Mostra-nos a Senhora da Orada vista pelas gentes da vertente norte da Gardunha.
Sendo o site de Bogas de Baixo, não é muito claro a que aldeia se refere o autor, no primeiro parágrafo, pois o caminho apontado era o nosso e não o que, vindo de Bogas, entroncaria neste, na zona do Vale d´Urso. Mas este é um aspeto menor, que não belisca a riqueza do texto.
Uma das mais importantes vias de comunicação existentes na Aldeia até ao segundo terço do último século, era uma breda e nalguns locais já transformada em caminho que ligava o Casal da Serra e a Vila de São Vicente da Beira, ao Fundão, entroncava com o do Vale d´Urso, passando pelo Casal de Álvaro Pires, sítio da Vila Ribeira d´Alva, sítio da Vila Nova do Ocaia e o próprio Souto da Casa. Esta mesma via era muito utilizada pelos devotos da Senhora da Orada, aquando das Festas realizadas em Seu Louvor, e que residiam do lado de cá da Serra.
Ao alto do caminho que faz a transição natural da encosta de cá para a de lá, chamam-lhe há muito, a Portela. Sem dúvida que estamos em presença de mais um dos locais incomparavelmente belos e admiráveis da nossa Serra. Dali, consegue-se perceber o contraste entre uma paisagem dourada e quente, de transição para o Alentejo, do lado de Castelo Branco, e uma outra, serrana, acidentada, verde e fria para o lado do Souto da Casa. Era ali que alguém, em dia de festa à Senhora da Ourada, montava estrategicamente uma tasca de ocasião, cuja oferta aos forasteiros rendia alguns réis e vinténs no final do dia.
A lenda deste local prende-se com a calçada romana ali existente. De visita ao local, alguém de muito mais idade nos informou de que aquela calçada tinha sido feita pelo diabo numa noite. Perplexos e curiosos perguntámos o porquê de tal afirmação, ao que nos respondeu:
"Vocês que são gente de estudos, por certo já ouviram falar no Veriato!"
Perante a nossa estupefação, por não estarmos preparados para tal questão, retorquiu:
"Então nunca ouviram falar num valente homem que por aqui andava a distribuir porrada nos romanos?"
Aí, participando no seu raciocínio, indicámos que na verdade já tínhamos ouvido falar num Viriato, mas que andava bem longe destas paragens…
"Ai sim?
Então andava longe?
Fiquem então sabendo que foi por causa dele que os romanos nunca conseguiram passar do lado de lá, da Senhora da Orada, para o nosso lado!"
Notava-se perfeitamente no rosto queimado pelo sol de um sem número de Primaveras, envelhecido pela rudeza da vida e a dureza do trabalho do campo, a alegria de estar a ser ouvido e talvez compreendido. Sim, porque naturalmente lhe interessava mais que alguém o ouvisse do que o compreendesse. Isso pouco importava…
Os seus olhos negros e vivos irradiavam sabedoria e muito conhecimento, mas também orgulho sincero por ser dos do lado de cá!
"Foi então que não conseguindo levar a melhor com o tal Veriato, pela calada da noite, meteram mãos à obra e conseguiram fazer esta calçada até à Portela. Mas não passaram daqui, quando não…levavam poucas!"
Enquanto contava isto, pegava num dos extremos do cajado que lhe servia também de apoio às suas já débeis pernas e com uma força incontida ameaçava ainda hoje, no imaginário, "os do lado de lá".
"Percebem agora porque se diz que foi feita pelo diabo numa noite?"
Afinal o diabo toma a figura que lhe quisermos dar. Mas esta, por hábito, nunca passou de má, sinistra, inimiga, odiosa e sobretudo, a evitar! À margem desta lenda, como justificação ou não, para a sua existência, constatamos a veracidade dos seguintes factos:
- A calçada romana existe realmente na Portela;
- o Museu da Vila de São Vicente da Beira expõe imensos achados romanos nas suas vitrinas;
- bem perto, existem calçadas romanas em Alcongosta, Alpedrinha e Castelo Novo;
- é verdade que "para o lado de cá", a encosta Norte, a mais "guardada" da Gardunha, não existe qualquer calçada romana e desconhecemos achados romanos de interesse superior ou em quantidade a registar;
- também nos ensinaram que Viriato estendia a sua ação bélica de guerrilha impeditiva do avanço dos romanos, para cá dos Montes Hermínios.
Calçada entre a ermida da Senhora da Orada e o Rabaçal
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