domingo, 22 de dezembro de 2024

Natal de uma (nossa) emigrante

O MEU PRIMEIRO NATAL NO BRASIL

Maria de Lourdes Hortas

Foi em Olinda. Chegamos a Pernambuco em outubro de 1950. Ficamos na casa de um amigo do meu pai, no Bairro Novo. E lá passamos o primeiro natal brasileiro. O calor não me permitia acreditar que o aniversário de Jesus pudesse acontecer sem neve, sem filhoses, sem madeiro ardendo na praça, sem a minha avó e o meu avô, sem o cheiro de resina no pinheiro na árvore, sem o musgo apanhado na ribeira, para o presépio.

Tudo era absurdamente estranho e melancólico para o meu coraçãozinho de imigrante de apenas 10 anos.

Dias antes, uma das meninas da casa me revelou que o Pai Natal (Papai Noel, no Brasil, até isso era diferente) não existia...

Me lembro bem. Passeávamos na praia, as ondas revoltas do mar subiram, carregadas de sal, e apagaram a ilusão, como uma rajada de vento apaga uma candeia. Em silêncio engoli algumas lágrimas ...

- Não existe?!...

E o Menino Jesus? Lá, em São Vicente, era Ele que vinha, descendo pela chaminé. Na fria madrugada do dia 25 podia jurar que ouvia seus passos de pluma e que na manhã seguinte os via impressos na neve...

Categórica, a menina concluiu:

-Também não...

Houve peru e abacaxi naquela ceia de Natal. A prenda, deixada no meu sapato, foi um vestido de xadrez, em tafetá. Era lindo. Cheirava a alfazema, ao mesmo perfume das meninas anfitriãs.

Lembrei de um outro vestido, prenda de outro Natal. Era de lã cor de rosa. E minha mãe me disse, muito contrita, que tinha sido tricotado por Nossa Senhora, nos serões do Céu.

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Agora, minha Mãe e Nossa Senhora talvez estejam tecendo outro vestido, para mim: com ele espero me apresentar, à grande Ceia do Senhor.

(Do livro de inédito de memórias AS CASAS DO DESTINO.)


José Teodoro Prata

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