José Barroso
Em muitos blogues têm aparecido rubricas do tipo ‘O nosso falar’, ‘A nossa faladura’ ou outras do género, que procuram recordar (e, assim, perpetuar para os vindouros), certos termos usados local ou regionalmente. Sem dúvida, um património a preservar. Não foi por acaso que o Dr. Jaime Lopes Dias escreveu a “Etnografia da Beira”, uma obra de investigação e recolha, em 10 volumes (!) que procura fixar a língua, os usos e os costumes da região.
Muitas vezes, esses termos são suficientes para constituir a base de um dialecto, no qual se entendem os da região (ou localidade), mas já não os estranhos a ela. Acontece, por exemplo, com o Mirandês que, ultimamente, tem sido estudado e divulgado.
Vem isto a propósito de o Zé Teodoro me ter dito, há tempos, que enviasse para o “Dos Enxidros” alguma colaboração escrita a este propósito. Sobre esta matéria, em concreto, enviei, até agora, apenas um artigo.
A melhor forma de divulgar esses termos é escrever textos, sobretudo em forma de diálogo, no estilo próprio da região, em que se integrem os termos ali usados, para o que, diga-se, é preciso uma certa habilidade que eu, de todo, não tenho. E a qual deve procurar-se nos escritores e poetas…
De todo o modo, desde então, iniciei a elaboração de uma listagem desses termos, de forma absolutamente precária. Isto é, movido apenas pela curiosidade, pela intuição e, sobretudo, pelo fascínio por esta linguagem. Que a mais não quero nem posso aventurar-me!
Tenho tentado eu próprio lembrar-me de muitos deles e procuro, também, a colaboração de amigos e conterrâneos. O objectivo não é fazer qualquer publicação (em livro). Embora, talvez, o assunto merecesse ser estudado por alguém especializado (um linguista), a fim de se tentar perceber melhor o fenómeno. E detectar algumas regras básicas desse linguarejar (se é que as há).
Por exemplo, por que é que o som ‘ch’ ou ‘x’ é precedido da letra ‘t’ e se pronuncia ‘tch’, como na palavra ‘catchopo’, em vez de cachopo, rapaz? É quase certo que isto se deve à influência do Castelhano, aqui ao lado. E ainda: por que é que, em muitos casos (mas não todos), os termos terminados em ‘a’ ou ‘ar’ são pronunciados em ‘e’ e ‘er’, como por exemplo ‘alguedèr’, em vez de alguidar, um tipo de bacia de cerâmica? Ou ‘mijèr’ em vez de mijar, urinar? E por aí fora.
A expressão ‘Catanos ma tchapem !!’ que uso como subtítulo deste texto, traduz a ideia de alguém que cometeu um lapso, fez qualquer coisa de errado, no trabalho ou no lazer (por exemplo, num jogo) e fica aborrecido consigo mesmo.
Vendo mais de perto: a palavra ‘catano’ é um vulgarismo (de certa forma, é um palavrão) e significa ‘pénis’ (pelo menos em alguns dicionários); tem ainda outros significados.
Mas é, por exemplo, usada na literatura portuguesa e cito de memória: “Venho de Trevões, que é lá em casa do catano.” (!!), in ‘O Malhadinhas’, Aquilino Ribeiro.
Por sua vez ‘tchapem’, vem de chapem, do verbo chapar. ‘Tchapado’ é o mesmo que tramado, encrencado. Pode ter explicação naquela hipótese já aqui aventada pelo Zé Teodoro que tem a ver com ‘as sortes’ ou, seja, com a atribuição, em tempos, da chapa militar. O que significaria mobilização para o serviço militar com os problemas acrescidos que isso implicava para a vida dos rapazes.
Para terminar, que o texto já vai longo e outras oportunidades haverá para abordar o assunto, recordaria uma série de termos e expressões usados em S. Vicente da Beira e região, para significar as palavras ‘demónio’, ‘diabo’ e ‘alma’, muito vulgarizadas no imaginário das comunidades rurais cristãs:
‘Damonho’ (demónio), ainda há dias usada pelo Ernesto Hipólito num comentário, neste blogue; ‘damontre’ (demónio), por exe., quando alguém se refere a outrem - positiva ou negativamente - pode dizer: ‘ai o damontre’; ‘damòtcho’; (demónio); ‘ai, cadamótcho’ (ai, que demónio); ‘cadiabo’ (que diabo); ‘cadiatcho’ (que diabo); diatcho (diabo); ‘dialho’ (diabo); ‘dielho’ (diabo), usada por exe., na expressão: ‘ó alma do dielho !!’; ‘alma de chichentes’ (alma de seiscentos (diabos)), por exe., na expressão: ‘ai, o alma de chichentes’; ‘alma de cântaro’, também usada pelo autor, na obra literária acima referidos; cito, mais uma vez, de memória: “Ó alma de cântaro, o coçar e o ralhar estão no começar”.
E a saga continua, porque isto tem pano para mangas.
Nota:
Os regionalismos aqui usados são grafados e acentuados de forma livre, dado que estamos no âmbito de uma linguagem dinâmica e volátil, que atende sobretudo à sonoridade. Não se pretende nem se pode, por isso, respeitar a pureza linguística.
No mais, uso a ortografia anterior ao actual Acordo.
Um comentário:
Parabéns Zé Barroso por esta mostra da nossa genuina maneira de falar.
Penso que pouco a pouco vamos conseguir que as nossas gentes voltem a usar as palavras que fazem parte da nossa memória e não as deixar cair no esquecimento.
Lembro-me de um rapaz que hà alguns ano aplicava a frase:-Fumér, mijér, bréco!!!.
Também perguntava ao seu automóvel: Queres mato?
Sabes bem quem era.
Um grande abraço
E.H
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