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segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Ontem, na Praça

 

No pelourinho da Praça.


Na Praça, junto ao balcão da antiga Câmara


No interior da Igreja Matriz



À porta da Igreja da Misericórdia

José Teodoro Prata
Fotos do Joaquim Varanda e Maria da Luz Teodoro

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Empalhar

 

Esta forma de fazer as sementeiras tem três vantagens: evita a erosão do terreno, prolonga a frescura da terra e dificulta aos pássaros a visão das plantinhas acabadas de nascer.

Chama-se empalhar e, como a palavra indica, as sementeiras protegiam-se com palha, pois no passado os terrenos cultivavam-se quase todos de centeio e ainda não havia pinhais para ir à caruma, como eu fui.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

A nossa Praça: visita guiada

 

Não imaginam o que podemos descobrir em espaços que conhecemos desde a infância e por isso julgamos conhecer bem!

José Teodoro Prata

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

O nosso falar: trania

 Estava eu há bocadito a explicar à minha mulher o meu plano de atividades para esta semana, quando de repente me saiu a palavra trania. Isto a propósito de 5 implantes que na quarta-feira me vão colocar, em locais onde já não tenho dentes. São 5 buchas de ferro, salvo erro, a implantar no osso, em 5 buracos espalhados por toda a boca.

Uma verdadeira trania, no exato sentido que a minha mãe lhe dava. É curioso que a palavra, além de ser uma corruptela de tirania, tem aqui quase um novo sentido. Por vezes os médicos avisam o doente que lhe vão fazer uma maldade, porque ele vai sofrer com o ato que eles vão praticar. Era sobretudo nesse sentido que a minha mãe usava trania. Mas tambéma a usava no sentido tortura, de sofrimento infringido a outro, por verdadeira maldade, como um psicopata ou um tirano que tortura os seus opositores.

Certamente vou sobreviver a esta trania, mas o resto da semana já fico nos mínimos…

José Teodoro Prata

domingo, 18 de agosto de 2024

O nosso falar: comua

Ontem, de regresso a casa e a este blogue, houve um pequeno problema técnico no avião que me trazia, e a viagem demorou mais meia hora do que as duas horas e meia previstas.

Como vinha no banco fundeiro, local onde se situava uma das casas de banho, na última hora foi tal o acumular de pessoas no corredor, à minha volta, que exclamei para a minha gente:

- Pensam que isto é alguma comua!

Se estivesse em São Vicente da Beira, mandava-os para a Devesa, que era para onde os adultos mais rezingões mandavam as crianças e adolescentes que os incomodavam com correrias, algazarras, jogos da bola ou andar de bicicleta na praça ou pelas ruas da nossa terra.

A Devesa era o nosso baldio na encosta oeste da Ribeirinha, mesmo em frente à Vila. Comua vem de comum e comuna, não tendo esta necessariamente apenas significado o político-ideológico a que atualmente está reduzida. Aliás, o termo e o significado têm já muitas centenas de anos.

A minha mãe usava esta palavra em sentido pejorativo, um local ou uma situação com muita gente, em que se fazem coisas não muito graves, mas negativas, tipo bandalheira, anarquia.

É provável que este significado tivesse origem na campanha do Estado Novo contra a ideologia comunista. A esmagadora maioria das pessoas não percebia nada do assunto, mas a campanha das mais ilustres figuras do Estado e do Partido, mesmo a nível local, era tão intensa que alguma coisa ficava na mentalidade do povo.

Há poucas semanas, fiquei impressionado com as muitas referências deste tipo presentes na poesia do nosso poeta José Lourenço. Mesmo que não viesse a propósito, a certa altura do poema lá conseguia encaixar um louvor a Salazar, à excelência do Estado Novo, que nos salvavam do Mal!

José Teodoro Prata

terça-feira, 9 de julho de 2024

Casal da Fraga

O Casal da Fraga não é um casal mas três: Casal do Baraçal, Casal da Fraga e Casal dos Ramos. Num passado recente existia ainda o Casal do Monte do Surdo, que agora sobrevive apenas nas cadernetas prediais, estando na linguagem comum incorporado no Casal da Fraga.

Há cerca de 300 anos, haveria apenas uma família de proprietários em cada casal (exceto no do Baraçal, que não surge nas fontes).  Todo o vale onde corre o ribeiro que atravessa a estrada perto do entroncamento para os Pereiros e Partida era propriedade do Conde de São Vicente, sendo a mais rica das que tinha na freguesia. Os rendeiros viviam na casa, agora em ruínas, que existe um pouco abaixo do referido entroncamento. O mais ilustre destes rendeiros foi João Rodrigues Lourenço Caio, natural do Louriçal, que casara com a filha do rendeiro anterior, José Leitão Paradanta. Chegou ao importante cargo local de Capitão de Ordenanças da Vila, no tempo das Invasões Francesas (1807-1812).

No Casal da Fraga, numa casa que existiria na zona da atual residência do Comissário Barroso ou nas proximidades, moraria Duarte da Fraga, cerca de 1700, e outros Fragas ali continuaram a viver, ao longo de todo o século XVIII. Na casa em frente, que foi do sr. Miguel Leitão e hoje é do filho Pe. José Augusto, existem as mais antigas oliveiras de São Vicente. Fraga designa uma rocha ou uma forja de ferreiro. Qual destas terá dado o nome ao casal? Ou nenhuma delas e Fraga vem do apelido familiar desta família que ali viveu, com esse apelido, mais de um século?

Do Casal dos Ramos veio a esposa de Manuel Rodrigues Fraga, chamada Luísa Maria Leitão (nascida cerca de 1750), o que nos permite concluir que ali viveria pelo menos outra família.

Certo é que o casal foi crescendo, beneficiando do estrangulamento urbano provocado na Vila pelas casas senhoriais que detinham a maioria dos terrenos em redor da povoação: Casa Cunha, Visconde de Tinalhas e Casa Conde.

Em 1970, um ano após a passagem do Presidente do Conselho pela Vila, a inaugurar a barragem e os melhoramentos que a acompanharam (eletricidade e redes de água e esgotos), os habitantes do Casal decidiram que já era tempo de acabar com um dos maiores perigos que haviam vivido durante séculos: a travessia da ribeira pelas passadouras. Fizeram um peditório entre si e contruíram um pontão sobre a ribeira, mais tarde alargado pela Junta de Freguesia. Só o projeto custou 100 contos! E quando começaram as multas por lavar roupa na ribeira, as mulheres do Casal foram com as da Vila numa camioneta a Castelo Branco, falar com o Governador Civil e o Presidente da Câmara. Não ganharam lavadouros, como as da Vila, mas não houve mais multas.

Anos depois, com a Vila já eletrificada, tiveram de pagar do seu bolso a rede de postes e fios que finalmente levou a eletricidade a suas casas. Até 1980, dos poderes talvez apenas tenham recebido de graça a fonte que a junta edificara, em 1960, no que ficou a ser chamado o Largo da Fonte. Até o pequeno pontão para o Casal do Baraçal, sobre o ribeiro que desce do Monte do Surdo para a Ribeirinha, foi construído pelo António Pereira.

Atualmente, o Casal da Fraga tem arruamentos pavimentados, redes de água e esgotos, muitas casas novas ou recuperadas, uma fábrica de engarrafamento de água, um restaurante, uma taberna, uma associação que organiza a festa da Santa Bárbara, com sede própria, e ganhou o estatuto de uma povoação autónoma e não apenas um sítio da Vila. Tem pouca população jovem, como todo o interior, mas mantém o espírito bairrista e ativo que sempre o caraterizou.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 24 de junho de 2024

Conta-me histórias do Casal da Fraga

Foi um bom passeio, com muitas histórias para partilhar!

Comecemos pelo fim:

No final, na taberna do Marcelino, esperava-nos um bom lanche, para retemperar forças, e cadeiras para descansar as pernas. Obrigado pela generosidade!

Recordámos a ti Pulquéria e falámos da origem do nome Fraga.


Na capela de Santa Bárbara, o João Barroso, a Libânia Ferreira, o José Manuel dos Santos e o José Teodoro partilharam as informações que a tradição e os documentos nos dão sobre a trasladação da capela do Valouro para aqui, em 1932.


Antes, tínhamos ouvido a Fátima Jerónimo falar da fonte de mergulho que existia por baixo da ponte ao fundo da rua do restautante da Mila. Finalmente, existe a promessa do seu restauro. E contou outras histórias, logo secundada pelo João Maria dos Santos.


Aqui, à sombra de um sobreiro, no alto do Casal do Baraçal, o António Pereira protestou por quererem estender o nome da rua (Eduardo Cardoso) pelo casalito adentro, acabando ali a urbanização da Devesa: é Rua do Casal do Baraçal! 

E tendo à nossa frente quase todo o vale do antigo casal do Monte do Surdo, o José Teodoro falou sobre a importância deste casal do Conde de São Vicente, no passado. 

Na ribeira, antes de subir para o Casal do Baraçal, a Libânia Ferreira, a Luz da Esperança, o José Teodoro e o João Manuel dos Santos contaram a história da guerra das lavadeiras, em 1970, quando Castelo Branco começou a beber a água da barragem do Pisco.


E aproveitando a sombra dos amieiros e o fresco da ribeira, o António Pereira partilhou connosco o processo judicial de que ele e outros habitantes do Casal do Baraçal foram alvo por se recusarem a deixar de passar no caminho que dali os levava à Vila, no tempo do Vila Franca, do Cavaco Silva e do Mário Soares.

hj

Na Fonte Ferreira, o José Miguel Teodoro contou as suas vivências pelas geografias em torno da fonte.
 

Antes, um pouco mais acima, onde começámos, falou-se da aventura que era atravessar as passadouras em dias de enchente, da sua substituição pelo pontão e de outras histórias que a ribeira guarda e só nos conta se lhe souberemos perguntar.

Aqui participaram tantos! Se não estiveram lá, terão de esperar pelas suas histórias, quando eles as passarem para o papel (como o João Maria já fez).


E voltando ao final, aqui a caminho da taberna do Marcelino, agora da Amália.

José Teodor Prata

Fotos de Francisco Barroso e Maria da Luz Teodoro

terça-feira, 11 de junho de 2024

domingo, 12 de maio de 2024

Cultivos de outono, 2

 
Já vos mostrei os meus alhos porros deste ano, plantados em outubro.

Prometi então mostrar-vos as minhas cebolas, também cultivadas no outono, e elas aqui estão. Cada vez valorizo mais as sementeiras e plantações de verão e outono, destinadas a produzir no inverno e primavera. O exemplo das couves, que nos deixaram os nossos antepassados, é a prova disso. Mas, tal como as couves, que devem ser plantadas nos finais de agosto, também os cultivos de outono precisam de apanhar sol e calor, para vingar. Por isso têm de ser plantados antes de novembro e dezembro, pois, sem o calor anterior, apodrecem ou não se desenvolvem. Por outro lado, pela minha experiência, aprendi que estes cultivos devem ser plantados em alto, no cômoro, caso os terrenos não sejam arenosos, devido à possibilidade de períodos longos de chuva, antes do calor de março. Já faço isso com os alhos, há anos, com excelentes resultados! Em outubro, vou fazer com as cebolas.

José Teodoro Prata

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Conta-me histórias, 1

Esta história, da primeira tertúlia, na Casa do Povo, não chegou a ser contada, por falta de tempo. Como estava feita, aqui a deixo para que a conheçam.

A dobadoira

Esta dobadoira era da minha mãe e terá sido feita pelo irmão José ou pelo pai João Prata. Ambos eram carpinteiros, tal como o irmão António, que, por ser mais velho, já não vivia em casa dos pais quando a minha mãe Maria da Luz preparou o enxoval para se casar, em 1950. Dobadoira e tear, um deles foi de certeza feito pelo irmão José Prata, já não me recordo qual, talvez até os dois.

A casa dos meus avós maternos, João Prata e Doroteia dos Santos, era quase autossuficiente. Produzia todos os produtos agrícolas necessários à alimentação da família e ainda o linho para tecer, no tear da loja, o enxoval das seis filhas. Com três carpinteiros em casa, eram eles que fabricavam todos os móveis e utensílios de madeira necessários à vida doméstica. Pouca coisa tinha de ser adquirira fora, como o calçado que era feito por um grupo de sapateiros que uma vez por ano passava lá por casa, onde comiam e dormiam, até fazer calçado para toda a família. O dinheiro para lhes pagar e para outras despesas vinha da venda de azeite, sobretudo das oliveiras dos Canavéis, cujas oliveiras bicais davam um azeite especialmente fino e por isso bem pago.

Mas voltemos à dobadoira. Tinha-a em minha casa há demasiado tempo, pois levei-a para mandar restaurar a parte inferior, mas fui adiando e só neste inverno fiz o que combinara com a minha mãe. Agora volta à casa da família.

A dobadoira serve para transformar as meadas de lã em novelos. Às vezes a nossa mãe metia a meada nos braços de um dos filhos mais crescido, mas a certa altura os braços doíam e tinha de nos aturar as queixas. Por isso usava sobretudo a dobadoira, procurando a ponta do fio de lã e começando a enrolar em novelo, com a dobadoira a girar. Na parte inferior há quatro divisões, onde se colocavam os novelos já feitos ou a meio, se a dobagem tivesse de ser interrompida.

E ela ensinava a lengalenga aos filhos: Doba, doba, dobadoira, / não me enleies a meada. / O novelo é pequeno, / já tenho a mão cansada. / Doba, doba, dobadoira, / não me enleies o novelo. / Doba, doba, dobadoira, / as tranças do meu cabelo. Nós bebíamos-lhe estas palavras que agora recordamos.

A nossa mãe fazia todas as camisolas de lã para a sua casa de muita gente. Algumas eram verdadeiras obras de arte. Fez isso ainda durante toda a década de 70, quando as minhas irmãs mais velhas começaram a comprar camisolas de lã industriais, para elas e para os irmãos mais novos. Nos anos 80, fazia tapetes também tricotados a lã, ainda tenho um em minha casa.

O trabalho em linho e lã tinha grande tradição em São Vicente da Beira. Durante o século XVIII, sobretudo na segunda metade, a Vila foi um dos maiores centros industriais de lanifícios da Beira, a sul da Gardunha. Nos inquéritos industriais pombalinos, de 1758, são referidos como grandes centros industriais Alcains, Castelo Branco, os Montes(?) e São Vicente da Beira. Em 1779, a Real Fábrica dos Lanifícios da Covilhã colocara aqui, para ensinar os trabalhadores, um espanhol mestre da roda de fiar e dois portugueses mestres dos teares. Na fábrica-mãe trabalhava o espanhol João António Robles, de Béjar, Espanha, cujo filho veio casar a São Vicente, com uma Ribeiro, dando origem à família Ribeiro Robles. Em 1790, havia 177 cardadores e fiadeiras (estes totais seriam de todo o concelho). Um relatório militar de 1804, elaborado por August du Fay, coronel do Estado Maior do Exército Português, refere as localidades onde seria conveniente criar armazéns se abastecimento das tropas, em caso de invasão estrangeira. Aponta V. V. de Ródão, C. Branco, S. Vicente da Beira e Fundão. Aqui havia casas, capelas, um convento e uma fábrica onde se podiam fazer armazéns. Neste mesmo ano, trabalhavam 2349 pessoas para a manufatura da Covilhã, sendo 1930 destes trabalhadores das 8 escolas de fiação a ela associadas: Alpedrinha, Casteleiro, Castelejo, Penalva, Penamacor, São Gião, S. Miguel d´Acha e S. Vicente da Beira.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Conta-me histórias, 2

 Este objeto com história não foi apresentado na segunda tertúlia do Conta-me histórias, realizada a 28 de abril, sob o tema 25 de Abril. Como animador das sessões, tenho de ter sempre algo na manga e este objeto não saiu da minha pasta porque nesta tertúlia as duas horas foram bem recheadas de histórias de tantos participantes.

Aguardo o envio dos textos dos intervenientes nesta e na primeira tertúlia, para os dar a conhecer, aqui, a quem não esteve presente.


O (meu) Capital

Este é o 1.º volume do livro I de O Capital, de Karl Marx. O preço marcado a lápis parece indicar 25 escudos. Está rubricado e datado por mim: 23-Agosto-1974.

Comprei-o na Papelaria Central do Tortosendo, situada no largo central desta vila. Pela data, foi durante a minha habitual ida ao seminário, a meio das férias grandes. Eu tinha então 17 anos e frequentava o Seminário do Verbo Divino, no Tortosendo, uma vila operária com grandes tradições de luta contra o regime ditatorial que governara Portugal cerca de 48 anos.

Os padres do seminário, formados em universidades da Alemanha e dos Estados Unidos, eram adeptos da democracia, mas não faziam abertamente campanha, junto dos alunos, contra o regime que vigorara até ao 25 de Abril. Prova disso é que só há três anos soube a razão porque pessoas da povoação nos perguntavam pelo padre Jerónimo, pois o queriam no comício do 1.º de Maio, que antecedeu o desfile até à Ponte Pedrinha, onde milhares de pessoas se espalharam pelas margens do rio Zêzere, partilhando as suas merendas. Ele tinha direito a honras de palanque, a que se esquivou, porque em finais de 1973 escrevera no Jornal do Fundão um longo artigo advogando a democratização do país.

Sabíamos dos presos no 1.º de Maio de anos anteriores, trabalhadores que faltavam ao trabalho nesse dia e se juntavam debaixo de uma latada a petiscar e a beber uns copos, mas a meio da tarde eram levados pela GNR, pois logo de manhã os patrões tinham comunicado à PIDE quem faltava ao trabalho. Mas no ano seguinte, lá teimavam eles em comemorar o dia do trabalhador!

Eu frequentava o 6.º ano, atual décimo (na época, o ensino secundário tinha a duração de dois anos e não três, como atualmente). Por serem mais velhos, os alunos do secundário tinham direito a uma noite de televisão por semana, à sua escolha. Nesse ano letivo, mas ainda antes da revolução, o padre Vaz, nosso prefeito, deu-nos uma noite extra para ouvirmos as Conversas em Família do presidente do Conselho, Marcelo Caetano. Recusámos, mas ele disse-nos que para vencermos um inimigo tínhamos primeiro de o conhecer bem. Foi em vão, preferimos ir para a cama, às 21:30h.

Um dia, num passeio ao entardecer, o mesmo padre Vaz, pessoa bastante conservadora, partilhou comigo e com o meu colega José Antunes a história do bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que escrevera uma carta a Salazar, criticando a sua política e aconselhando-o a iniciar um processo de democratização. Salazar castigou-o com o exílio, por 10 anos (1959-69).

Eram boas as relações do Seminário com o Unidos do Tortosendo, um clube operário que se dizia ser dirigido por comunistas. Ficou até célebre, e com direito a retrato para a posteridade, a informação que o padre Garibaldi, um missionário brasileiro do nosso seminário, deu a um governante do Estado Novo, que, cerca de 1971, foi ao Tortosendo conhecer o projeto da nova sede para o Unidos. Tão bem falou da coletividade que o Governo abriu os cordões à bolsa e a obra fez-se.

Ainda representámos teatro na antiga sede: O Lugre de Bernardo Santareno e O Assassínio na Catedral, relativo à morte do bispo católico Thomas Becket, na Inglaterra medieval. Havia no clube um senhor já idoso que todos referenciavam e que sempre cumprimentava os seminaristas com especial simpatia. Era o senhor Ribeiro, soube anos mais tarde, pelo Jornal do Fundão, quando foi homenageado no Tortosendo. Depois do 25 de Abril, também se falava muito de um preso, não comunista, que fora libertado. Então pensei que fosse do MRPP, que na altura tinha alguma expressão na Vila, mas soube há poucas semanas que era da LUAR e se chamava Ramiro Raimundo.

Aqui chegados, pode o leitor ser levado a concluir que nós, os seminaristas, éramos muito politizados. Não, vivíamos numa bolha, que apesar de tudo nos abria horizontes para a existência de pessoas que pensavam de forma diferente e para a necessidade da democratização do país. Mas só isso. Desconhecíamos partidos e ideologias, como quase todos os portugueses.

Voltando ao objeto deste texto, o meu O Capital está forrado com um cartaz lindíssimo de cravos em fundo negro, com a foice, o martelo e a estrela sobrepostos, em amarelo. Roubei-o ao Partido Comunista, no outono de 74. Estava afixado no lagar dos Garret, à beira da estrada, a meio caminho do cruzamento do seminário com a povoação. A altura de 3 metros não foi para nós, jovens adolescentes, um obstáculo. Um colega meu, menos pesado, trepou por mim acima e, com os pés nos meus ombros e uma mão encostada à parede, com a outra arrancou o cartaz, que já estava pouco seguro e nem se rasgou.

No verão de 75, a minha prima Carmita, já estudante universitária, então nas habituais férias em São Vicente, questionou-me sobre as minhas leituras (ou eu falei no assunto, para me gabar, não me lembro bem). Disse-lhe e a quem nos rodeava que tinha lido O Capital. Ela ficou estupefacta e informou-me que O Capital de Karl Marx era uma obra vasta, com vários livros e volumes. Não, eu só lera um volume, esclareci!

A leitura não me foi fácil, pois a economia era então uma área quase não abordada nos livros de História do secundário. Mas ficou-me para sempre a questão das mais valias: o patrão cria a empresa, equipa-a, paga as matérias-primas, a luz, a água…, recebe o seu ordenado e paga os salários aos trabalhadores. Pagas todas as despesas, incluindo o vencimento do empresário, ficam os lucros, dos quais este se apodera na totalidade, embora tenham sido obtidos com o trabalho de todos. Era natural que os lucros, as mais valias, fossem distribuídos equitativamente, ficando o empresário com uma larga percentagem, para o premiar do investimento realizado e do cargo desempenhado, mas certa percentagem deveria ser distribuída pelos trabalhadores, igualmente fundamentais na criação dessa riqueza.

Por isso ninguém enriquece a trabalhar e a distância entre os rendimentos dos assalariados e os dos empresários é cada vez maior. Situação agravada quando os aumentos salariais não acompanham o aumento da produtividade, como aconteceu nos últimos 20 anos, na Europa, segundo um estudo recentemente divulgado.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Abril em São Vicente da Beira

 No domingo, dia 28, os vicentinos juntaram-se e partilharam as suas memórias do 25 de Abril, na Biblioteca, em mais uma tertúlia do projeto Conta-me histórias, que visa animar esta comunidade.

Recordaram-se os tempos em que a Pide vinha inquirir junto do pároco sobre as três pessoas que habitualmente não iam à missa e contou-se o caso do rapaz que aos domingos ia namorar a terra alheia, faltando à missa, e concorreu à Polícia, à GNR e à Guarda Fiscal, mas só foi chamado depois de levar um cabrito ao senhor vigário. E a história daquela menina de Aldeia de Joanes, que lia semanalmente o Jornal do Fundão ao pai e que um dia foi abordada pela Pide que lhe perguntou o que mais gostava de ler no jornal, mas ela respondeu que só lia o anúncio que o pai mandava publicar no jornal.

Lembrámos o nosso militar de Abril, o nosso padre democrata e o nosso empresário que numa noite mudou o nome da nossa Praça, de Salazar para 25 de Abril. E as primeiras férias pagas e a ameaça de incendiar a casa a quem as pagava e fazia descontos para a Segurança Social.

Mais a criação dos autocarros para estudantes e as colónias de férias em que as crianças apreendiam um mundo novo. E as greves por melhores salários, o fim da guerra, a alegria de sermos livres, o recenseamento eleitoral com pausa para a Gabriela, as primeiras eleições e a vizinha que demorou muito a votar, porque havia muitos partidos com quadradinho onde traçar a cruz.

No dia 19 de maio voltamos a encontrar-nos em nova tertúlia, pelas 15 horas, com a Senhora da Orada como tema e local.

Esta segunda tertúlia foi quase totalmente organizada pelas responsáveis da Biblioteca (Celeste, Libânia e Conceição) e pela Maria da Luz. O nosso obrigado e as minhas desculpas, pois na sessão esqueci-me de lhes agradecer, assim como ao presidente da Junta.

José Teodoro Prata

Seguem-se as fotos da Rita Amaro:









segunda-feira, 25 de março de 2024

Palestra do Santo Cristo

 

Ainda é cedo para eu, o palestrante, fazer o balanço.
Acho que fomos infelizes na marcação da hora (16h), pois às 17h começava a via-sacra na Igreja e houve pessoas que não foram à palestra para irem à via-sacra.
Estiveram presentes cerca de 30 pessoas e acasos fortuitos impediram que fossem perto de 40. É a assistência normal, nestes eventos (entre 20 e 40 participantes). Embora este fosse um tema especial para nós. Mas a que distância já está o mito da realidade!
Tenho de passar a intervenção a escrito, pois o tema merece uma pequena brochura acessível a vicentinos e visitantes. Assim a Misericórdia tenha apoios para a fazer!

José Teodoro Prata
Foto da São Luzio

sexta-feira, 15 de março de 2024

Andam corças...


Na passada segunda-feira, cerca das 8:30h, uma corça atravessou a estrada, um pouco antes de se chegar ao cruzamento para a barragem do Pisco, vindo de C. Branco.

Eu vinha de carro a sair da lomba e ela teve de apressar a corrida, mas veio logo outro veículo em sentido contrário e a corça teve de se esticar toda para conseguir escapar. Seguiu depois pelo caminho que dá entrada no pinhal do sr. Francisco Ventura.

As corças devem ter aí um corredor de passagem, pois há uns tempos uma corça chocou com um carro que ia a passar, sensivelmente naquele local.

Andam corças pelos bosques e pelas estradas!

José Teodoro Prata

quarta-feira, 13 de março de 2024

segunda-feira, 4 de março de 2024

Conta-me histórias: a estreia

O salão da Casa do Povo encheu-se para o almoço da Comissão das Festas de Verão (cerca de 160 pessoas). A feijoada estava boa!

Após o café, cerca de metade das pessoas foram à sua vida, pois não tinham vindo a mais do que partilhar o momento do almoço e apoiar a organização. Por outro lado, o ruído era impróprio para o resto do programa. 

Mas houve boa vontade de todos e soubemos adaptar-nos às circunstâncias. O ruído foi diminuindo até desaparecer e...

...apresentámos o projeto Conta-me histórias: o Pedro Inácio Gama falou-nos sobre a vida do seu pai resineiro e o José Miguel Leitão partilhou a sua experiência na resina (no fim de três dias disse ao pai que preferia que o matasse a voltar lá); O João Prata Candeias falou dos Candeias e daquela que lhes deu o apelido, a candeia de azeite; o Francisco Alves Barroso contou a história da rapadoura e da sua importância no fabrico do pão; já não houve tempo para a Maria de Fátima Jerónimo, nem para mim, mas há mais marés que marinheiros. 

...o Fernando Pereira cantou as suas canções, as de sua autoria, as do cancioneiro reginal e as dos amigos que se foram cruzando com ele ao longo de uma vida de paixão pela música.

Foi bonita a festa, pá!




José Teodoro Prata

Fotografias de Rita Amaro

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

O nosso falar: abelhudo e desabelhar

 Andámos a fazer o desdobramento de uma colmeia e no final uma abelha não nos largava, por mais fumo que lhe lançássemos em cima.  

- Desabelha daqui! – disse-lhe o Chico. E rimo-nos, porque a expressão vinha mesmo a calhar.

A abelha anda sempre de um lado para o outro, numa constante azáfama, por isso chamamos abelhudo a alguém com a mesma caraterística, sobretudo se aparece de forma constante e inoportuna. E desabelhar é mandar o abelhudo dar uma volta, desaparecer. Neste caso era mesmo uma abelha!

José Teodoro Prata

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

O nosso falar: espigos

 Levei grelos de couve-naba a uma amiga do Norte e ela gabou-me a excelência do arroz de espigos, em especial de couve galega. Cada vez que eu falava de grelos, ela respondia-me com espigos e a certa altura disparou:

- Porque é que não dizes espigos?

- Na minha terra também se diz espigos, mas aqui só se fala em grelos… - justifiquei-me.

Quis ser simpático e coloquei-me ao nível dos albicastrenses, mas lixei-me, pois a minha amiga não transige com as suas raízes.

No resto da conversa já só se falou de espigos.

José Teodoro Prata

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Mais uma corça lusitana

 No livro Novelas do Minho, de Camilo Castelo Branco, mais propriamente na novela Maria Moisés, refere-se a origem do topónimo Santarém.

Já aqui escrevemos sobre o culto da corça pelos Celtas (0s Lusitanos eram Celtas) e da sua presença nas lendas de São Pedro de Vir-A-Corça, Monsanto, e da Senhora da Orada, São Vicente da Beira.

Mas vamos então ao Camilo:

O rei da Lusitânia Gorgoris teve uma filha que se apaixonou por um homem de baixa extração. O que denunciou estes amores foi, diz Bernardo de Brito em uma palavra de cunho português de lei, foi a «emprenhidão».

 - Credo! Que palavra! – exclamou com engulho D. Maria Tibúrcia.

- Não parece palavra de pessoa eclesiástica! – notou a outra senhora não menos escandalizada.

O mano Teutónio, como tinha piscado o olho direito ao cónego, ria-se, e o cónego, com a maior gravidade, disse:

- Minhas senhoras, os antigos faziam as coisas e diziam-nas; hoje em dia a civilidade não permite dizê-las. Ande lá com a filha de Gorgoris, sr. desembargador.

- Deu ela à luz um menino, que o avô deitou às feras; e, como as feras o não comessem, atirou-o ao Tejo. Foi o menino encontrado no sítio que hoje chamam Santarém; e, como quer que uma corça lhe desse o primeiro leite, chamou-se o menino Abidis, e daí veio chamar-se o lugar Esca Abis (manjar de Abidis), e, corrupto, Scalabis, etc.

Notas:

Frei Bernardo de Brito (1569-1617) escreveu uma monumental História de Portugal, em oito volumes, chamada Monarchia Lusitana. É a ela que o desembargador se refere para explicar a origem do nome Santarém.

Nestas 3 situações em que intervém uma corça a amamentar um bebé nascido de uma gravidez indesejada (no caso da nossa Orada, a corça alimenta a moça ainda grávida), a corça é como uma mãe que se dá num amor incondicional. Seria essa a caraterística que os Celtas atribuíam à corça, no culto que lhe prestavam?

José Teodoro Prata