«Minério na Paradanta? Ná… Por modos passou
por lá muito, que no tempo da guerra havia muita candonga e contam-se algumas
histórias. Esta foi logo no ano a seguir a eu ter saído da escola; vai lá um
bom par d’anos. Já andava na resina e um dia cheguei a casa, já noite, e era um
reboliço tão grande na terra que só visto: tinha vindo a Guarda e levado nove
homens, todos algemados, para Castelo Branco. Só depois é que se soube o que
tinha sucedido:
Na véspera, à tardinha, tinham chegado à
entrada da Paradanta quatro homens, cada um com sua saca às costas. Chegaram lá
a um certo sítio, apousaram as sacas e esconderam-nas debaixo dum aqueduto,
tapadas com mato. Lá terão feito as contas e dois dos homens abalaram pelo
mesmo caminho d’onde tinham vindo, os outros dois ficaram assentados ali ao pé,
a fumar um cigarro. Passado um bocado também se meteram ao caminho, p’ros lados
do Vale D’Urso. Por modos foram a comer a uma casa de pasto que por lá havia
naquele tempo.
Tiveram azar porque uma mulher que morava
numa casa lá mais adiante tinha visto chegar aqueles estranhos e ficou à
espreita, desconfiada, a ver o que é que eles faziam. Quando os viu abalar saiu
porta fora e foi ver o que é que as sacas tinham. Assim que viu como é que elas
estavam cosidas e o peso que tinham, desconfiou logo do que é que se tratava.
Ainda quis pegar numa, mas não foi capaz de poder com ela. Foi então chamar um
dos filhos que já tinha vindo da escola, e os dois lá conseguiram carregar uma das
sacas até casa.
Puseram-se a fazer contas: não seriam menos
de 50 quilos de minério, a um conto de réis cada um, dava cinquenta contos.
Estavam ricos!
O cachopito ficou tão contente que, apesar da
mãe lhe ter dito que não dissesse nada a ninguém, foi para a rua e contou logo ao
primeiro que encontrou, o achado que tinham feito. E que no mesmo lugar ainda
lá tinham ficado mais três sacas.
A notícia chegou depressa aos ouvidos do
taberneiro que esfregou as mãos de contente e, juntamente com mais oito que
àquela hora estavam a fazer sociedade na taberna, foram logo a correr para o
sítio onde diziam que estavam as sacas.
Quando lá chegaram já lá estavam os outros
dois homens, sentados à entrada do viaduto, ao pé da mercadoria. O taberneiro
pegou na arma que trazia à cintura, deu dois tiros para o ar e berrou:
- Mãos ao ar e ala daqui p’ra fora!
Os outros nem se mexeram.
- Mas que mal é que tem estarmos aqui um
pouco a descansar? Os caminhos não são públicos?
- Já disse o que tinha a dizer! Os primeiros
foram p’ro ar, mas os próximos vão-vos direitos aos cornos!
Ao ouvirem isto, os dois homens levantaram-se
e desataram a fugir estrada fora. Só devem ter parado já longe dali.
Por modos eram do Juncal, e eram
contrabandistas de minério, mas deviam ter as costas bem quentes que ao outro
dia apareceram na Paradanta uns poucos de guardas da GNR e, quem foi, quem não
foi, conseguiram levar para Castelo Branco a matilha completa.
Passaram a noite nos calaboiços da prisão à
espera de serem levados ao juiz no dia a seguir. Mas o taberneiro que é quem
tinha sido o cabecilha daquilo, durante a noite começou com falinhas mansas
para os outros: que podiam dizer ao juiz que ele não tinha tido culpa nenhuma;
que só tinha ido apartar porque senão armava-se ali uma grande zaragata; que
uma pessoa da categoria dele era uma vergonha se fosse presa e ficava com a
vida desgraçada para sempre; e mais isto, e mais aquilo…
- Então vossemecê é que nos meteu nesta
alhada toda e é que deu os tiros, e agora quer pôr-se de fora?! Não senhora; ou
vamos todos p´ra cadeia ou não vai nem um!
- Se me safarem, prometo que dou um conto de
réis a cada um de vós.
Olharam uns para os outros e concordaram.
- Assim é que é falar! Esteja descansado que
a gente faz como vossemecê diz.
Naquele tempo um conto de reis era muito dinheiro,
que um homem por dia não ganhava mais que sete e quinhentos; e não eram todos…
Foi solto o taberneiro e os outros ficaram
presos durante um mês. Quando saíram vinham todos contentes e foram logo a ver
se recebiam a paga pela mentira que tinham dito ao juiz, mas o outro negou-se. E
que remédio tiveram senão calar-se, com medo, que ele era o Cabo d’Ordens e se
os tomava de ponta, estavam desgraçados…
Ficaram conhecidos pela “Matilha dos Nove”
para o resto da vida. E o Cabo d’Ordens não escapou da fama, mas nunca se
provou…».
Nota:
Esta história foi-me contada pelo Ti Chico quando, a propósito da história “As
Mulheres da Paradanta” do Joaquim Bispo, lhe perguntei se era verdade que havia
volfrâmio na terra dele.
M. L. Ferreira