A leitura da notícia “O varrasco do concelho” pode dar-nos a ideia de que levar uma porca ao porco era uma coisa banal, mas não, não era pera doce.
Nos finais dos anos 60, o meu pai emigrara para França e a minha mãe, com muitos filhos, cá tocava a vida para a frente. Havia anos em que o porco que comprava para criar era uma porca e então punha-se a fazer contas. Tirar uma ninhada de porcos, antes de a matar, iria ajudar um pouco na economia da casa, concluía ela. Havia o inconveniente de adiar a matação para inícios da primavera, mas isso era o menos.
Entre Abril e Junho, a porca ficava saída e então ganhava o privilégio de sair da furda e descer a quelha até à Vila. Depois, rua da Cruz e rua do Convento abaixo, transpúnhamos o portão da Casa Conde e, já dentro, procurávamos o quinteiro ou a mulher dele.
O barraco morava sozinho, numa furda. Abríamos a cancela e chegávamos-lhe a porca. Ele interessava-se logo por ela, esfregavam-se um no outro, roncavam e faziam o serviço. A seguir, desinteressava-se e nós puxávamos a porca para fora e ala para a Tapada, agora sempre a subir, com pausas para descanso, pois a porca nunca andara tanto na vida dela.
Havia porcas que andavam bem, mas outras eram um monte de trabalhos: deitavam-se no chão, teimavam em seguir por ruas fora do nosso itinerário…
Uma houve que foi particularmente difícil de levar e trazer. Até ao Cimo de Vila não houve novidades, mas depois deu em deitar-se no chão, afocinhar, correr para a Corredoura quando nós queríamos descer a rua. De pouco valeu a lata com o milho ou a folha de couve. Fez o que lhe apeteceu e só à conta de empurrões pelo rabo, puxões pelas orelhas e folhas de couve roubadas num couval ali perto é que encarreirou com a descida. Chegou às traseiras da Igreja sem mais trabalhos, mas depois queira ir passear para a Praça ou ficar a fossar na esquina da rua Dona Úrsula. Mais uma trabalheira para a meter na quinta. Lá dentro foi o costume, fácil.
No regresso, outro calvário, menos movimento, mas igual teimosia. Já estávamos todos cansados, a porca e nós (eu e a minha mãe) e ela só queria ficar a espojar-se nas valetas frescas da regadia. Mas lá voltou à furna.
Se, no mês seguinte, a porca não desse sinais de andar saída outra vez era porque estava coberta. Então esperava-se até parir e a vida na Tapada tornava-se uma festa, com uma ninhada de bacorinhos branquinhos a brincar de um lado para o outro e a correr para a mãe sempre que ela os chamava para mamarem, com um roncar carinhoso.
Depois, quando já comiam a comida da mãe, também eles desciam a quelha para a Vila, no sábado do mercado. Agora, a porca não fazia birras, nem tinha caprichos, toda atenções só para os filhos. O pior eram eles mesmos, desabituados do movimento das ruas. Corriam de um lado para o outro, entre o susto e a brincadeira. E nós (agora com reforços) a tentarmos mantê-los junto da mãe, que não sabia para onde se virar.
O mercado dos porcos era na entrada da rua do Quintalinho, então aberto para futura urbanização. Eu ficava ao pé da porca, juntando os porquinhos o mais possível. A minha mãe dava uma volta pelos negociantes de leitões, a ver os preços. Se tínhamos a sorte de alguém se abeirar de nós e mostrar interesse pelos porquinhos, vinham logo os negociantes, um a um, a desdenhar dos nosso porcos e a perguntar o preço. A minha mãe enervava-se, mas aguentava aquele jogo de cálculo e nervos que durava uma ou muitas horas, dependia de como estava o mercado e da pressa que os negociantes tinham em partir. Era a eles que acabávamos por vender quase todos os porcos.
E voltávamos para casa com a porca, todos aliviados, mas confusos: a porca por não voltar com os filhos, eu a tentar entender aquela lição prática de economia e a minha mãe na dúvida se fizera o melhor negócio.
Bom ou mau, o preço de um leitão era para pagar a cobrição ao dono do barraco. O resto engordava a porca para a matar ainda antes de vir o calor.