juiz dos Órfãos. Vale mais darem-mo a bem…».
Este relato diz-nos bem como Aquilino Ribeiro conhecia o processo e todas as vicissitudes que envolviam a exposição de crianças naqueles tempos. A forma simples, por vezes subtil e com muito humor, como é hábito nele, engrandece e torna ainda mais verosímil a história.
M.L.
Ferreira
sexta-feira, 15 de março de 2024
Andam corças...
Eu vinha de carro a sair da lomba e ela teve de apressar a corrida, mas veio logo outro veículo em sentido contrário e a corça teve de se esticar toda para conseguir escapar. Seguiu depois pelo caminho que dá entrada no pinhal do sr. Francisco Ventura.
As corças devem ter aí um corredor de passagem, pois há uns tempos uma corça chocou com um carro que ia a passar, sensivelmente naquele local.
Andam corças pelos bosques e pelas estradas!
José Teodoro Prata
quarta-feira, 13 de março de 2024
segunda-feira, 11 de março de 2024
Legislativas 2024
Consultar os resultados da nossa freguesia, aqui:
https://www.legislativas2024.mai.gov.pt/resultados/territorio-nacional?local=LOCAL-050222
Quanto aos resultados dos dois primeiros partidos, como de costume, na nossa freguesia ganhou quem venceu a nível nacional.
O resultado do Chega foi aqui também muito semelhante ao nacional. Considerando as opiniões manifestadas por este partido sobre as mulheres, as minorias e os adversários, este resultado é quase um recuo civilizacional, embora, como li hoje, este partido subiu tão depressa, porque as ideias que veicula sempre cá estiveram, só que não tinham um partido que as assumisse como suas.
A crónica de Miguel Esteves Cardoso, no Público de ontem, intitulada O discurso do ódio, começava assim:
Diz-se que "já não há fascismo nem nazismo". Pois não. Mas a natureza humana não mudou, e os instintos humanos que levaram ao fascismo e ao nazismo continuam a ser os mesmos de sempre.
José Teodoro Prata
sexta-feira, 8 de março de 2024
Mulheres e Revolução
Elas fizeram greves de braços caídos.
Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta.
Elas gritaram à vizinha que era fascista.
Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas.
Elas vieram para a rua de encarnado.
Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água.
Elas gritaram muito.
Elas encheram as ruas de cravos.
Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes.
Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua.
Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo.
Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas.
Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra.
Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho.
Elas tiveram medo e foram e não foram.
Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas.
Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro urna cruzinha laboriosa.
Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões.
Elas levantaram o braço nas grandes assembleias.
Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos.
Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é.
Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada.
Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão.
Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens.
Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam.
Elas acendem o lume.
Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado.
São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas
Maria Velho da Costa
Nota: Mulheres e Revolução é o título de um conjunto de vários textos de Maria Velho da Costa, uma das muitas mulheres que lutaram para que hoje pudéssemos festejar este dia 8 de Março em Liberdade e maior igualdade social, incluindo o direito ao voto: «Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa.» Cinquenta anos depois do 25 de Abril, é importante lembrar.
M.L. Ferreira
Ouvir aqui o texto completo de Maria Velho da Costa, 1976:
https://youtu.be/zwfgZImfSU4?si=PAeoWCljJIUnnZSV
José Teodoro Prata
quarta-feira, 6 de março de 2024
Cultivos de outono
Este alho porro ficou enorme e igual a ele tenho lá muitos (no fundo do balde estão coentros). Cada vez acho mais importantes as culturas de outono. Não me refiro às couves, pois essas são de verão, plantadas no outono já não se desenvolvem bem. Qualquer dia trago-vos cebolas novas!
José Teodoro Prata
segunda-feira, 4 de março de 2024
Conta-me histórias: a estreia
O salão da Casa do Povo encheu-se para o almoço da Comissão das Festas de Verão (cerca de 160 pessoas). A feijoada estava boa!
Após o café, cerca de metade das pessoas foram à sua vida, pois não tinham vindo a mais do que partilhar o momento do almoço e apoiar a organização. Por outro lado, o ruído era impróprio para o resto do programa.
Mas houve boa vontade de todos e soubemos adaptar-nos às circunstâncias. O ruído foi diminuindo até desaparecer e...
...apresentámos o projeto Conta-me histórias: o Pedro Inácio Gama falou-nos sobre a vida do seu pai resineiro e o José Miguel Leitão partilhou a sua experiência na resina (no fim de três dias disse ao pai que preferia que o matasse a voltar lá); O João Prata Candeias falou dos Candeias e daquela que lhes deu o apelido, a candeia de azeite; o Francisco Alves Barroso contou a história da rapadoura e da sua importância no fabrico do pão; já não houve tempo para a Maria de Fátima Jerónimo, nem para mim, mas há mais marés que marinheiros.
...o Fernando Pereira cantou as suas canções, as de sua autoria, as do cancioneiro reginal e as dos amigos que se foram cruzando com ele ao longo de uma vida de paixão pela música.
Foi bonita a festa, pá!
José Teodoro Prata
Fotografias de Rita Amaro
sexta-feira, 1 de março de 2024
Os Sanvincentinos na Grande Guerra
Luís da Costa
Luís da
Costa nasceu em São Vicente da Beira no dia dois de maio de 1895. Era filho de
Maria do Rosário Costa.
Tinha a
profissão de jornaleiro quando assentou praça no dia 14 de Fevereiro de 1916. Foi
incorporado no 2º Batalhão do R. de Infantaria 21 de Castelo Branco nesse mesmo
dia. Licenciado ainda em 14 de Fevereiro, foi domiciliar-se na freguesia de
Santa Maria Maior, na Covilhã.
Apresentou-se
novamente em 3 de maio para fazer a recruta que concluiu no dia 29 de agosto de
1916. Foi mobilizado para a Guerra e, fazendo parte do CEP, embarcou para França
no dia 21 de janeiro de 1917 integrando a 4ª Companhia do Regimento de
Infantaria 21, como soldado com o número 522.
Do seu
boletim individual de militar do C.E.P. e folha de matrícula constam as
seguintes ocorrências:
a)
Ferido
em combate por gases, e baixa ao Hospital de Sangue nº 1 no dia 24 de agosto de
1917; alta em 26 com 6 dias para convalescença;
b)
Baixa
ao Hospital de Sangue nº 1 no dia 21 de dezembro de 1917; evacuado para um H.
Base em 29; alta em 2 de janeiro;
c)
Baixa
ao hospital no dia 30 de janeiro de 1918, alta em 15 de fevereiro;
d)
Punido
algumas vezes com vários dias de detenção por ter faltado ao trabalho sem
motivo justificado;
e)
Punido
com 15 dias de prisão correcional por ter estado em ausência ilegítima durante
38 horas (ordem de serviço de 23/12/1918);
f)
Punido
com 15 dias de prisão correcional por se ter ausentado, sem autorização, desde
as 10 h do dia 28 de fevereiro de 1919 e considerado desertor desde 2 de março,
período a partir do qual a ausência foi considerada deserção.
g) Regressou a Portugal no dia 4 de abril de 1919.
Passou à
reserva ativa em 11 de abril de 1928 e à reserva territorial em 31 de dezembro
de 1936.
Não foram
encontrados registos nem testemunhos que possam dar alguma informação sobre a
vida de Luís da Costa após o seu regresso a Portugal, nomeadamente o local ou a
data do seu falecimento.
Maria Libânia Ferreira
Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra
terça-feira, 27 de fevereiro de 2024
O nosso falar: abelhudo e desabelhar
Andámos a fazer o desdobramento de uma colmeia e no final uma abelha não nos largava, por mais fumo que lhe lançássemos em cima.
- Desabelha daqui! – disse-lhe o Chico. E rimo-nos, porque a
expressão vinha mesmo a calhar.
A abelha anda sempre de um lado para o outro, numa constante
azáfama, por isso chamamos abelhudo a alguém com a mesma caraterística,
sobretudo se aparece de forma constante e inoportuna. E desabelhar é mandar o
abelhudo dar uma volta, desaparecer. Neste caso era mesmo uma abelha!
José Teodoro Prata
sábado, 24 de fevereiro de 2024
Conta-me histórias: sessão inaugural
Juntámo-nos à Comissão das Festas de Verão, para dar também o nosso contributo. O primeiro cartaz é o do projeto Conta-me Histórias, que será usasdo para publicitar todas(?) estas tertúlias.
A organização é d´Os Amigos dos Enxidros. Dos Amigos, porque a realização das tertúlias e o êxito que tiverem será sempre mérito de quem as anime e de quem vá assistir. Dos Enxidros, porque lancei o projeto através do blogue Dos Enxidros e porque os enxidros eram, no passado, os baldios da encosta da serra, entre a vila e os altos, da Oles à Senhora da Orada. Tal como os enxidros, este projeto também se quer de todos. A foto que serve de base ao cartaz é da Rua da Misericórdia, antes da demolição da casa do coronel (ela simboliza aqui um pouco do passado que estará presente em cada história que for contada).
Agradeço que divulguem o cartaz nas redes sociais que frequentam.
José Teodoro Prata
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024
Homenagem ao ZÉ TALETA
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024
O nosso falar: espigos
Levei grelos de couve-naba a uma amiga do Norte e ela gabou-me a excelência do arroz de espigos, em especial de couve galega. Cada vez que eu falava de grelos, ela respondia-me com espigos e a certa altura disparou:
- Porque é que não dizes espigos?
- Na minha terra também se diz espigos, mas aqui só se fala
em grelos… - justifiquei-me.
Quis ser simpático e coloquei-me ao nível dos albicastrenses,
mas lixei-me, pois a minha amiga não transige com as suas raízes.
No resto da conversa já só se falou de espigos.
José Teodoro Prata
sábado, 17 de fevereiro de 2024
Sem pingo de compaixão
Viriato Soromenho Marques, professor universitário, in Diário de Notícias
O filósofo Schopenhauer (1788-1860)
considerava a compaixão (Mitleid) como o sentimento moral por excelência, e por
isso uma das características fundamentais da nossa condição humana. Ser capaz
de sentir o sofrimento dos outros, sejam eles humanos ou animais, tinha, para o
pensador alemão, uma raiz ontológica fundamental. A dor dos outros, despertava
em nós uma espécie de compreensão intuitiva de que todos os seres partilham uma
vontade de viver original. Isso é válido para a mãe que corre risco de se
afogar para arrancar o seu filho das ondas, ou para o homem que se deixa imolar
pelo fogo na tentativa de salvar o seu cão. A comunhão do sofrimento rompe com
a ilusão do egoísmo, mesmo antes da nossa mortalidade o provar definitivamente.
Lembrei-me de Schopenhauer ao
perceber o crescente estado de morte ética do Ocidente. Bem sei que a política
e a ética estão muitas vezes em rota de colisão. E que o moralismo na política
internacional é usado, frequentemente, para esconder a face horrenda de
interesses inconfessáveis. Contudo, tudo tem limites. Refiro-me concretamente à
maneira inqualificável como uma série de países ocidentais reagiram a um
“relatório” de 6 páginas apresentado por Israel aos países doadores da UNRWA, a
Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina, que neste
momento é o único suporte de vida de dois milhões de sobreviventes nas ruínas
de Gaza, onde a violência das tropas de Telavive se transformou num horrendo
“novo normal”.
Israel acusou 12 funcionários da
UNRWA de terem participado nos ataques do Hamas de 7 de outubro. Mais tarde, o
número caiu para metade, dando razão ao chefe da Agência, Philippe Lazzarini,
que considerou inconsistente esse documento acusatório. Apesar de a Agência ter
13.000 funcionários, e de as acusações terem sido apontadas pelo Estado
agressor, que tem a correr contra si no ICJ, em Haia, uma séria acusação de
genocídio, a verdade é que, logo após a divulgação do texto acusatório, uma
constelação de países ocidentais decidiu - antes de qualquer investigação
independente se debruçar sobre a acusação - suspender o financiamento à UNRWA.
Escrevo aqui os nomes mais sonantes desses países que resolveram juntar-se aos
algozes do povo de Gaza: EUA, Austrália, Canadá, Reino Unido, Alemanha, França,
Itália, Países Baixos, Finlândia, Japão.
Portugal recusou integrar essa
tribo de indignidade. Escrevo-o com a alegria rara de saudar alguma medida
acertada do Governo. Pelo contrário, Lisboa aumentou o seu contributo, para
compensar a perda de financiamento provocada pelos desertores. António Guterres
nomeou uma Comissão de Investigação Independente, liderada por Catherine
Colonna, ex-ministra francesa dos Negócios Estrangeiros, suportada por 3
reputados institutos escandinavos. O relatório só estará finalizado em abril.
Isso significa que corremos o risco de muitos milhares de vidas serem perdidas,
vítimas da fome e da doença, se até lá a Agência continuar subfinanciada.
Atrevo-me a dizer que o que está em causa não são os 6 funcionários acusados,
mas a hipócrita desumanidade de Estados, saturados de uma retórica de valores e
direitos, convertidos agora à lógica de extermínio praticada por Israel.
Quem pune um povo inteiro, é quem não reconhece dignidade pessoal aos seus membros. Sem compaixão, a vida humana ficará cada vez mais descartável. Pressinto que estes são apenas os primeiros sinais de uma imensa e crescente barbárie. Intensa e sem santuários.
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024
AMOC
Há novas notícias sobre a Circulação Meridional do Atlântico (sigla AMOC, do nome inglês), popularmente conhecida por Corrente do Golfo.
Já não é a primeira vez que aqui escrevo sobre este importante fenómeno natural, que permitiu os descobrimentos portugueses e todas as posteriores navegações à vela no Atlântico. É uma corrente de água no nosso oceano, que movimenta mais água do que todos os rios terrestres juntos.
Poder ler-se um artigo aqui (mas há muita informação na net sobre este fenómeno natural):
Infelizmente, as novidades acima referidas não são boas. A corrente está a abrandar e pode vir a parar, pois a temperatura dos oceanos, nas zonas polares, está a subir muito e a água esta a perder a salinidade, devido ao degelo dos glaciares.
O fenómeno da AMOC é semelhante ao do vento: o ar movimenta-se de zonas quentes para frias e vice-versa (se a temperatura for semelhante em todas as zonas, não há vento) e a água movimenta-se de zonas quentes para frias e vice-versa, devido à temperatura da água e ao seu grau de salinidade.
Consequências? Fim dos invernos amenos nas costas atlânticas da Europa, daqui a umas dezenas de anos. Viram as notícias das recentes tempestades de neve nas costas atlânticas da América do Norte? À mesma latitude, nós temos entre 5 a 10 graus a mais do que eles.
José Teodoro Prata
domingo, 11 de fevereiro de 2024
Hipólito Raposo e os Candeias
Acabo de chegar de São Vicente, onde participei na palestra do José Miguel Teodoro sobre o patrono da nossa biblioteca, o Hipólito Raposo.
No final, desejando ligar esta personalidade
histórica com a atualidade vicentina, afirmei estar ele ligado aos Candeias, com
destaque para o João Prata Candeias, que estava presente.
A verdade é que a sua ligação é direta não com este, mas com
os primos dele, filhos de João Candeias e Maria de Jesus, pois esta descende
dos mesmos antepassados do Hipólito Raposo (na próxima terça-feira completam-se
139 anos que nasceu Hipólito Raposo, na casa onde vive atualmente a sua familiar
Amélia Candeias com o marido Carlos Cruz).
De facto, existe uma outra ligação ainda mais antiga aos
Candeias e foi essa que me levou ao equívoco:
Em 1840, casaram José Hipólito de Jesus e Ana Raposa, esta
filha de Maria Candeias e neta de Ana dos Santos Candeias. Desse casamento
nasceu, entre outros, João Hipólito Vaz Raposo, que casou com Maria Adelaide Gama,
em 1872. Tiveram, entre outros, José Hipólito Vaz Raposo, o conhecido patrono
da biblioteca, que nasceu em 1885. Afinal, era a avó paterna do Hipólito Raposo que era dos Candeias.
Obrigado ao José Miguel Teodoro que veio de Lisboa de propósito
para partilhar uns momentos connosco. E às dinamizadoras da biblioteca (Celeste,
Libânia e Conceição), que organizaram o evento e nos ofereceram o lanche que permitiu
prolongar o nosso convívio.
José Teodoro Prata
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024
sábado, 3 de fevereiro de 2024
Mais uma corça lusitana
No livro Novelas do Minho, de Camilo Castelo Branco, mais propriamente na novela Maria Moisés, refere-se a origem do topónimo Santarém.
Já aqui escrevemos sobre o culto da corça pelos Celtas (0s
Lusitanos eram Celtas) e da sua presença nas lendas de São Pedro de
Vir-A-Corça, Monsanto, e da Senhora da Orada, São Vicente da Beira.
Mas vamos então ao Camilo:
O rei da Lusitânia Gorgoris teve uma
filha que se apaixonou por um homem de baixa extração. O que denunciou estes
amores foi, diz Bernardo de Brito em uma palavra de cunho português de
lei, foi a «emprenhidão».
- Credo! Que palavra! – exclamou com engulho
D. Maria Tibúrcia.
- Não parece palavra de pessoa
eclesiástica! – notou a outra senhora não menos escandalizada.
O mano Teutónio, como tinha piscado o
olho direito ao cónego, ria-se, e o cónego, com a maior gravidade, disse:
- Minhas senhoras, os antigos faziam
as coisas e diziam-nas; hoje em dia a civilidade não permite dizê-las. Ande lá
com a filha de Gorgoris, sr. desembargador.
- Deu ela à luz um menino, que o avô
deitou às feras; e, como as feras o não comessem, atirou-o ao Tejo. Foi o
menino encontrado no sítio que hoje chamam Santarém; e, como quer que uma corça
lhe desse o primeiro leite, chamou-se o menino Abidis, e daí veio
chamar-se o lugar Esca Abis (manjar de Abidis), e, corrupto, Scalabis,
etc.
Notas:
Frei Bernardo de Brito (1569-1617) escreveu uma
monumental História de Portugal, em oito volumes, chamada Monarchia Lusitana.
É a ela que o desembargador se refere para explicar a origem do nome Santarém.
Nestas 3 situações em que intervém uma corça a amamentar um
bebé nascido de uma gravidez indesejada (no caso da nossa Orada, a corça
alimenta a moça ainda grávida), a corça é como uma mãe que se dá num amor
incondicional. Seria essa a caraterística que os Celtas atribuíam à corça, no
culto que lhe prestavam?
José Teodoro Prata
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024
segunda-feira, 29 de janeiro de 2024
Festa de São Vicente e São Sebastião
É um santo bem esquecido dentro da Igreja Católica, o nosso
São Vicente (há muitos santos Vicente, o nosso é o de Saragoça). Nas Jornadas
Mundiais da Juventude falou-se nele, pois é o padroeiro de Lisboa, a sede do patriarcado
em que se realizaram as jornadas. Mas a net (não estive cá na altura) dá-me informações
pouco substanciais do que foi dito.
Nós próprios o largámos de mão, logo no século XVII, quando o
trocámos por Nossa Senhora como padroeira da nossa igreja. Ele nem padre era,
apenas um diácono (grau anterior à ordenação sacerdotal), quando foi preso,
torturado e morto pelos romanos, por teimar entusiasticamente em proclamar a
sua fé em Cristo (o bispo da sua diocese foi apenas exilado).
Vicente, tal como muitos outros mártires cristãos da Hispânia,
tornou-se logo um símbolo da resistência dos cristãos às perseguições e um
exemplo de fé para os não cristãos (a maioria da população; na região onde
vivemos ainda quase nem chegara o Cristianismo).
O seu culto foi crescendo, tornando-se um dos santos mais
adorados pelos romanos, depois pelos visigodos e, a partir dos inícios do
século VIII, pelos cristãos que persistiram em manter a sua fé cristã, sob
domínio muçulmano (a maioria converteu-se ao Islamismo), os moçárabes. A zona
da nossa freguesia seria um dos locais onde o seu culto era bem forte no
período da Reconquista, sendo por isso que logo se restaurou a povoação ali
existente e lhe foi dado o nome do santo, São Vicente. E durante a Idade Média
havia feira franca em São Vicente da Beira, no dia 22 de janeiro, o dia da sua
festa.
Como acima escrevi, trocámo-lo por Nossa Senhora como divindade
protetora e a sua festa realiza-se agora em conjunto com a de São Sebastião, que
tem poderes de proteger contra as pestes (ontem, à porta da capela, alguém
enrolava uma fita vermelha ao pescoço e dizia que o santo o protegia das
bichas) e promove a partilha cristã, pela realização de bodos para os pobres,
ainda ontem simbolizado pela distribuição de papos-secos, tremoços e filhós
(estavam boas).
Terminada a cerimónia religiosa, o simbolismo do bodo de São
Sebastião prolongou-se por um almoço-convívio na Casa do Povo, que encheu o
salão e se prolongou pela tarde. Obrigado ao Hélder Agostinho que penso ser o
mordomo de São Sebastião e coordenou toda a festa religiosa e profana, obrigado
extensivo à sua família e a todos, muitos, que se fartaram de trabalhar para
proporcionar à nossa comunidade este momento de convívio e partilha.
José Teodoro Prata
quinta-feira, 25 de janeiro de 2024
O nosso falar: lambeteirice
Estava num hipermercado com a minha mulher e, esgotada a lista de compras, perguntei-lhe:
- Não compramos nenhuma lambeteirice?
Que palavra! Na casa dos meus pais usavamo-la como sinónimo de guloseima, no sentido pecaminoso do termo (pretendia-se repreender a ato já praticado ou apenas desejado de gulodice).
Neste palavra, a net fica quase muda quando lhe pergunto. Só me mostra o lambeteiro, o mesmo que lambeta: mexeriqueiro e delator (Brasil), bajulador e adulador.
A lambeteirice lambe-se, se o guloso se controlar, claro. Em sentido figurado, o mesmo faz o bajulador e o adulador.
José Teodoro Prata
segunda-feira, 22 de janeiro de 2024
quarta-feira, 17 de janeiro de 2024
Pelas brumas da Gardunha
O velho petrus
Ternura entre seres imperfeitos
Ave esculpida no granito
Fotos, legendas e título do
Francisco Barroso
José Teodoro Prata
segunda-feira, 15 de janeiro de 2024
Sobre a importância da Língua Portuguesa
Uma das coisas que me entristece muito é a dificuldade que tenho em manter uma conversa normal com os meus familiares que vivem no estrangeiro, principalmente os meus sobrinhos que já por lá nasceram. Os pais, por razões que percebo, deixaram-se levar pelo receio das mentalidades xenófobas dos países de “acolhimento”, que, por muito que disfarçassem, mais não cuidavam que da força dos braços dos emigrantes, ignorando (ridicularizando até) dimensões importantes da sua cultura. Foi o caso, por exemplo, da Língua Portuguesa, que quase desapareceu dos lares de muitas famílias que vivem lá fora.
Portugal
poderia ter criado condições que evitassem esta situação, mas, mesmo sabendo
que a Língua Portuguesa é um dos principais elos entre muitos milhões de
pessoas, e que havia que cuidá-la, muito ficou por fazer.
Tenho
andado a ler o livro de Seixas da Costa «Antes que me Esqueça», em que, para
além da insinuação dos muitos almoços e jantares a que o Corpo Diplomático tem
de assistir, aborda temas/episódios curiosos sobre as relações entre os
diversos países e instituições.
Num
dos textos, a que chamou “Demasiada memória” fala da sua missão em Angola na
década de 1980: conta alguns problemas que existiam a propósito da liberdade de
expressão na imprensa (sempre tão atual!), e termina a falar na importância da
nossa Língua, comum a tanta gente. É este trecho que partilho com quem não
conhece o livro:
«… À
época, os editoriais do Jornal de Angola contra
Portugal sucediam-se. A embaixada portuguesa em Luanda optara por não reagir,
de modo a que essa catarse mediática não fosse estimulada por um contraditório
que se via como de escassa eficácia. Por isso líamos matinalmente essas colunas
agressivas e através delas íamos apenas medindo a febre de acrimónia contra
Lisboa, esperando que o tempo a atenuasse, como de facto acabou por suceder.
Um
dia vi publicado um texto de rara violência, já não sei bem a propósito de quê.
Nele se referia que Portugal, como «o miserável país das caravelas decrépitas»
era um colonizador frustrado, porque, contrariamente a outros, não deixara em
Angola nenhuma herança positiva.
Sem
consultar o meu embaixador, tomei a iniciativa de telefonar ao autor do texto.
Era um jornalista e escritor de algum mérito, nascido em Portugal (…).
Disse-lhe
que tinha lido o seu texto com interesse e queria felicitá-lo pelo mesmo. Do
lado de lá da linha a resposta foi a esperada: «Você está a gozar comigo?»
Respondi-lhe que não estava e que o artigo, cuja liberdade de apreciação sobre
Portugal eu não contestava, comportava, contudo, uma evidente contradição de
que ele talvez não se tivesse dado conta, mas que era a única razão do meu
telefonema. O meu interlocutor estava cada vez mais perplexo. Até pela
deliberada cordialidade que atravessava o meu discurso. Pelo que decidi
explicar: «O seu artigo, independentemente do conteúdo agressivo contra o meu
país, (…), está extremamente bem escrito e exprime, de forma brilhante, uma
leitura crítica do comportamento do meu governo. Embora eu não concorde rigorosamente
em nada com aquilo que escreveu, quero dizer-lhe que você está no pleníssimo
direito de exprimir aquilo que pensa, embora eu imagino o que “por aí iria”se
lá em Lisboa, o Diário de Notícias (…) se abalançasse a escrever uma coisa de
natureza similar sobre o governo angolano, Mas não é essa hoje a minha questão.
O que eu queria sublinha é que o texto está redigido num português exemplar,
numa escrita de grande elegância estilística. Ora, você, diz nesse mesmo texto
que nada ficou em Angola de herança lusitana! E essa língua em que você escreve
tão bem? É uma herança de quem? Ou será que você é capaz de escrever um
editorial em quimbundo, em umbundo ou em chócue, que qualquer angolano que
saiba ler possa perceber? E em que língua se publica o Jornal de Angola? Que outra língua une hoje politicamente Angola?
Esta é ou não é uma herança do tempo colonial?
(…)»
Claro
que este texto pode levantar algumas questões relacionadas com a colonização ou
as relações bilaterais, mesmo depois da independência; mas a razão por que o
trouxe foi por comungar da ideia que nos dá de que, o maior legado que deixámos
pelos lugares onde andámos, foi a Língua Portuguesa.
Quem
é que, andando por fora do país, não vira logo a cabeça se ouve alguém a falar
a nossa língua? É uma sensação estranha, mas de conforto…
M. L. Ferreira