E que tal a choradela de entrudo modernista ("...por linhas tortas")? Um abraço a todos os visados!
Hoje vamos à matação* do porco, antes que o tempo aqueça e dê cabo dos enchidos.
Concluímos amanhã, com a culinária da matação.
O frio para matar o porco só chegava por alturas do Natal. Mas então a vida fazia-se em volta da azeitona e não havia vagar para mais nada. Entretanto, comprava-se um cesto de bagaço*, para acabar de engordar o porco.
Uma vez, num dia de Outono, o meu pai levou-me com ele à Oles. De saca vazia ao ombro, íamos comprar bolota para a carne do porco ficar mais saborosa. Mas o ti Zé Maria sorriu e lamentou-se, porque os sobreiros eram cada vez menos e há muito tempo que nem havia bolota com fartura para as ovelhas.
Quando a azeitona já ia estando colhida, lá por fins de Janeiro, não havia domingo em que não se ouvissem, logo pela manhã, os guinchos de um porco, a quem interrompiam a rotina da furda*.
Três semanas antes do domingo marcado, ia-se à carqueja ao Cabeço do Pisco, primeiro o meu pai e mais tarde eu, quando já dava conta do recado. Se estivesse bom tempo, deixava-se o molho na rua, se chovia, metia-se na loja.
A matação era trabalho de homens e os homens tinham que beber vinho. Por isso, uma das principais coisas a fazer, dias antes, era arranjar vinho, não o de todos os dias, que se vendia na mercearia, mas fazia doer a cabeça e não se sabia se era de uva. Não, o vinho tinha que ser bom e agradar a quem o ia beber.
O meu pai levava-me com ele ao Caldeira, a casa do ti Jaquim Macedo, que vendia vinho e era amigo do meu pai. Contava-me histórias da tropa, de quando andou a prender frades nos dias a seguir à República. Trazíamos dois garrafões de vinho, que devia chegar para o jantar e para o porco.
No dia da matação, levantávamo-nos cedo, porque era preciso preparar tudo antes dos homens chegarem. Eles eram o tio Zé Candeias, o meu padrinho, que morava ao nosso lado, o tio João Teodoro, o tio Chico Bernardino, o meu avô Francisco e o tio Joaquim, todos do Casal da Fraga. Quem matava o porco era o meu avô Francisco, mas o tio Joaquim aprendeu com ele e passou a ser o matador. Depois dos cumprimentos, almoçávamos café com leite ou vinho e pão com queijo fresco de cabra ou curado de ovelha e azeitonas. E íamos ao trabalho.
As azeitonas
Desde cedo me calhou meter a corda na pata do porco, mas sempre tive medo, das dentadas e das voltas repentinas dele, que me podiam apertar contra a parede. Como ele nunca queria sair da furda, puxávamos pela corda, empurrávamos pelo rabo e agarrávamos pelas orelhas. Em pouco tempo, estava estendido em cima do banco. O tio Joaquim atava-lhe o focinho, para não morder, e a minha mãe chegava com uma colher de pau e uma bacia com um pouco de vinho e uma mão cheia de sal.
O matador espetava-lhe a faca e a minha mãe persignava-se e depois apulava o sangue, sempre a mexer, para não coalhar. Nós segurávamos, à espera dos esticões que nos podiam atirar ao chão, mais ao porco, e fazer passar uma envergonhadela.
Com a morcela da banca* cá fora, a dar pretexto para brincadeiras e larachas*, começava-se a chamuscar com a carqueja e a raspar com facas velhas. Alguém protestava que já era hora de matar o bicho* e eu lá vinha com as passas e a aguardente. Comecei também a beber meio copo, para ajudar a levar o porco até à loja. Mas antes ainda o lavávamos e raspávamos com navalhas afiadas. O matador lavava as orelhas com água bem quente, fazia o cu*, cozia a ferida do pescoço, punha o chambaril* e estava pronto. Os homens, todos fortes, preveniam-se para o esforço final com mais um mata-bicho e o porco era então carregado em braços para a loja e pendurado na sonave*.
O chambaril
O tio Joaquim abria o porco, com dois cortes na barriga, do cu ao focinho. Primeiro tirava o toucinho entremeado, para o seventre, e logo se apreciava se o porco era februdo ou se tinha muito toucinho. A minha mãe chegava com bacias e alguidares, para as carnes. Depois apulavam-se as tripas para o tabuleiro, que se colocava em cima do banco de matar o porco. Antes de arrefecerem, a minha mãe separava as tripas umas das outras, tirando as gorduras que as ligavam.
Os meus tios do Casal iam-se embora, a arranjarem-se para a missa. Nós não podíamos. Fechávamos a loja, para os gatos lá não irem, e íamos ajudar no jantar. A minha mãe, as minhas irmãs e uma das irmãs da minha mãe, a tia Estela ou a tia Carlota, preparavam a comida, na cozinha. Eu e o meu pai arranjávamos a mesa, na sala. Abria-se a mesa e, como as cadeiras não chegavam, colocávamos umas tábuas dos lados, para nos sentarmos. Depois, eram as toalhas, os pratos, as colheres, os garfos e os copos. Tudo pronto. Na cozinha também, a adivinhar pelo cheiro do seventre*, que fervia na caçola* de ferro ou de barro, em cima das trempes, ao lume.
Chegavam os meus tios, as minhas tias e os meus primos. Sentávamo-nos à mesa, bem apertados, para cabermos. Mas não cabíamos, os mais pequenos iam para a cozinha e algumas mulheres ficavam a servir e comiam no fim.
Primeiro a sopa de feijão encarnado com couves. A seguir o arroz de bacalhau, se havia dinheiro, ou do osso da sevã*, o osso do peito do porco, acabado de matar. Para os homens, vinho, para as mulheres, meio copo. Depois as ervas, o feijão grande guisado, as batatas cozidas e o seventre. Era o melhor, mas já mal cabia. Mais uns copos e a fruta, laranjas da Oriana, do meu avô João Prata.
Depois de jantarem, as mulheres iam ao ribeiro lavar as tripas. Também levavam sal grosso, vinagre e limões ou laranjas azedas. A minha mãe às vezes ficava, para ir adiantando as morcelas. Os homens jogavam às cartas, conversavam e bebiam vinho.
Ao fim da tarde, a cozinha enchia-se de mulheres e alguidares de carnes ensanguentadas. Migava-se o véu da barriga, bem miudinho, com as tesouras da costura. Depois misturava-se com sangue e temperava-se. Com enchedeiras*, ia-se metendo a massa nas tripas miúdas, cortadas em pedaços, com uma ponta já atada. Depois de cheia, atava-se a outra ponta, com fio suficiente para as pendurar nas varas. Coziam-se ao lume, lentamente, para não rebentarem, e depois penduravam-se na latada do fumeiro*. Aos mais pequenos davam-se umas pequeninas, as netas, que se assavam nas brasas, logo à saída da panela de ferro.
O dia terminava com a prova das morcelas de assar e todos regressavam a suas casas com um presente de toucinho entremeado e morcelas.
No dia seguinte, de manhã, o matador vinha desmanchar o porco com o meu pai. Depois temperavam-se as carnes para os chouriços, para as morcelas de cozer e para as farinheiras. As outras carnes eram metidas na salgadeira, entre camadas de sal. Com os presuntos era preciso ter cuidado, para tomarem bem de sal e não se estragarem. Como eram altos, faziam-se furos nas carnes e enchiam-se de sal. Depois também iam para a salgadeira, mas só por três meses. Eram então tirados, limpos e barrados com pimento e azeite. E começavam-se a comer.
Os enchidos ocupavam as mulheres da casa durante uns dias. Quando se enchiam os chouriços, fazia-se um grande com a tripa do cego*, onde se metia a língua inteira. Tinha que se atar em toda a volta, pelos quatro lados, para a linha não rebentar com o peso. No dia das farinheiras, as últimas a fazer, não se gastava a massa toda, para fritar cagarrapos*.
A latada do fumeiro ficava a enfeitar a nossa cozinha durante meses: na primeira vara, junto à chaminé, mais perto do lume, ficavam os chouriços, depois as chouriças, as morcelas de cozer, as de assar e por último as farinheiras.
Eu ia logo aos tojos*, que cresciam atrás da casa, nos eucaliptos do Padre Tomás. Eram para afastar os gatos das varas do fumeiro. Punham-se nas pontas das varas, do lado do alçapão do forro*, que era por onde os gatos vinham.
E tínhamos carne para todo o ano.
O tojo
Vocabulário
•Apular - Apanhar algo que vem de cima, que cai.
•Bagaço - Resíduo sólido da azeitona, depois de triturada e prensada, para lhe tirar a parte líquida.
•Caçola - Pronúncia local de caçoula; caçarola.
•Cagarrapos - Pronúncia local de cadarrapos (Castelo Branco), alimento confeccionado a partir da massa das farinheiras.
•Cego - Parte inicial e mais larga do intestino grosso.
•Chambaril - Instrumento artesanal, feito de madeira dura, habitualmente de oliveira, castanho ou sobreiro. O pau deve ter uma curvatura de cerca de 130 graus e fazem-se-lhe cortes nas extremidades aguçadas, em forma de cavilha, para prender nos tendões das patas do porco. O animal é pendurado para a desmancha, suspenso pelo chambaril.
•Enchedeira - Espécie de funil, em lata, para encher o enchido.
•Fazer o cu - Tirar os dejectos fecais da parte final do intestino grosso, com água e/ou palha, cortar em volta do ânus, por fora, até à profundidade de cerca de um palmo, atando firmemente esta extremidade do intestino com uma baraça forte, para impedir a saída de dejectos durante a extracção das tripas, quando o porco é aberto.
•Forro - Espaço superior da casa, junto ao telhado. Ali se guardavam as batatas, as pinhas, ferramentas...
•Furda - Sítio onde vive o porco.
•Laracha - Graça; chalaça; dito jocoso, que provoca riso.
•Loja - Piso térreo da casa, para alojar os animais e guardar as alfaias agrícolas.
•Matação - Matança; morte do porco em casa de quem o criou, com todo o ritual tradicional.
•Matar o bicho (ou mata-bicho) - Beber um copo de aguardente no início da manhã; neste caso, durante os trabalhos da matação do porco, que ocorrem ao longo da manhã.
•Morcela da banca - Dejectos fecais do porco, expelidos involuntariamente nas afrontas da morte.
•Osso da sevã - Osso do peito do porco, correspondente ao externo. Sevã é a maneira local de dizer suã. Esta designa os ossos da espinha e das vértebras, mas em S. Vicente da Beira refere-se apenas ao osso do externo.
•Seventre - Comida regional, confeccionada a partir do sangue, do fígado e do toucinho entremeado do porco.
•Sonave - Trave-mestra; viga.
•Tojo - Arbusto com espinhos e folhas reduzidas, de flor amarela.
•Trempes - Arco de ferro, assente em três pés, onde se colocam as panelas ao lume.
(Publicado em: PRATA, José Teodoro – “Instantes saborosos”, Estudos de Castelo Branco, Julho de 2007, Nova Série, N.º 6, Direcção de António Salvado)
Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Contradança
Pedira ao Dário Inês fotografias do nosso rancho a dançar a contradança, no Carnaval do ano passado, para ilustrar a publicação "Tradições de Carnaval".
Como a vida no mundo real ainda se sobrepõe à realidade online, só agora as recebi.
Aqui ficam. Com a promessa, para breve, de reportagem fotográfica do corso carnavalesco deste ano.
Fotografias do Dário Inês.
Como a vida no mundo real ainda se sobrepõe à realidade online, só agora as recebi.
Aqui ficam. Com a promessa, para breve, de reportagem fotográfica do corso carnavalesco deste ano.
Fotografias do Dário Inês.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
…por linhas tortas
Os leitores deste blogue sabem da minha deriva aquando das eleições para o cargo de Director Executivo do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira. Deriva, porque desrespeitei os estatutos não escritos que me impusera para este blogue. Não sei de quem herdei este lado emocional. Só pode ser dos Jerónimos, pois os meus outros costados são muito racionais.
Declarei publicamente o meu apoio ao candidato Carlos Almeida, em concorrência como o professor Cavaco, o qual acabou por vencer as eleições e dirige actualmente este agrupamento de escolas.
Na altura, logo um gozão de Lisboa brincou com as cinzas destes meus entusiasmos.
Mais tarde, em Idanha-a-Nova, encontrei-me com o Presidente da Câmara, Joaquim Morão. Com ele tive mais sorte. Lamentou não ter a Câmara seguido o meu conselho. O Carlos Almeida acabou por ganhar a direcção da Escola João Roiz, em Castelo Branco. Em São Vicente, ele estaria mais longe e não teria tantas oportunidades de brilhar.
Sem querer, acabaram por dar força a um adversário político. Um tiro no pé. Bem feita!
O Carlos Almeida ligou-me, a agradecer o meu apoio, mas que o ia lixando, pois perdeu por poucos votos. Agora está a 500 metros de casa! Reiterou o seu agradecimento, mas pediu-me para não voltar a meter-me, pois podia dar-lhe azar! De mal agradecidos…
Com o João Benevides Prata, o Presidente da Junta, falei bem mais tarde. Que proximidades e distâncias, apoios e contrapartidas… Eu avisei-vos que não é dos Pratas que me vem esta costela emocional. Nunca farei uma carreira política!
Do lado do professor Cavaco, nada. Até este fim de semana. Ao abrir o jornal Reconquista de sexta-feira, 12 de Fevereiro, deparei-me com a seguinte notícia, em forma de publicidade paga:
«A Direcção do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira e todo o seu pessoal docente e não docente agradecem, por este meio, ao vicentino José Teodoro Prata, o seu apoio ao candidato derrotado nas eleições para a direcção deste agrupamento. A sua tomada de posição, através do blogue “Dos Enxidros”, fez com que alguns eleitores tivessem mudado o sentido de voto, permitindo ao professor Cavaco alcançar a vitória. Neste momento, a comunidade escolar está mais unida e dinâmica do que nunca. O nosso BEM HAJA ao José Teodoro Prata, por este seu contributo, mesmo que involuntário, para o engrandecimento da nossa Escola!»
(Segue-se a assinatura do Director da Escola, em nome de toda a comunidade escolar)
Fiquei chocado, sem saber se agradecem ou gozam comigo. Reli o anúncio. Está na página 12 do jornal, no canto inferior direito. São uns brincalhões!
Mas parece que acabou tudo bem, mesmo óptimo, a acreditar no anúncio. Se Deus, que é Deus, às vezes escreve direito por linhas tortas…
Declarei publicamente o meu apoio ao candidato Carlos Almeida, em concorrência como o professor Cavaco, o qual acabou por vencer as eleições e dirige actualmente este agrupamento de escolas.
Na altura, logo um gozão de Lisboa brincou com as cinzas destes meus entusiasmos.
Mais tarde, em Idanha-a-Nova, encontrei-me com o Presidente da Câmara, Joaquim Morão. Com ele tive mais sorte. Lamentou não ter a Câmara seguido o meu conselho. O Carlos Almeida acabou por ganhar a direcção da Escola João Roiz, em Castelo Branco. Em São Vicente, ele estaria mais longe e não teria tantas oportunidades de brilhar.
Sem querer, acabaram por dar força a um adversário político. Um tiro no pé. Bem feita!
O Carlos Almeida ligou-me, a agradecer o meu apoio, mas que o ia lixando, pois perdeu por poucos votos. Agora está a 500 metros de casa! Reiterou o seu agradecimento, mas pediu-me para não voltar a meter-me, pois podia dar-lhe azar! De mal agradecidos…
Com o João Benevides Prata, o Presidente da Junta, falei bem mais tarde. Que proximidades e distâncias, apoios e contrapartidas… Eu avisei-vos que não é dos Pratas que me vem esta costela emocional. Nunca farei uma carreira política!
Do lado do professor Cavaco, nada. Até este fim de semana. Ao abrir o jornal Reconquista de sexta-feira, 12 de Fevereiro, deparei-me com a seguinte notícia, em forma de publicidade paga:
«A Direcção do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira e todo o seu pessoal docente e não docente agradecem, por este meio, ao vicentino José Teodoro Prata, o seu apoio ao candidato derrotado nas eleições para a direcção deste agrupamento. A sua tomada de posição, através do blogue “Dos Enxidros”, fez com que alguns eleitores tivessem mudado o sentido de voto, permitindo ao professor Cavaco alcançar a vitória. Neste momento, a comunidade escolar está mais unida e dinâmica do que nunca. O nosso BEM HAJA ao José Teodoro Prata, por este seu contributo, mesmo que involuntário, para o engrandecimento da nossa Escola!»
(Segue-se a assinatura do Director da Escola, em nome de toda a comunidade escolar)
Fiquei chocado, sem saber se agradecem ou gozam comigo. Reli o anúncio. Está na página 12 do jornal, no canto inferior direito. São uns brincalhões!
Mas parece que acabou tudo bem, mesmo óptimo, a acreditar no anúncio. Se Deus, que é Deus, às vezes escreve direito por linhas tortas…
sábado, 13 de fevereiro de 2010
Tradições de Carnaval
Era assim o nosso Carnaval, até aos anos 60:
Chorar o entrudo
De noite, com um funil na boca, para disfarçar a voz e se ouvir mais alto, duas ou três pessoas iam para perto da casa de alguém e choravam-lhe o entrudo, gozando com essa pessoa, a propósito de uma situação engraçada ou embaraçosa que lhe ocorrera durante o ano.
Jogar à caqueira
Os jovens sentavam-se em fila, uns atrás dos outros, e iam atirando, por cima das cabeças, um cântaro de barro de uns para os outros. Quando alguém deixava cair o cântaro, troçava-se dele, fazendo-lhe uma churra*.
Atirar paneladas
À noite ia-se a casa das pessoas e atirava-se uma panela de alumínio pelas escadas abaixo, cheia de pedras, se fosse inimigo, ou maçãs/passas/batatas, se fosse amigo. A panela fazia muito barulho ao rebolar, sobretudo se tivesse pedras, atraindo a atenção dos moradores da casa.
Comadres e compadres
Quinze dias antes do Carnaval, faziam-se as comadres: os rapazes sorteavam entre si as raparigas, a rapariga que calhasse a um rapaz era a sua comadre.
Oito dias antes do Carnaval, faziam-se os compadres: as raparigas sorteavam entre si os rapazes, o rapaz que calhasse a uma rapariga era o seu compadre.
Depois, na Páscoa, davam-se as amêndoas às comadres e aos compadres.
Culinária carnavalesca
Era costume fazer arroz doce, na altura do Carnaval.
Dançar a contradança
Os homens vestiam-se uns de mulher e outros de homem e dançavam a contradança* com paus e fitas, cantando estas quadras:
Quatro mocinhas
A fazer café
Por causa das moças
Ainda vai haver banzé
Ainda vai haver banzé
Minha linda coradinha
Quem quiser namorar a rola
Desça abaixo à cozinha
Desça abaixo à cozinha
Que é aí mesmo onde ela mora
Papagaio asseado
Vira-te ó rosa, vira-te ó cravo
Virão, virão
Mais a madrinha
Onde vais José
Mais a Luisinha
Deitar os confeitos
À rapaziada
Isso, isso, isso
A menina está lembrada
Vocabulário:
Churra - Maneira local de dizer surra, que significa dar uma sova, bater, neste caso com palavras, zombando da pessoa.
Contradança - Dança de quadro ou mais pares, uns defronte dos outros. O termo tem origem inglesa, de "country dance" e designava as danças dos camponeses. Estas danças foram adoptadas pelas classes altas e até pela corte real. No século XVII, as "country dances" passaram à França, onde o nome mudou para "contredanse". Dali chegaram a Portugal, sendo o nome traduzido para "contradança". O termo abrange quase todas as danças dos ranchos folclóricos, embora por vezes apenas se use para designar a dança que se apresenta nesta fotografia.
Contradança em Mafra, anos 50. Do site: http://www.attambur.com/Recolhas/Estremadura/Dancas/contradanca.
Recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985
Chorar o entrudo
De noite, com um funil na boca, para disfarçar a voz e se ouvir mais alto, duas ou três pessoas iam para perto da casa de alguém e choravam-lhe o entrudo, gozando com essa pessoa, a propósito de uma situação engraçada ou embaraçosa que lhe ocorrera durante o ano.
Jogar à caqueira
Os jovens sentavam-se em fila, uns atrás dos outros, e iam atirando, por cima das cabeças, um cântaro de barro de uns para os outros. Quando alguém deixava cair o cântaro, troçava-se dele, fazendo-lhe uma churra*.
Atirar paneladas
À noite ia-se a casa das pessoas e atirava-se uma panela de alumínio pelas escadas abaixo, cheia de pedras, se fosse inimigo, ou maçãs/passas/batatas, se fosse amigo. A panela fazia muito barulho ao rebolar, sobretudo se tivesse pedras, atraindo a atenção dos moradores da casa.
Comadres e compadres
Quinze dias antes do Carnaval, faziam-se as comadres: os rapazes sorteavam entre si as raparigas, a rapariga que calhasse a um rapaz era a sua comadre.
Oito dias antes do Carnaval, faziam-se os compadres: as raparigas sorteavam entre si os rapazes, o rapaz que calhasse a uma rapariga era o seu compadre.
Depois, na Páscoa, davam-se as amêndoas às comadres e aos compadres.
Culinária carnavalesca
Era costume fazer arroz doce, na altura do Carnaval.
Dançar a contradança
Os homens vestiam-se uns de mulher e outros de homem e dançavam a contradança* com paus e fitas, cantando estas quadras:
Quatro mocinhas
A fazer café
Por causa das moças
Ainda vai haver banzé
Ainda vai haver banzé
Minha linda coradinha
Quem quiser namorar a rola
Desça abaixo à cozinha
Desça abaixo à cozinha
Que é aí mesmo onde ela mora
Papagaio asseado
Vira-te ó rosa, vira-te ó cravo
Virão, virão
Mais a madrinha
Onde vais José
Mais a Luisinha
Deitar os confeitos
À rapaziada
Isso, isso, isso
A menina está lembrada
Vocabulário:
Churra - Maneira local de dizer surra, que significa dar uma sova, bater, neste caso com palavras, zombando da pessoa.
Contradança - Dança de quadro ou mais pares, uns defronte dos outros. O termo tem origem inglesa, de "country dance" e designava as danças dos camponeses. Estas danças foram adoptadas pelas classes altas e até pela corte real. No século XVII, as "country dances" passaram à França, onde o nome mudou para "contredanse". Dali chegaram a Portugal, sendo o nome traduzido para "contradança". O termo abrange quase todas as danças dos ranchos folclóricos, embora por vezes apenas se use para designar a dança que se apresenta nesta fotografia.
Contradança em Mafra, anos 50. Do site: http://www.attambur.com/Recolhas/Estremadura/Dancas/contradanca.
Recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985
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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Carnaval
A festa carnavalesca surgiu a partir da implantação, pela Igreja Católica, no século XI, da Semana Santa, antecedida por quarenta dias de jejum, a Quaresma. Esse longo período de privações acabaria por incentivar a reunião de diversas festividades nos dias que antecediam a Quarta-feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma.
A palavra Carnaval está, desse modo, relacionada com a ideia de afastamento dos prazeres da carne, pelo "adeus à carne" ou "carne vale", dando origem ao termo "Carnaval".
É possível que as raízes do Carnaval se encontrem num festival religioso primitivo, pagão, que homenageava o início do Ano Novo e o ressurgimento da natureza, na Grécia arcaica.
No período do Renascimento (séculos XV e XVI) as festas que aconteciam nos dias de Carnaval incorporaram os bailes de máscaras, com suas ricas fantasias e os carros alegóricos.
O Carnaval moderno, feito de desfiles e fantasias, é produto da sociedade do século XIX. A cidade de Paris foi o principal modelo exportador da festa carnavalesca para o Mundo.
Cálculo do Carnaval:
Todos os feriados eclesiásticos são calculados em função da data da Páscoa, com excepção do Natal. Como o domingo de Páscoa ocorre no primeiro domingo após a primeira lua cheia que se verificar a partir do equinócio da Primavera (no hemisfério norte) ou do equinócio do Outono (no hemisfério sul), e a sexta-feira da Paixão é a que antecede o Domingo de Páscoa, então a terça-feira de Carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa.
Da Wikipédia (adaptado)
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Chalim
Nunca soube o nome dele, mas chamavam-lhe Chalim. Às vezes avistava-o na Praça, sempre a babar-se e a dar com os braços e a cabeça.
Depois, na Tapada, quando eu, as minhas irmãs e os meus primos ficávamos sozinhos, se as nossas mães iam às compras ou à Igreja, imaginávamos o Chalim a dobrar a curva da quelha, a abanar-se todo.
Fugíamos para casa e fechávamos a porta por dentro. Sabe-se lá o mal que um homem assim nos podia fazer.
Um dia, ia com o meu pai para casa do meu avô Prata, na Oriana. Ao chegar à Dona Zara, na Rua de São Sebastião, vi um homem que vinha em direcção a nós. Era ele.
Cheguei-me mais ao meu pai, peguei na mão dele e apertei-lha com força. Cruzámo-nos e o meu pai cumprimentou-o. Ficaram a conversar e eu, espantado, porque o Chalim falava como os outros homens e era amigo do meu pai.
A certa altura, desceu a mão direita, lentamente, a abanar muito. E eu, outra vez receoso, a segui-la com os olhos. Tentou metê-la no bolso exterior do casaco, mas custava a acertar com o buraco, com tanta tremideira. Finalmente conseguiu e o gesto revolto, fechado no bolso, fazia abanar toda a aba do casaco.
A pouco e pouco, a mão começou a sair do bolso e a subir. Trazia uma bola cor de laranja, uma tânjara. Aproximou as duas mãos e mudou-a de mão. Depois voltou a descer, o mesmo calvário e mais uma tânjara.
A da mão esquerda voltou à direita e, a custo, estendeu a mão trémula e cheia na minha direcção.
“Toma menino.” - ofereceu-me, já com a baba a aflorar nos cantos da boca.
Eu fiquei parado, sem tempo para perceber tanta coisa.
“Aceita.” - disse o meu pai.
Peguei nelas, sem mais reacção.
“O que se diz?” – insistiu comigo o meu pai.
“Bem haja!”
Eles continuaram a conversa e eu descasquei uma das tânjaras e comia-a, sôfrego, dois e três gomos de cada vez. Era só mel. Depois a outra, doce como o açúcar!
Eu era ainda muito pequeno e não tenho mais lembranças do Chalim. Mas, muitas vezes, ao longo da minha vida, me interroguei se tenho sido merecedor de toda a doçura daquele gesto.
Depois, na Tapada, quando eu, as minhas irmãs e os meus primos ficávamos sozinhos, se as nossas mães iam às compras ou à Igreja, imaginávamos o Chalim a dobrar a curva da quelha, a abanar-se todo.
Fugíamos para casa e fechávamos a porta por dentro. Sabe-se lá o mal que um homem assim nos podia fazer.
Um dia, ia com o meu pai para casa do meu avô Prata, na Oriana. Ao chegar à Dona Zara, na Rua de São Sebastião, vi um homem que vinha em direcção a nós. Era ele.
Cheguei-me mais ao meu pai, peguei na mão dele e apertei-lha com força. Cruzámo-nos e o meu pai cumprimentou-o. Ficaram a conversar e eu, espantado, porque o Chalim falava como os outros homens e era amigo do meu pai.
A certa altura, desceu a mão direita, lentamente, a abanar muito. E eu, outra vez receoso, a segui-la com os olhos. Tentou metê-la no bolso exterior do casaco, mas custava a acertar com o buraco, com tanta tremideira. Finalmente conseguiu e o gesto revolto, fechado no bolso, fazia abanar toda a aba do casaco.
A pouco e pouco, a mão começou a sair do bolso e a subir. Trazia uma bola cor de laranja, uma tânjara. Aproximou as duas mãos e mudou-a de mão. Depois voltou a descer, o mesmo calvário e mais uma tânjara.
A da mão esquerda voltou à direita e, a custo, estendeu a mão trémula e cheia na minha direcção.
“Toma menino.” - ofereceu-me, já com a baba a aflorar nos cantos da boca.
Eu fiquei parado, sem tempo para perceber tanta coisa.
“Aceita.” - disse o meu pai.
Peguei nelas, sem mais reacção.
“O que se diz?” – insistiu comigo o meu pai.
“Bem haja!”
Eles continuaram a conversa e eu descasquei uma das tânjaras e comia-a, sôfrego, dois e três gomos de cada vez. Era só mel. Depois a outra, doce como o açúcar!
Eu era ainda muito pequeno e não tenho mais lembranças do Chalim. Mas, muitas vezes, ao longo da minha vida, me interroguei se tenho sido merecedor de toda a doçura daquele gesto.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
SOS Porco
Vou publicar, nas próximas semanas, dois trabalhos sobre a matação do porco.
Preciso de fotografias. Há por aí alguém que tencione tirar o chiadouro a um porco, nos próximos dias, ou que possa ir fotografar as fases da matação do porco a casa de um familiar ou vizinho?
Informem-me e depois enviem-me as fotos, pois esta tradição não durará muito mais tempo e os que estão longe gostam de matar saudades.
Preciso de fotografias. Há por aí alguém que tencione tirar o chiadouro a um porco, nos próximos dias, ou que possa ir fotografar as fases da matação do porco a casa de um familiar ou vizinho?
Informem-me e depois enviem-me as fotos, pois esta tradição não durará muito mais tempo e os que estão longe gostam de matar saudades.
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