Um manual tributário
Os forais manuelinos incidem quase exclusivamente sobre os impostos a pagar pelos munícipes e a receber pelo poder real ou pelas entidades a quem este os doara.
O foral de S. Vicente da Beira (1512) estipulava que «Outrossim se pagará na dita vila um jantar e colheita a que chamam soldo d´água. E por ele pagam em cada um ano mil seiscentos reais repartidos por todos os moradores da dita vila e termo segunda tem a fazenda. Sem nenhuma pessoa ser escuso da dita paga por privilégio nem liberdade que tenha.»
Desde o início da nacionalidade que era obrigatório, por parte das populações, o fornecimento de víveres para a mesa das autoridades visitantes. Fosse o rei, o bispo, o senhor da terra ou os oficiais da comarca e da provedoria, todos tinham direito a ser alimentados pelos povos (além das hospedagem, também obrigatória).
A historiadora Iria Gonçalves estudou as colheitas devidas ao rei D. Afonso III, no século XIII, pelos concelhos de Sarzedas e S. Vicente da Beira. Eis a colheita régia de São Vicente, quase igual à de Sarzedas: carnes (1 vaca, 2 porcos, 5 carneiros e 15 galinhas), temperos para as carnes (1 almude de manteiga, alhos, cebolas e 1 almude de vinagre), ovos (100), mel (1 almude), sal (1 almude), pão (300) e vinho (1 moio e 6 almudes - 480 litros).
Os reis deslocavam-se acompanhados por um grande séquito! Se o rei não vinha ao concelho, mandavam-se os animais para o local onde residisse habitualmente. Mais tarde, a colheita régia em géneros foi convertida em dinheiro, devido anualmente ao rei. É a esse imposto que se refere o foral acima citado, que lhe chama soldo d´água. Em 1512, andava pelos 1600 reais e era devido ao rei. Não sabemos quem o recebia, mas, em 1496, era pago a Vasco Gil de Castelo Branco.
Segundo o Engenheiro Manuel Castelo Branco, D. João I fez doação desta colheita régia ao vicentino D. Fernando Rodrigues de Sequeira: «...estando em Santarém, a 13-2-1414, fez-lhe mercê da colheita e jantar, chamado do soldo de água, que a vila de S. Vicente da Beira, desde tempos antigos, costumava oferecer aos reis quando percorriam o reino.» D. Fernando Rodrigues de Sequeira teve vários filhos naturais, entre os quais D. Garcia Rodrigues de Sequeira. Ao filho deste, Rui Fernandes de Sequeira, também natural, confirmou D. Afonso V a doação da colheita régia, por alvará de 13-2-1471. Vasco Gil seria, possivelmente, bisneto de D. Fernando Rodrigues de Sequeira.
O poder real tinha ainda direito a um décimo das multas pagas nos processos judiciais: «A dízima da execução das sentenças se arrecadará na dita vila por direito real.» Mas doara à Ordem de Avis o imposto pago pelos tabeliães: «…paga cada um dos três tabeliães que há na dita vila à dita ordem, cento e oitenta reais de pensão.»
As normas para a cobrança da portagem ocupam grande parte do foral e constituem um bom retrato económico-social do Reino de Portugal, na época dos Descobrimentos.
Quem pagava a portagem eram as pessoas de fora do concelho, pelos produtos que traziam ou levavam, para venda. E especificaram-se os tipos de cargas: «…carga maior se entendam que são de besta muar ou cavalar. E por carga menor se entenda carga de asno. E por costal a metade da dita carga menor que é o quarto da carga de besta maior.» A carga maior correspondia a 10 arrobas, a menor a 5 e o costal a 2,5 arrobas. Por pequenas quantidades, não se pagava nada.
Um exemplo: «De todo o coiro de boi ou vaca ou de cada pele de veado, gamo, corso, bode, cabras, carneiros ou ovelhas curtidas ou por curtir, dois ceitis. E se vierem em bestas pagarão por carga maior nove reais e das outras por este respeito.» A portagem das mós pagava-se por peça. Assim, «E de mós de barbeiro, dois reais. E das de moinho ou atafona, quatro reais. E de casca ou azeite, seis reais. E por mós de mão, para pão ou mostarda, um real.» Igualmente o gado se pagava à cabeça: 1 real por cada boi e dois ceitis por cada ovelha, cabra ou porco.
E que produtos se comercializavam, nestes inícios do século XVI? A lista é extensa e já inclui alguns produtos de além-mar: cerais, vinho, sal e cal; panos de seda, lã, algodão ou linho; «…sapatos burgueses e de toda a calçadura de coiro…»; cera, mel, azeite, manteiga, sabão e alcatrão; grão de anil e brasil para tingir; papel e toucados de seda e algodão; especiarias e açúcar; pescado e marisco; fruta seca ou verde; sumagre e casca para curtir; bestas e escravos; telha, loiça de barro e mós de pedra; tonéis, arcas e tabuado serrado e por serrar…
A portagem era paga do seguinte modo: o vendedor entrava na vila e ia direto à casa do rendeiro ou do oficial da portagem, notificando-o da carga que trazia. Se não o achasse, dava a uma testemunha conhecimento das mercadorias transportadas e do local onde ficaria hospedado.
No antigo concelho de São Vicente da Beira, o produto da portagem era dividido, em partes iguais, pela comenda da Ordem de Avis e pelo mosteiro de São Jorge de Coimbra. Com os rendimentos deste mosteiro, já D. João II fizera, anos antes, nova comenda, dada à Ordem de Cristo. Tal facto é ignorado por este foral de 1512, por razões que desconhecemos.
Janela manuelina no alto da Rua Manuel Lopes.
Esta janela é típica da arte da época dos descobrimentos, sobretudo do reinado de D. Manuel I. Assim, foi esculpida por alturas da publicação do nosso foral manuelino.
Esta terá sido a casa onde morou Manuel Lopes Guerra, o qual deu nome à rua.
Manuel Lopes Guerra estava casado com Marianna Garcia, natural de São Romão, Seia.
Tinha um forno na Rua da Misericórdia e outro nesta rua.
Manuel Lopes Guerra seria irmão do Doutor Manuel Simões, morador na rua Manuel Simões, e avô de Maria Benedita Simões Feio de Carvalho que casou com um Cunha Pignatelli da Guarda, trazendo esta família para S. Vicente da Beira.