Em os quinze dias do mês de janeiro do presente ano de
mil setecentos e vinte e três, faleceu da vida presente, com todos os
sacramentos, o padre Vicente Vaz, presbítero natural que era do Casal dos
Pereiros, freguesia de Nossa Senhora da Assunção, desta vila de São Vicente da
Beira, e morador nesta mesma vila, onde foi cura muitos anos.
Fez testamento solene e aprovado na forma de lei pelo
tabelião Nicolau Veloso Ascenso com sete testemunhas, cuja cópia dos legados
pios tresladei abaixo deste assento, na forma que se segue. Está sepultado
dentro a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção sobredita, de que fiz este
assento, no mesmo dia mês e era acima.
O Vigário Estevão Álvares de Pina
Cópia dos
legados e disposições do Padre Vicente Vaz
Que o seu corpo seja
sepultado na igreja desta vila e que no dia do seu falecimento, sendo hora, se
lhe digam duas missas de presente, e não sendo horas, ao outro dia, por esmola,
cada uma, de cento e vinte réis. E se lhe faça um ofício de nove lições(?) ao
sétimo dia do seu falecimento.
Que se lhe digam pelas almas
de seus pais quatro missas; pela alma de António Lourenço, duas; pela alma de
sua tia, a Ruyva(?), do Ninho do Açor, duas; pelas almas de suas irmãs, duas
missas; pelas penitências mal cumpridas, quatro; pelas almas dos mais defuntos
seus parentes, quatro.
Deixa a Francisco Lopes de Carvalho,
seu afilhado, pelo amor de Deus e descargo da sua consciência, pelo terem
servido, um souto ao Vale de Pero Lourenço; uma terra com seu fruto à Ribeira
Queimada; uma vinha na Mata; a metade da silha da Barroqueira, para ele
ali poder por suas colmeias; mais lhe deixa dez colmeias; a sua espingarda;
dois potes, um de ter vinho e outro de ter azeite; mais um baú que tem mais um alqueire de
linhaça; e quanto o que o dito tiver seu naquela casa onde ele mora o poderá
tirar sem o ninguém impedir.
Deixa a seu sobrinho Manuel
Vaz quatro colmeias e assento para elas no fundo das Barrocas (…).
Deixa a sua sobrinha Francisca um souto ao Pisão desta
vila, a metade do Valinho, com suas oliveiras e mais quatro colmeias.
Deixa a sua sobrinha, mulher
de Domingos Freire, de Almaceda, uns castanheiros na Barroca do Mourelo.
Deixa a seu sobrinho José
Pires a metade da Barroca do Freixo, porque a outra metade é da capela.
Deixa a Manuel Figueira, dos
Pereiros, casado com sua sobrinha, o chão que tem nos Pereiros, com suas
árvores e casa que nele fez; mais uma tapada grande à ribeira dos mesmos
Pereiros, com obrigação de cinco missas para sempre. E tendo filho que se
ordene lha porão em património (…). Porém, nestes primeiros dois anos depois do
seu falecimento, se lhe dará em missas, por sua intenção, todo o rendimento da
dita tapada. E de tudo o mais institui como universais herdeiros Manuel
Figueira e sua mulher.
Declara que deve à irmandade
de São Pedro, desta Vila, quatro mil e oitocentos réis. E que acompanhem seu
corpo as confrarias e a cada uma se dê um alqueire de centeio.
E não consta mais do dito
testamento, o qual foi feito pelo Doutor Manuel Simões, a dez de fevereiro de
mil setecentos e vinte e dois e aprovado no mesmo dia e era pelo tabelião
Nicolau Veloso Ascenso, sendo testemunhas presentes, que na aprovação o
assinaram, o Pe. Miguel de Abreu, Francisco de Azevedo Cabral e Pina, João
Batista Marques, Manuel Rodrigues(Roiz) Calvo, Francisco Rodrigues(Roiz)
Fróis(Fraes?), Manuel Leitão, Bernardo da Costa, ao que tudo me reporto.
Fez mais um codicilo em sete
de janeiro do presente ano de mil setecentos e vinte e três, no qual mandou que
de vinte alqueires de centeio que lhe devia seu herdeiro Manuel Figueira deixa
a sua irmã viúva Maria Fea, oito alqueires, à mulher do dito Manuel Figueira,
quatro alqueires, ao afilhado Francisco Carvalho, cinco, à irmandade de São Pedro,
um, e à do Santíssimo, um. E à do Santo Cristo um alqueire de azeite e que no
dia do seu falecimento se lhe digam duas missas por sua alma, de esmola de
cento e vinte réis, que pagará seu afilhado Francisco Lopes de Carvalho, de
setecentos e noventa réis que havia pago do concerto das casas.
O qual codicilo foi feito
por mim vigário, ao qual estiveram presentes e nele assinaram Valentim Peres,
Simão, solteiro, criado de Bartolomeu Peres, Manuel, solteiro, filho de Manuel
Mendes Mouco, todos moradores desta vila. E a entregaram os próprios ao dito
herdeiro Manuel Figueira, no dia 18 de janeiro do dito ano, o qual assinou aqui
comigo.
São Vicente da Beira, dia,
mês, e era ut supra.
O Vigário Estêvão Álvares de Pina
Manuel Figueira
Notas:
- O Vigário Estêvão Álvares de Pina era um Familiar do Santo Ofício. Foi contemporâneo
do Pe. Manuel Simões que investigou o passado de Alexandre Henriques, em São
Vicente da Beira, como comissário da Inquisição, segundo a autora do estudo
apresentado há dias.
As principais funções dos Familiares estavam ligadas à máquina policial do Santo Ofício, cabendo-lhes
executar as prisões de suspeitos de heresia, sequestrar os bens dos condenados,
nos crimes em que coubesse confisco, e efetuar diligências a mando dos
inquiridores.
- O tabelião que registou o
testamento do Pe. Vicente Vaz chamava-se Nicolau Veloso Ascenso. Seria familiar
de Nicolau Veloso de Carvalho, que casou com Maria Cardoza Frazão, em 1698. Era
filho de Manuel Leitão(?) de Carvalho e de Maria Távora. Um deles deu o nome à
atual rua Nicolau Veloso.
José Teodoro Prata