UM AUTO DE NATAL
Natal Beirão
Da Etnografia da Beira, de Jaime Lopes
Dias,
transformado em texto
dramático por José Teodoro Prata,
adaptado a São
Vicente da Beira por José Manuel dos Santos
e representado, neste Natal, pelo Rancho Folclórico Vicentino.
O espaço assemelha-se a uma Igreja, com um corredor
a meio e o público dos dois lados. No lado oposto à entrada, em local elevado,
está um presépio vivo, com as principais figuras (São José, Nossa Senhora e o
Menino Jesus) e eventualmente outras figuras tradicionais.
Um padre (ou um leigo com essa tarefa) aparece em local
visível por todos e fala:
Padre:
É Natal. Alegremo-nos, nesta noite santa.
Comemoramos o nascimento de Jesus, que é Deus feito
Homem.
Com alegria, cantemos todos:
Todos os presentes:
Alegrem-se os céus e a terra
Cantemos com alegria
Que já nasceu o Menino
Filho da Virgem Maria
Entrai pastores entrai
Por esse portal sagrado
Vinde adorar o Menino
Numas palhinhas deitado
Ao fundo da igreja, encontram-se as
personagens intervenientes.
Os
pastores avançam um passo e cantam:
Ó meu Menino Jesus
Ó meu menino tão belo
Logo vieste nascer
Na noite do caramelo
Avança o primeiro pastor, dando alguns passos em frente.
Entretanto, surge uma estrela que guia o
pastor até ao altar. Esta deve estar sincronizada com os movimentos e paragens
que os pastores vão fazendo até chegarem ao presépio.
Primeiro
Pastor:
Vi uma estrela brilhante
E anjos a cantar
Levantei-me, comecei a andar
Até este local distante
Ó meu Menino Jesus
Ó meu Menino adorado
Aqui tendes a visita
Dos pobres pastores de gado
O primeiro
pastor avança mais um pouco pela coxia e continua a declamar:
Ó estrela luminosa
Meus passos alumia
Que eu venho visitar
O filho da Virgem Maria
Perto da capela-mor:
Ó meu Menino Jesus
Estou muito admirado
De Vos ver com tanto frio
Nessas palhinhas deitado
Chega ao presépio, volta-se para o Menino dizendo:
A oferta que Vos trago
É simples e de pouco valor
É apenas um cordeiro
Dos que guarda o pastor
Ajoelha, beija o Menino e continua a declamar:
Também trago uma merenda
Das que me dá o patrão
Ó meu Menino Jesus
Tende de nós compaixão
A estrela inicia o caminho de regresso e o pastor despede-se
dizendo:
Adeus Menino Jesus
As costas Vos vou virar
Adeus, até para o ano
Se eu cá puder voltar
Desce a coxia e junta-se aos outros pastores. Cantam
todos:
Ó meu Menino Jesus
Ó meu Menino tão belo
Logo vieste nascer
Na noite do caramelo
Um segundo
pastor entra em cena:
Junto ao gado eu dormitava
Quando ouvi anjos a cantar
Glória, paz na Terra, toca a levantar
Vamos adorar o Menino
Não há vida mais triste
Do que a vida de pastor
De inverno apanha frio
De verão muito calor
Avança e no meio da igreja e continua a declamar:
Eu vos peço meu Menino
Do fundo do coração
Que me livreis de guardar gado
E que eu venha a ser patrão
Em frente ao presépio:
Trago-Vos umas castanhas
Que tinha enterradas no chão
Não as roubei a ninguém
São das que me deu o patrão
Finda a atuação do segundo pastor, o
padre faz sinal à estrela para sair pela lateral e ela avança. O público zomba,
rindo, mas o segundo pastor diz:
Entrei pela porta principal
Por ela quero sair
De nada me importa
Que esta gente se esteja a rir
De frente para o presépio, despede-se:
Cá voltarei para o ano
Se ainda for pastor
A visitar-Vos Deus Menino
Que Vos tenho muito amor
Desce a coxia e junta-se aos outros e todos juntos
cantam:
Ó meu Menino Jesus
Ó meu Menino tão belo
Logo vieste nascer
Na noite do caramelo
Um terceiro
pastor avança, levando um cabrito e um sarrão.
O cabrito berra e o pastor tenta
acalma-lo; como não consegue, pede ajuda ao padre:
Ó senhor padre Manuel
Mande-me cá o sacristão
Que se não quer calar
Este grande berrão
Entretanto, cala-se o cabrito e o terceiro pastor volta-se para as pessoas e diz:
Cá vem o pobre pastor
Que sempre usa seu cajado
Seu ofício, toda a vida
É andar a guardar gado
Chego a casa, enfadado
De andar lá pelo monte
Ainda a patroa me diz
Ó criaaado, vai à fonte
Em frente ao presépio:
Vem qui comigo
Um cabrito a saltar
Cá Vos o deixo meu Menino
Aos pés do Vosso altar
Entretanto, uma pessoa da assistência
comenta:
Fraquinho! Muito fraquinho…
O público ri, mas o terceiro pastor não se mostra muito incomodado com a crítica e responde:
Ó meu Menino Jesus
Bem me podeis perdoar
Isto de fazer versos
É para quem os sabe quadrar
O público retoma a risada e o pastor com voz cava vai
desabafando:
Ó meu Menino Jesus
Esta gente está-se a rir
Eu já nem vejo a porta
Por onde hei-de sair
A estrela começa a regressar e o terceiro pastor
despede-se:
Ó meu Menino Jesus
Não me posso demorar
Pró ano se tiver saúde
Cá tornarei a voltar
Regressa para junto dos outros e todos cantam:
Ó meu Menino Jesus
Ó meu Menino tão belo
Logo vieste nascer
Na noite do caramelo
Um quarto
pastor avança e, voltando-se para o público, diz:
Esta noite de Natal
É noite de alegria
Vimos adorar o Menino
Filho da Virgem Maria
Vai subindo e no meio da coxia:
É meu Menino Jesus
É meu Deus verdadeiro
Foram-se-me os lobos ao gado
Levaram-me um cordeiro
Junto ao presépio:
Ó meu Menino Jesus
Eu vivo numas montanhas
Pouco mais tenho para vos dar
Do que umas tristes castanhas
Adeus, meu Menino Jesus
Filho da Virgem Maria
Se eu chegar a ser patrão
Até choro de alegria
Volta-se para o público:
Esta vida de pastor
É custosa de levar
Se não tira o gado a horas
O patrão começa a ralhar
Desce e todos cantam novamente:
Ó meu Menino Jesus
Ó meu Menino tão belo
Logo vieste nascer
Na noite do caramelo
O quinto pastor
avança e começa a função dizendo:
Se algum ponto errar
Ninguém se deve rir
A porta do errar é larga
Todos lá podem cair
No meio da coxia, volta-se para o público:
Esta estrela luminosa
Por onde passa, alumia
Ela me vai ensinar
O filho da Virgem Maria
No presépio, beija o Menino e diz:
Aqui trago, Menino Jesus
Dentro do meu sarrão
Uma garrafa de Vinho
Que me deu o patrão
Faz menção para se retirar, mas volta-se novamente
para o Menino:
Ó meu Menino Jesus
Já me ia a esquecer
Ainda cá tenho uma chouriça
Que é para vos oferecer
Regressa e cantam todos:
Ó meu Menino Jesus
Ó meu Menino tão belo
Logo vieste nascer
Na noite do caramelo
Padre:
Há mais alguém que tenha prendas para oferecer ao
Menino?
Sobe um ganhão
e diz:
Eu também quero adorar o Menino
Depois, junto ao presépio:
Eu Vos ofereço esta garrafinha
De vinho moscatel
Bem sei que não é para Vós
Mas para o senhor padre José Manuel
Uma camponesa sobre também
e declama:
Eu deixo este agasalhinho
Para Vos aquecer
Fi-lo para Vo-lo oferecer
É de lã e bem quentinho
Uma
costureira trazendo roupinhas:
Menino Jesus
Tenho que Vos dar
Pelos Vossos pés
Hei-de começar
O primeiro dado
Hão-de ser sapatos
Hemos de ir à feira
Comprá-los baratos
Já tendes sapatos
Precisais de meiinhas
Eu Vo-las farei
De linhas bem finas
Já tendes camisa
Precisais jaleque
Eu Vo-lo darei
De pano de crepe
Menino Jesus
Que mais Vos hei de dar!
Uma rica cama
Para Vos deitar
Uma padeira, com açafate
na mão, sobe a coxia e declama:
Eu sou a padeira
Trago pães bem fresquinhos
Ouçam meus queridinhos
Quero ser a primeira
A adorar o Salvador…
Tão bonito que Ele é
Filho de Maria e José
Lindo, lindo, um amor
Atrás vem uma
lavadeira:
Eu sou a lavadeira
Seus cueiros quero lavar
Hei-de pô-los a corar
Na nossa ribeira
Avança a leiteira
e diz:
Eu venho dar ao Divino
Um queijinho amanteigado
Há muito o tinha guardado
Para o oferecer ao Menino
No meio das pessoas surge uma voz:
Estou muito contente
Hoje nasceu o Salvador
Nosso rei e Senhor
Protege São Vicente
Ampara, guarda, dá saúde à nossa gente
Pereiros, Partida, Casal da Serra ou Mourelo
Vale de Figueira, Paradanta, Tripeiro ou Violeiro
Menino Jesus, é povo de São Vicente
Todos as
personagens recitam:
Bendito e louvado seja
O Menino Jesus nascido
No ventre da Virgem Maria
Nove meses andou escondido
A assistência, com uma
flor ou um raminho de oliveira na mão, intromete-se dizendo:
Pai-nosso vimos pedir
Paz, alegria, misericórdia e amor
Aceita Menino esta flor
Já é tarde, vamos dormir
Ó meu Menino Jesus
Dorme um soninho descansado
Muito obrigado
O padre o termina o
auto:
A todos os presentes
Tenham uma noite descansada
Apesar de estar gelada
Espero que estejam contentes
O Menino está dormindo
Nos braços da Virgem pura
Os anjos Lhe estão cantando
Meu amor, minha doçura!
As personagens,
no fundo da igreja, cantam:
O Menino está dormindo
Nos braços da Virgem pura
Os anjos Lhe estão cantando
Meu amor, minha doçura!
Todos batem palmas
e, enquanto vão saindo, cantam:
Ó meu Menino Jesus
Ó meu Menino tão belo
Logo vieste nascer
Na noite do caramelo