Muito se tem
falado sobre a falta de contacto das crianças com as brincadeiras de rua. Médicos
de família, nutricionistas e especialistas em psicomotricidade alertam para a falta de mobilidade das
crianças e para a obesidade infantil.
Habitualmente, desenvolvo um projeto sobre
Horta Escolar e planto diversos legumes. Sempre que me é possível, dou um
saltinho à horta e noto que inicialmente os miúdos sentem um grande constrangimento
em mexer na terra. Os dias de rega são os favoritos, pois a mangueira verte
alguma água e faz pequenas poças. Um dia, contei-lhes que quando era da idade
deles brincava com a terra e fazia bolinhos. Incentivei-os a fazer a
experiência e foram eufóricos para a sala a perguntar se para a próxima podiam
repetir a brincadeira. Uns dias depois, voltámos à horta e uma aluna disse não
poder ajudar; os pais tinham proibido por ter chegado a casa com os sapatos
sujos de terra.
Fiquei
perplexa por pensar nos pais atuais, com máquinas para tudo. A minha mãe criou
oito filhos e nunca nos proibiu de brincar ou reclamou por nos sujarmos. Claro
que o meu pensamento foi até à Tapada da minha infância.
Aproveitávamos os dias em que a minha mãe ou a tia Stela despejavam as presas
da Barroca, para regar as hortas ou armazenar água no tanque. As regueiras
ficavam cheias de água límpida e nós começávamos a azáfama. Fazíamos um cone de
terra e com o cotovelo uma cavidade na ponta. Deitávamo-nos ao lado do
rego e com a boca, sorvíamos um gole de água que lançávamos na cova
redondinha. Víamos a água a desaparecer
e esperávamos um pouco. Com os dedos indicadores, íamos afastando a terra solta e
com muito cuidado pegávamos na malguinha que colocávamos na palma da mão. Ficávamos
encantadas por ver como tinha ficado perfeita! Era colocada, com muito jeitinho,
nas saliências da rocha que servia de cozinha. Voltávamos ao rego e a
brincadeira continuava pela tarde fora. Diversas sementes seriam o arroz que
iria encher as malgas.
Entretanto, íamos vigiando o caudal do rego para sabermos o momento de irmos
tapar as presas à Barroca. Pegávamos num sacho e íamos por uma vereda junto ao
rego. Chegadas às presas, verificávamos se realmente estavam completamente
despejadas. Colocávamos a tranca na parte exterior do alvanel e na parte de
dentro colocávamos terra que era apertada coma as mãos e com o sacho, para não
haver o perigo de vazar durante a noite. O mais difícil era tapar a mina. À entrada víamos um túnel cavado na rocha e
ao fundo uma imensa escuridão. A água era escura, pois o desnível provocado
pelas areias acumuladas, à boca da mina, fazia com que ela ficasse sempre com
bastante água. Para a tapar por dentro, era preciso inclinar-me sobre a água e tatear
até encontrar a cavidade que tinha que ser fechada com torrões para ficar
completamente selada. Imaginava serpentes a enrolarem-se à volta do braço e, quando terminada a tarefa, suspirava de alívio. Regressávamos a casa felizes por
termos cumprido bem a nossa missão. A nossa mãe perguntava sempre:
- Então as presas ficaram bem
tapadas? Vejam lá se amanhã, quando o dono da água as for despejar, não
encontra lá nada!
Conceição
Teodoro