Na Praça, junto ao balcão da antiga Câmara
No interior da Igreja Matriz
Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
Na Praça, junto ao balcão da antiga Câmara
No interior da Igreja Matriz
Esta forma de fazer as sementeiras tem três vantagens: evita
a erosão do terreno, prolonga a frescura da terra e dificulta aos pássaros a
visão das plantinhas acabadas de nascer.
Chama-se empalhar e, como a palavra indica, as sementeiras protegiam-se
com palha, pois no passado os terrenos cultivavam-se quase todos de centeio e ainda
não havia pinhais para ir à caruma, como eu fui.
José Teodoro Prata
Não imaginam o que podemos descobrir
em espaços que conhecemos desde a infância e por isso julgamos conhecer bem!
José Teodoro Prata
Estava eu há bocadito a explicar à minha mulher o meu plano de atividades para esta semana, quando de repente me saiu a palavra trania. Isto a propósito de 5 implantes que na quarta-feira me vão colocar, em locais onde já não tenho dentes. São 5 buchas de ferro, salvo erro, a implantar no osso, em 5 buracos espalhados por toda a boca.
Uma verdadeira trania, no exato sentido que a minha mãe lhe dava. É curioso que a palavra, além de ser uma corruptela de tirania, tem aqui quase um novo sentido. Por vezes os médicos avisam o doente que lhe vão fazer uma maldade, porque ele vai sofrer com o ato que eles vão praticar. Era sobretudo nesse sentido que a minha mãe usava trania. Mas tambéma a usava no sentido tortura, de sofrimento infringido a outro, por verdadeira maldade, como um psicopata ou um tirano que tortura os seus opositores.
Certamente vou sobreviver a esta trania, mas o resto
da semana já fico nos mínimos…
José Teodoro Prata
Ontem, de regresso a casa e a este blogue, houve um pequeno
problema técnico no avião que me trazia, e a viagem demorou mais meia hora do
que as duas horas e meia previstas.
Como vinha no banco fundeiro, local onde se situava uma das
casas de banho, na última hora foi tal o acumular de pessoas no corredor, à
minha volta, que exclamei para a minha gente:
- Pensam que isto é alguma comua!
Se estivesse em São Vicente da Beira, mandava-os para a
Devesa, que era para onde os adultos mais rezingões mandavam as crianças e
adolescentes que os incomodavam com correrias, algazarras, jogos da bola ou
andar de bicicleta na praça ou pelas ruas da nossa terra.
A Devesa era o nosso baldio na encosta oeste da Ribeirinha,
mesmo em frente à Vila. Comua vem de comum e comuna, não tendo
esta necessariamente apenas significado o político-ideológico a que atualmente
está reduzida. Aliás, o termo e o significado têm já muitas centenas de anos.
A minha mãe usava esta palavra em sentido pejorativo, um
local ou uma situação com muita gente, em que se fazem coisas não muito graves,
mas negativas, tipo bandalheira, anarquia.
É provável que este significado tivesse origem na campanha do
Estado Novo contra a ideologia comunista. A esmagadora maioria das pessoas não
percebia nada do assunto, mas a campanha das mais ilustres figuras do Estado e
do Partido, mesmo a nível local, era tão intensa que alguma coisa ficava na mentalidade
do povo.
Há poucas semanas, fiquei impressionado com as muitas referências
deste tipo presentes na poesia do nosso poeta José Lourenço. Mesmo que não
viesse a propósito, a certa altura do poema lá conseguia encaixar um louvor a
Salazar, à excelência do Estado Novo, que nos salvavam do Mal!
José Teodoro Prata
O Casal da Fraga não é
um casal mas três: Casal do Baraçal, Casal da Fraga e Casal dos Ramos. Num
passado recente existia ainda o Casal do Monte do Surdo, que agora sobrevive
apenas nas cadernetas prediais, estando na linguagem comum incorporado no Casal
da Fraga.
Há cerca de 300 anos,
haveria apenas uma família de proprietários em cada casal (exceto no do Baraçal,
que não surge nas fontes). Todo o vale
onde corre o ribeiro que atravessa a estrada perto do entroncamento para os
Pereiros e Partida era propriedade do Conde de São Vicente, sendo a mais rica
das que tinha na freguesia. Os rendeiros viviam na casa, agora em ruínas, que
existe um pouco abaixo do referido entroncamento. O mais ilustre destes
rendeiros foi João Rodrigues Lourenço Caio, natural do Louriçal, que casara com
a filha do rendeiro anterior, José Leitão Paradanta. Chegou ao importante cargo
local de Capitão de Ordenanças da Vila, no tempo das Invasões Francesas
(1807-1812).
No Casal da Fraga, numa
casa que existiria na zona da atual residência do Comissário Barroso ou nas
proximidades, moraria Duarte da Fraga, cerca de 1700, e outros Fragas ali
continuaram a viver, ao longo de todo o século XVIII. Na casa em frente, que
foi do sr. Miguel Leitão e hoje é do filho Pe. José Augusto, existem as mais antigas
oliveiras de São Vicente. Fraga designa uma rocha ou uma forja de ferreiro.
Qual destas terá dado o nome ao casal? Ou nenhuma delas e Fraga vem do apelido
familiar desta família que ali viveu, com esse apelido, mais de um século?
Do Casal dos Ramos veio
a esposa de Manuel Rodrigues Fraga, chamada Luísa Maria Leitão (nascida cerca
de 1750), o que nos permite concluir que ali viveria pelo menos outra família.
Certo é que o casal foi crescendo, beneficiando do estrangulamento urbano provocado na Vila pelas casas senhoriais que detinham a maioria dos terrenos em redor da povoação: Casa Cunha, Visconde de Tinalhas e Casa Conde.
Em 1970, um ano após a
passagem do Presidente do Conselho pela Vila, a inaugurar a barragem e os
melhoramentos que a acompanharam (eletricidade e redes de água e esgotos), os habitantes do Casal decidiram que já era tempo
de acabar com um dos maiores perigos que haviam vivido durante séculos: a
travessia da ribeira pelas passadouras. Fizeram um peditório entre si e
contruíram um pontão sobre a ribeira, mais tarde alargado pela Junta de
Freguesia. Só o projeto custou 100 contos! E quando começaram as multas por
lavar roupa na ribeira, as mulheres do Casal foram com as da Vila numa
camioneta a Castelo Branco, falar com o Governador Civil e o Presidente da
Câmara. Não ganharam lavadouros, como as da Vila, mas não houve mais multas.
Anos depois, com a Vila
já eletrificada, tiveram de pagar do seu bolso a rede de postes e fios que
finalmente levou a eletricidade a suas casas. Até 1980, dos poderes talvez
apenas tenham recebido de graça a fonte que a junta edificara, em 1960, no que
ficou a ser chamado o Largo da Fonte. Até o pequeno pontão para o Casal do
Baraçal, sobre o ribeiro que desce do Monte do Surdo para a Ribeirinha, foi
construído pelo António Pereira.
Atualmente, o Casal da
Fraga tem arruamentos pavimentados, redes de água e esgotos, muitas casas novas
ou recuperadas, uma fábrica de engarrafamento de água, um restaurante, uma
taberna, uma associação que organiza a festa da Santa Bárbara, com sede própria,
e ganhou o estatuto de uma povoação autónoma e não apenas um sítio da Vila. Tem
pouca população jovem, como todo o interior, mas mantém o espírito bairrista e
ativo que sempre o caraterizou.
José Teodoro Prata
Foi um bom passeio, com muitas histórias para partilhar!
Comecemos pelo fim:
No final, na taberna do Marcelino, esperava-nos um bom lanche, para retemperar forças, e cadeiras para descansar as pernas. Obrigado pela generosidade!
Recordámos a ti Pulquéria e falámos da origem do nome Fraga.
Na ribeira, antes de subir para o Casal do Baraçal, a Libânia Ferreira, a Luz da Esperança, o José Teodoro e o João Manuel dos Santos contaram a história da guerra das lavadeiras, em 1970, quando Castelo Branco começou a beber a água da barragem do Pisco.
Antes, um pouco mais acima, onde começámos, falou-se da aventura que era atravessar as passadouras em dias de enchente, da sua substituição pelo pontão e de outras histórias que a ribeira guarda e só nos conta se lhe souberemos perguntar.
Aqui participaram tantos! Se não estiveram lá, terão de esperar pelas suas histórias, quando eles as passarem para o papel (como o João Maria já fez).
José Teodor Prata
Fotos de Francisco Barroso e Maria da Luz Teodoro
Já vos mostrei os meus alhos porros deste ano, plantados em outubro.
Prometi então mostrar-vos as minhas cebolas, também cultivadas no outono, e elas aqui estão. Cada vez valorizo mais as sementeiras e plantações de verão e outono, destinadas a produzir no inverno e primavera. O exemplo das couves, que nos deixaram os nossos antepassados, é a prova disso. Mas, tal como as couves, que devem ser plantadas nos finais de agosto, também os cultivos de outono precisam de apanhar sol e calor, para vingar. Por isso têm de ser plantados antes de novembro e dezembro, pois, sem o calor anterior, apodrecem ou não se desenvolvem. Por outro lado, pela minha experiência, aprendi que estes cultivos devem ser plantados em alto, no cômoro, caso os terrenos não sejam arenosos, devido à possibilidade de períodos longos de chuva, antes do calor de março. Já faço isso com os alhos, há anos, com excelentes resultados! Em outubro, vou fazer com as cebolas.
José Teodoro Prata
Esta história, da primeira tertúlia, na Casa do Povo, não chegou a ser contada, por falta de tempo. Como estava feita, aqui a deixo para que a conheçam.
A dobadoira
Esta dobadoira era da
minha mãe e terá sido feita pelo irmão José ou pelo pai João Prata. Ambos eram
carpinteiros, tal como o irmão António, que, por ser mais velho, já não vivia
em casa dos pais quando a minha mãe Maria da Luz preparou o enxoval para se
casar, em 1950. Dobadoira e tear, um deles foi de certeza feito pelo irmão José
Prata, já não me recordo qual, talvez até os dois.
A casa dos meus avós
maternos, João Prata e Doroteia dos Santos, era quase autossuficiente. Produzia
todos os produtos agrícolas necessários à alimentação da família e ainda o
linho para tecer, no tear da loja, o enxoval das seis filhas. Com três carpinteiros
em casa, eram eles que fabricavam todos os móveis e utensílios de madeira
necessários à vida doméstica. Pouca coisa tinha de ser adquirira fora, como o
calçado que era feito por um grupo de sapateiros que uma vez por ano passava lá
por casa, onde comiam e dormiam, até fazer calçado para toda a família. O
dinheiro para lhes pagar e para outras despesas vinha da venda de azeite,
sobretudo das oliveiras dos Canavéis, cujas oliveiras bicais davam um azeite
especialmente fino e por isso bem pago.
Mas voltemos à
dobadoira. Tinha-a em minha casa há demasiado tempo, pois levei-a para mandar
restaurar a parte inferior, mas fui adiando e só neste inverno fiz o que
combinara com a minha mãe. Agora volta à casa da família.
A dobadoira serve para
transformar as meadas de lã em novelos. Às vezes a nossa mãe metia a meada nos
braços de um dos filhos mais crescido, mas a certa altura os braços doíam e tinha
de nos aturar as queixas. Por isso usava sobretudo a dobadoira, procurando a
ponta do fio de lã e começando a enrolar em novelo, com a dobadoira a girar. Na
parte inferior há quatro divisões, onde se colocavam os novelos já feitos ou a
meio, se a dobagem tivesse de ser interrompida.
E ela ensinava a
lengalenga aos filhos: Doba, doba, dobadoira, / não me enleies a meada. / O
novelo é pequeno, / já tenho a mão cansada. / Doba, doba, dobadoira, / não me
enleies o novelo. / Doba, doba, dobadoira, / as tranças do meu cabelo. Nós bebíamos-lhe
estas palavras que agora recordamos.
A nossa mãe fazia todas as
camisolas de lã para a sua casa de muita gente. Algumas eram verdadeiras obras
de arte. Fez isso ainda durante toda a década de 70, quando as minhas irmãs
mais velhas começaram a comprar camisolas de lã industriais, para elas e para
os irmãos mais novos. Nos anos 80, fazia tapetes também tricotados a lã, ainda
tenho um em minha casa.
O trabalho em linho e lã
tinha grande tradição em São Vicente da Beira. Durante o século XVIII,
sobretudo na segunda metade, a Vila foi um dos maiores centros industriais de
lanifícios da Beira, a sul da Gardunha. Nos inquéritos industriais pombalinos,
de 1758, são referidos como grandes centros industriais Alcains, Castelo
Branco, os Montes(?) e São Vicente da Beira. Em 1779, a Real Fábrica dos
Lanifícios da Covilhã colocara aqui, para ensinar os trabalhadores, um espanhol
mestre da roda de fiar e dois portugueses mestres dos teares. Na fábrica-mãe
trabalhava o espanhol João António Robles, de Béjar, Espanha, cujo filho veio
casar a São Vicente, com uma Ribeiro, dando origem à família Ribeiro Robles. Em
1790, havia 177 cardadores e fiadeiras (estes totais seriam de todo o
concelho). Um relatório militar de 1804, elaborado por August du Fay, coronel
do Estado Maior do Exército Português, refere as localidades onde seria
conveniente criar armazéns se abastecimento das tropas, em caso de invasão
estrangeira. Aponta V. V. de Ródão, C. Branco, S. Vicente da Beira e Fundão.
Aqui havia casas, capelas, um convento e uma fábrica onde se podiam fazer
armazéns. Neste mesmo ano, trabalhavam 2349 pessoas para a manufatura da
Covilhã, sendo 1930 destes trabalhadores das 8 escolas de fiação a ela
associadas: Alpedrinha, Casteleiro, Castelejo, Penalva, Penamacor, São Gião, S.
Miguel d´Acha e S. Vicente da Beira.
José Teodoro Prata
Este objeto com história não foi apresentado na segunda tertúlia do Conta-me histórias, realizada a 28 de abril, sob o tema 25 de Abril. Como animador das sessões, tenho de ter sempre algo na manga e este objeto não saiu da minha pasta porque nesta tertúlia as duas horas foram bem recheadas de histórias de tantos participantes.
Aguardo o envio dos textos dos intervenientes nesta e na primeira tertúlia, para os dar a conhecer, aqui, a quem não esteve presente.
O
(meu) Capital
Este é o 1.º volume do
livro I de O Capital, de Karl Marx. O preço marcado a lápis parece
indicar 25 escudos. Está rubricado e datado por mim: 23-Agosto-1974.
Comprei-o na Papelaria
Central do Tortosendo, situada no largo central desta vila. Pela data, foi
durante a minha habitual ida ao seminário, a meio das férias grandes. Eu tinha
então 17 anos e frequentava o Seminário do Verbo Divino, no Tortosendo, uma
vila operária com grandes tradições de luta contra o regime ditatorial que
governara Portugal cerca de 48 anos.
Os padres do seminário,
formados em universidades da Alemanha e dos Estados Unidos, eram adeptos da
democracia, mas não faziam abertamente campanha, junto dos alunos, contra o
regime que vigorara até ao 25 de Abril. Prova disso é que só há três anos soube
a razão porque pessoas da povoação nos perguntavam pelo padre Jerónimo, pois o
queriam no comício do 1.º de Maio, que antecedeu o desfile até à Ponte
Pedrinha, onde milhares de pessoas se espalharam pelas margens do rio Zêzere,
partilhando as suas merendas. Ele tinha direito a honras de palanque, a que se
esquivou, porque em finais de 1973 escrevera no Jornal do Fundão um longo
artigo advogando a democratização do país.
Sabíamos dos presos no
1.º de Maio de anos anteriores, trabalhadores que faltavam ao trabalho nesse
dia e se juntavam debaixo de uma latada a petiscar e a beber uns copos, mas a
meio da tarde eram levados pela GNR, pois logo de manhã os patrões tinham
comunicado à PIDE quem faltava ao trabalho. Mas no ano seguinte, lá teimavam
eles em comemorar o dia do trabalhador!
Eu frequentava o 6.º
ano, atual décimo (na época, o ensino secundário tinha a duração de dois anos e
não três, como atualmente). Por serem mais velhos, os alunos do secundário
tinham direito a uma noite de televisão por semana, à sua escolha. Nesse ano
letivo, mas ainda antes da revolução, o padre Vaz, nosso prefeito, deu-nos uma
noite extra para ouvirmos as Conversas em Família do presidente do
Conselho, Marcelo Caetano. Recusámos, mas ele disse-nos que para vencermos um
inimigo tínhamos primeiro de o conhecer bem. Foi em vão, preferimos ir para a
cama, às 21:30h.
Um dia, num passeio ao
entardecer, o mesmo padre Vaz, pessoa bastante conservadora, partilhou comigo e
com o meu colega José Antunes a história do bispo do Porto, D. António Ferreira
Gomes, que escrevera uma carta a Salazar, criticando a sua política e aconselhando-o
a iniciar um processo de democratização. Salazar castigou-o com o exílio, por
10 anos (1959-69).
Eram boas as relações do
Seminário com o Unidos do Tortosendo, um clube operário que se dizia ser dirigido
por comunistas. Ficou até célebre, e com direito a retrato para a posteridade,
a informação que o padre Garibaldi, um missionário brasileiro do nosso
seminário, deu a um governante do Estado Novo, que, cerca de 1971, foi ao
Tortosendo conhecer o projeto da nova sede para o Unidos. Tão bem falou da
coletividade que o Governo abriu os cordões à bolsa e a obra fez-se.
Ainda representámos
teatro na antiga sede: O Lugre de Bernardo Santareno e O
Assassínio na Catedral, relativo à morte do bispo católico Thomas Becket,
na Inglaterra medieval. Havia no clube um senhor já idoso que todos
referenciavam e que sempre cumprimentava os seminaristas com especial simpatia.
Era o senhor Ribeiro, soube anos mais tarde, pelo Jornal do Fundão, quando foi
homenageado no Tortosendo. Depois do 25 de Abril, também se falava muito de um
preso, não comunista, que fora libertado. Então pensei que fosse do MRPP, que
na altura tinha alguma expressão na Vila, mas soube há poucas semanas que era
da LUAR e se chamava Ramiro Raimundo.
Aqui chegados, pode o
leitor ser levado a concluir que nós, os seminaristas, éramos muito
politizados. Não, vivíamos numa bolha, que apesar de tudo nos abria horizontes
para a existência de pessoas que pensavam de forma diferente e para a
necessidade da democratização do país. Mas só isso. Desconhecíamos partidos e
ideologias, como quase todos os portugueses.
Voltando ao objeto deste
texto, o meu O Capital está forrado com um cartaz lindíssimo de cravos em fundo
negro, com a foice, o martelo e a estrela sobrepostos, em amarelo. Roubei-o ao
Partido Comunista, no outono de 74. Estava afixado no lagar dos Garret, à beira
da estrada, a meio caminho do cruzamento do seminário com a povoação. A altura
de 3 metros não foi para nós, jovens adolescentes, um obstáculo. Um colega meu,
menos pesado, trepou por mim acima e, com os pés nos meus ombros e uma mão
encostada à parede, com a outra arrancou o cartaz, que já estava pouco seguro e
nem se rasgou.
No verão de 75, a minha
prima Carmita, já estudante universitária, então nas habituais férias em São
Vicente, questionou-me sobre as minhas leituras (ou eu falei no assunto, para
me gabar, não me lembro bem). Disse-lhe e a quem nos rodeava que tinha lido O
Capital. Ela ficou estupefacta e informou-me que O Capital de Karl Marx
era uma obra vasta, com vários livros e volumes. Não, eu só lera um volume,
esclareci!
A leitura não me foi
fácil, pois a economia era então uma área quase não abordada nos livros de
História do secundário. Mas ficou-me para sempre a questão das mais valias:
o patrão cria a empresa, equipa-a, paga as matérias-primas, a luz, a água…,
recebe o seu ordenado e paga os salários aos trabalhadores. Pagas todas as
despesas, incluindo o vencimento do empresário, ficam os lucros, dos quais este
se apodera na totalidade, embora tenham sido obtidos com o trabalho de todos.
Era natural que os lucros, as mais valias, fossem distribuídos equitativamente, ficando o
empresário com uma larga percentagem, para o premiar do investimento realizado
e do cargo desempenhado, mas certa percentagem deveria ser distribuída pelos
trabalhadores, igualmente fundamentais na criação dessa riqueza.
Por isso ninguém
enriquece a trabalhar e a distância entre os rendimentos dos assalariados e os
dos empresários é cada vez maior. Situação agravada quando os aumentos
salariais não acompanham o aumento da produtividade, como aconteceu nos últimos
20 anos, na Europa, segundo um estudo recentemente divulgado.
José Teodoro Prata
No domingo, dia 28, os vicentinos juntaram-se e partilharam as suas memórias do 25 de Abril, na Biblioteca, em mais uma tertúlia do projeto Conta-me histórias, que visa animar esta comunidade.
Recordaram-se os tempos
em que a Pide vinha inquirir junto do pároco sobre as três pessoas que
habitualmente não iam à missa e contou-se o caso do rapaz que aos domingos ia
namorar a terra alheia, faltando à missa, e concorreu à Polícia, à GNR e à Guarda
Fiscal, mas só foi chamado depois de levar um cabrito ao senhor vigário. E a
história daquela menina de Aldeia de Joanes, que lia semanalmente o Jornal do
Fundão ao pai e que um dia foi abordada pela Pide que lhe perguntou o que mais
gostava de ler no jornal, mas ela respondeu que só lia o anúncio que o pai
mandava publicar no jornal.
Lembrámos o nosso
militar de Abril, o nosso padre democrata e o nosso empresário que numa noite
mudou o nome da nossa Praça, de Salazar para 25 de Abril. E as primeiras férias
pagas e a ameaça de incendiar a casa a quem as pagava e fazia descontos para a Segurança
Social.
Mais a criação dos
autocarros para estudantes e as colónias de férias em que as crianças
apreendiam um mundo novo. E as greves por melhores salários, o fim da guerra, a
alegria de sermos livres, o recenseamento eleitoral com pausa para a Gabriela,
as primeiras eleições e a vizinha que demorou muito a votar, porque havia
muitos partidos com quadradinho onde traçar a cruz.
No dia 19 de maio
voltamos a encontrar-nos em nova tertúlia, pelas 15 horas, com a Senhora da
Orada como tema e local.
Esta segunda tertúlia
foi quase totalmente organizada pelas responsáveis da Biblioteca (Celeste, Libânia
e Conceição) e pela Maria da Luz. O nosso obrigado e as minhas desculpas, pois
na sessão esqueci-me de lhes agradecer, assim como ao presidente da Junta.
José Teodoro Prata
Seguem-se as fotos da Rita Amaro:
Eu vinha de carro a sair da lomba e ela teve de apressar a corrida, mas veio logo outro veículo em sentido contrário e a corça teve de se esticar toda para conseguir escapar. Seguiu depois pelo caminho que dá entrada no pinhal do sr. Francisco Ventura.
As corças devem ter aí um corredor de passagem, pois há uns tempos uma corça chocou com um carro que ia a passar, sensivelmente naquele local.
Andam corças pelos bosques e pelas estradas!
José Teodoro Prata
O salão da Casa do Povo encheu-se para o almoço da Comissão das Festas de Verão (cerca de 160 pessoas). A feijoada estava boa!
Após o café, cerca de metade das pessoas foram à sua vida, pois não tinham vindo a mais do que partilhar o momento do almoço e apoiar a organização. Por outro lado, o ruído era impróprio para o resto do programa.
Mas houve boa vontade de todos e soubemos adaptar-nos às circunstâncias. O ruído foi diminuindo até desaparecer e...
...apresentámos o projeto Conta-me histórias: o Pedro Inácio Gama falou-nos sobre a vida do seu pai resineiro e o José Miguel Leitão partilhou a sua experiência na resina (no fim de três dias disse ao pai que preferia que o matasse a voltar lá); O João Prata Candeias falou dos Candeias e daquela que lhes deu o apelido, a candeia de azeite; o Francisco Alves Barroso contou a história da rapadoura e da sua importância no fabrico do pão; já não houve tempo para a Maria de Fátima Jerónimo, nem para mim, mas há mais marés que marinheiros.
...o Fernando Pereira cantou as suas canções, as de sua autoria, as do cancioneiro reginal e as dos amigos que se foram cruzando com ele ao longo de uma vida de paixão pela música.
Foi bonita a festa, pá!
José Teodoro Prata
Fotografias de Rita Amaro
Andámos a fazer o desdobramento de uma colmeia e no final uma abelha não nos largava, por mais fumo que lhe lançássemos em cima.
- Desabelha daqui! – disse-lhe o Chico. E rimo-nos, porque a
expressão vinha mesmo a calhar.
A abelha anda sempre de um lado para o outro, numa constante
azáfama, por isso chamamos abelhudo a alguém com a mesma caraterística,
sobretudo se aparece de forma constante e inoportuna. E desabelhar é mandar o
abelhudo dar uma volta, desaparecer. Neste caso era mesmo uma abelha!
José Teodoro Prata
Levei grelos de couve-naba a uma amiga do Norte e ela gabou-me a excelência do arroz de espigos, em especial de couve galega. Cada vez que eu falava de grelos, ela respondia-me com espigos e a certa altura disparou:
- Porque é que não dizes espigos?
- Na minha terra também se diz espigos, mas aqui só se fala
em grelos… - justifiquei-me.
Quis ser simpático e coloquei-me ao nível dos albicastrenses,
mas lixei-me, pois a minha amiga não transige com as suas raízes.
No resto da conversa já só se falou de espigos.
José Teodoro Prata
No livro Novelas do Minho, de Camilo Castelo Branco, mais propriamente na novela Maria Moisés, refere-se a origem do topónimo Santarém.
Já aqui escrevemos sobre o culto da corça pelos Celtas (0s
Lusitanos eram Celtas) e da sua presença nas lendas de São Pedro de
Vir-A-Corça, Monsanto, e da Senhora da Orada, São Vicente da Beira.
Mas vamos então ao Camilo:
O rei da Lusitânia Gorgoris teve uma
filha que se apaixonou por um homem de baixa extração. O que denunciou estes
amores foi, diz Bernardo de Brito em uma palavra de cunho português de
lei, foi a «emprenhidão».
- Credo! Que palavra! – exclamou com engulho
D. Maria Tibúrcia.
- Não parece palavra de pessoa
eclesiástica! – notou a outra senhora não menos escandalizada.
O mano Teutónio, como tinha piscado o
olho direito ao cónego, ria-se, e o cónego, com a maior gravidade, disse:
- Minhas senhoras, os antigos faziam
as coisas e diziam-nas; hoje em dia a civilidade não permite dizê-las. Ande lá
com a filha de Gorgoris, sr. desembargador.
- Deu ela à luz um menino, que o avô
deitou às feras; e, como as feras o não comessem, atirou-o ao Tejo. Foi o
menino encontrado no sítio que hoje chamam Santarém; e, como quer que uma corça
lhe desse o primeiro leite, chamou-se o menino Abidis, e daí veio
chamar-se o lugar Esca Abis (manjar de Abidis), e, corrupto, Scalabis,
etc.
Notas:
Frei Bernardo de Brito (1569-1617) escreveu uma
monumental História de Portugal, em oito volumes, chamada Monarchia Lusitana.
É a ela que o desembargador se refere para explicar a origem do nome Santarém.
Nestas 3 situações em que intervém uma corça a amamentar um
bebé nascido de uma gravidez indesejada (no caso da nossa Orada, a corça
alimenta a moça ainda grávida), a corça é como uma mãe que se dá num amor
incondicional. Seria essa a caraterística que os Celtas atribuíam à corça, no
culto que lhe prestavam?
José Teodoro Prata