Quando
a descobri, já lá vão uns anos, ainda avistávamos gente à conversa na rua ou a
tratar das pequenas hortas nos quintais, à roda das casas; as galinhas, nas
capoeiras, agitavam-se à passagem de estranhos; ouviam-se os chocalhos das
cabras a pastar ali por perto e outras a balir na corte, por baixo das casas,
que vinham cumprimentar-nos; o ar cheirava a pão acabado de cozer. Não havia
café ou taberna, mas a água fresca da fonte matava a sede de quem passava.
Quando
lá voltei, uns anos depois, já se via menos gente pela rua; a capoeira, logo à
entrada, já não tinha galinhas, e as hortas tinham ficado mais pequenas. Paradoxalmente,
uma das casas do largo principal estava em obras; disseram que era para um
restaurante.
Voltei
lá há tempos e o processo de desertificação é ainda mais evidente: os moradores
contam-se agora pelos dedos das duas mãos, quase todos já muito idosos, a viver
sozinhos, ansiando pelo dia da visita dos filhos, que vivem longe; muitas casas
com os telhados abagados e as paredes esbarrondadas; os campos, à roda, sem
gente para os tratar. Senti que Figueira se transformara num museu a céu
aberto, sem gente, mas revelando-nos bastante do que foi a vida dos seus
habitantes ao longo do tempo.
Construída
de forma a ficar fechada sobre o seu próprio interior, a aldeia tinha um
sistema de portas que a protegia durante a noite. As cancelas simples,
construídas em madeira, tinham como principal objetivo evitar a entrada de
lobos. Estas portas protegiam tanto a população como os animais que viviam sob
as casas. (Retirado da tabuleta)
Ruas
estreitas, labirínticas, com casas de xisto e balcões de acesso ao piso de
cima, que servia de habitação. O vão deixado pelas escadas e outros recantos
junto às casas eram aproveitados para capoeiras. Durante o dia as galinhas
andavam à solta, bicando pelas ruas de terra, mas à noite todos os animais eram
recolhidos para evitar ataques de raposas e lobos. (Retirado da tabuletas)
O
forno comunitário é o centro da aldeia e continua em utilização. Chegou a ser
aquecido para cozer pão uma dezena de vezes num único dia, obrigando a um
sistema de marcação que se mantém visível. Cada família tinha uma peça em
madeira e metal, com as suas iniciais, com a qual era marcada a ordem em que
iria utilizar o forno. Esse sistema de marcação é ainda visível na trave de madeira
com 33 furos que se encontra suspensa na parede. (Retirado da tabuleta)
As
casas tinham dois pisos: o de baixo servia de curral ou de furda; o de cima era
para habitação ou servia de palheiro.
Métodos
muito rudimentares utilizados nas portas dos currais, quer nos batentes, quer
nas fechaduras (tranca, neste caso, mas também há cravelhas(?)).
E
o restaurante lá está. Chama-se Ti Augusta e deve o nome à antiga proprietária
da casa, uma pessoa das mais bem remediadas da terra. Tinha também um coração
grande: ninguém que lhe batesse à porta abalava com fome ou de mãos a abanar.
Lá dentro sentimo-nos a recuar no tempo, pelas paredes de xisto, as sonaves à
vista, os nichos nas paredes ou o ranger do soalho. Para além do afogado da
boda, dos maranhos e do plangaio, tudo acompanhado de muitos legumes, também
serve o cabrito ou borrego no forno.
Como
museu, vale a pena a visita. Fica a pouco mais de uma hora de viagem e,
felizmente, o fogo andou lá perto, mas foi atalhado a tempo.
M.
L. Ferreira
5 comentários:
A continuarem as politicas actuais o território vai ficando cada vez mais despovoado. (Interesses)! não sei.
Quanto menos população tiver um determinado espaço, menos valem as casas, os terrenos... até chegar alguém, adquire tudo isso por um valor irrisório; não me espanta nada daqui amanhã regressarem as coutadas...
Não fiquei espantado com a notícia do Zé Teodoro "Breves mas Importantes" sobre a feira medieval
S. Vicente, Vila com história merecia ter a sua feira de acordo com os pergaminhos históricos ancestrais.
Deviam ser os naturais a contribuir.
Em cada dia, seria representado um quadro histórico relacionado com temas locais
O figurino ao longo destes anos era sempre o mesmo, as pessoas aos poucos foram-se alheando...
A nossa freguesia tem o tamanho de um concelho; a área do concelho de Belmonte "por exemplo" é igual à área da freguesia de S. Vicente
Antigamente, quando havia algum evento na vila os paroquianos deslocavam-se em massa para assistirem e participarem "não havia estradas, automóveis"... mas havia capacidade de mobilização, em cada lugar existia alguém responsável capaz de mobilizar as pessoas
-"Senhor Santo Cristo, Semana Santa, Senhora da Orada..."
Actualmente os responsáveis não são capazes de cativar, agregar os fregueses paroquianos quando se realizam eventos importantes como é o caso da feira
Dói o coração ver a nossa vetusta sala de visitas com expositores expondo seus produtos e não haver freguesia que os adquiram
-Quanto à desertificação e transformação de aldeias, lugares em futuros museus a céu aberto não me espanta nada.
Há autarquias que aplicam a mezinha dos paninhos quentes, atribuem um subsídio por cada criança que nasça no seu território; já é alguma coisa, mas não chega.
Gasta-se o dinheiro e depois!
O governo é que tem de ter mão nisto tomando medidas sérias como aquela que os franceses tomaram
A partir do terceiro filho as mães passam a receber uma subvenção substancial, muitas deixaram seus empregos para se dedicarem à família e aos filhos. Assim, sim; a natalidade aumentou.
Não podemos esquecer o passado, mas temos obrigação de pensar em medidas positivas para o desenvolvimento dos territórios para que a população regresse aos seus locais de origem.
Tenho dito
J.M.S
O assunto (desertificação) é muito complexo e pode merecer um debate. Mas receio que não haja solução à vista. Toquei-lhe muito ao de leve no dia do lançamento do nosso livro na Misericórdia, em 2016. Alguém depois respondeu (acho que foi o saudoso Roque Lino), que disse: "As pessoas saem da vila porque têm que ir tratar da vida!". Pudera! Isso, porém, confirma o problema. Além do mais, o "Jornal do Fundão" já fez esse debate (ou um debate idêntico) nas "Jornadas da Beira Interior". As conclusões estão publicadas. Mas isso nada adiantou. Acho que agora existe por aí um "Movimento pelo Interior" (ou coisa do género) que pode conseguir algumas coisas. Mas o assunto não é fácil porque todos os estudos indicam que as populações tendem a fixar-se nas grandes cidades.
Há uns tempos, pensava eu, as cidades do interior, como Castelo Branco, teriam beneficiado muito com o êxodo das populações das aldeias, sobretudo as situadas nas serras; do mesmo modo, as terras baixas (Alcains, Lardosa, etc.), teriam também beneficiado com esses movimentos migratórios. E isso é verdade! Alcains era um lugarejo comparado com S. Vicente da Beira! Hoje é ao contrário!
Todavia, fiquei estupefacto quando o INE, há pouco tempo, veio mostrar que a descida das gentes das aldeias para as planícies não foi suficiente para as segurar no interior. Com efeito, o saldo é, ainda assim, negativo, porque a debandada para o litoral superou aquele movimento!
Tudo isto é confirmado com os autarcas, tanto de Alcains como de Castelo Branco, a queixarem-se na comunicação social, da fuga de pessoas das respetivas jurisdições. E a confirmação maior chegou, pouco depois, com o poder político a reduzir em 2, o número de deputados a eleger para o Parlamento pelo distrito de Castelo Branco.
Esta é a nossa realidade. Que, por assim dizer, é uma consequência. Mas o que, na verdade, era preciso conhecer era as causas. As causas sociológicas de tudo isto. O que é ainda mais profundo.
Julgamos saber quais são algumas delas. Fica para o putativo debate... Todavia, adianta-se já que isso tem a ver com a transformação da própria sociedade, com o progresso. De que modo, veremos. Mas é um facto. De certo modo é até uma fatalidade! Daí que algumas políticas pontuais não tenham, até hoje, resolvido o problema. E é aí que devemos temer!
Abraços.
JB
Depois de lido e muito refletido como muito bem dizem e os estudos apontam, para o fim do século, 70% ou mais das populações viverão em cidades enormes. Então, podemos concluir que os homens seguem para já o modelo das abelhas e pior de tudo isto, será, portanto, quando em consequência desse êxodo as flores começarem a escassear.
A diminuição produtiva não terá só a ver com o êxodo, terá mais a ver
com o aumento da desertificação dos solos, diminuição e poluição da água doce, aumento dos ultravioletas... mas não vale a pena ir por aí, melhor será olhar os lírios do campo e as aves do céu que nem semeiam e nem recolhem...O mundo tal como a nossa vida será o que fizermos dela. E pode haver um recomeço permanente, por isso deixem-se de lamurias. A vida é abundante e persistente e muito frágil também. Basta, dizem, uma pequena alteração no eixo da terra...é bom que se ralem apenas com o que está nas vossas mãos. Não gosto de vos ver amargurados.
FB
É por essas e por outras que daqui a um mês vou almoçar à Figueira!
A verdade é que nós temos a população a viver nos mesmos sítios desde praticamente os finais da Idade Média. Onde havia um terreno que não fosse só pedras, sorrubava-se, cultivava-se e fazia-se uma choça para viver. E assim nasceram tantas aldeias próximas umas das outras (no passado chamadas casal e monte). De há 200 anos para cá, com a maior segurança e o crescimento demográfico, a dispersão ainda se tornou maior, pois as pessoas saíram das aglomerações em que viviam e fizeram as casas novamente nos campos, como acontecera na Idade Média.
Por isso foi tão difícil evitar as mortes nos incêndios deste verão: as pessoas vivem no meio da natureza.
A Espanha, aqui mesmo ao lado, não tem nada disso: a população concentra-se nas grandes cidades e são raras as quintas e as aldeias.
Como vamos evoluir? Não sei, mas as cidades do nosso interior têm aguentado à custa dos campos em redor! Isto é, a atração pela cidade já dura há umas boas dezenas de anos.
A questão da dicotomia inteiro/litoral é outra questão...
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