Há um ano, li o Novo Testamento, de Frederico Lourenço, um especialista em grego, professor da universidade de Coimbra, que está a traduzir a BÍBLIA, procurando reconstituir a versão original dos textos do livro sagrado dos cristãos. Na introdução que ele faz e com outro livro que lera anteriormente (O Domínio do Ocidente, de Ian Morris, um historiador judeu), fiquei com a convicção clara de que a renovação do judaísmo, pregada por Jesus, constituiu tal ameaça aos interesses do clero judaico que este teve de o matar para sobreviver. Aliás, na história conhecida de Jesus, contada nos Evangelhos, há um constante confronto entre Jesus e a elite religiosa do seu tempo.
É o que se defende neste interessante artigo, que muito contribuirá para aumentar a nossa cultura religiosa.
Encontrei-o em:
https://www.imperativoonline.pt/2018/03/31/jesus-nao-morreu-pelos-nossos-pecados-e-sim-por-enfrentar-o-sistema/
Jesus não
morreu pelos “nossos pecados” e sim por enfrentar o sistema
Nesta
Páscoa, transcrevemos um artigo do blog Caminho Pra Casa. Um artigo
exclusivo de um dos maiores biblistas vivos, o frade italiano Alberto Maggi. A
tradução é do padre brasileiro Francisco Cornélio. No texto, Maggi procura dar
uma nova versão sobre a morte de Cristo.
Segundo o autor, os Evangelhos são claríssimos: Jesus
morreu porque confrontou o Templo, um sistema de dominação e exploração dos
pobres de Israel. Jesus não inaugurou o tempo da culpa, mas o da misericórdia e
o da vida plena para os pobres.
A íntegra do
artigo a seguir (em português do Brasil.)
Por Alberto Maggi
| Tradução: Francisco Cornélio
Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados. Essa é a
resposta que normalmente se dá para aqueles que perguntam por que o Filho de
Deus terminou seus dias na forma mais infame para um judeu, o patíbulo da cruz,
a morte dos amaldiçoados por Deus (Gl 3,13).
Jesus morreu pelos nossos pecados. Não só pelos
nossos, mas também por aqueles homens e mulheres que viveram antes dele e,
portanto, não o conheceram e, enfim, por toda a humanidade vindoura. Sendo
assim, é inevitável que olhando para o crucifixo, com aquele corpo que foi
torturado, ferido, riscado de correntes e coágulos de sangue expostos, aqueles
pregos que perfuram a carne, aqueles espinhos presos na cabeça de Jesus, qualquer
um se sinta culpado … o Filho de Deus acabou no patíbulo pelos nossos pecados!
Corre-se o risco de sentimentos de culpa
infiltrarem-se como um tóxico nas profundezas da psiquê humana, tornando-se
irreversíveis, a ponto de condicionar permanentemente a existência do
indivíduo, como bem sabem psicólogos e psiquiatras, que não param de atender
pessoas religiosas devastadas por medos e distúrbios.
No entanto, basta ler os Evangelhos para ver que as
coisas são diferentes. Jesus foi assassinado pelos interesses da casta
sacerdotal no poder, aterrorizada pelo medo de perder o domínio sobre o povo e,
sobretudo, de ver desaparecer a riqueza acumulada às custas da fé das pessoas.
A morte de Jesus não se deve apenas a um problema
teológico, mas econômico. O Cristo não era um perigo para a teologia (no
judaísmo havia muitas correntes espirituais que competiam entre si, mas que
eram toleradas pelas autoridades), mas para a economia. O crime pelo qual Jesus
foi eliminado foi ter apresentado um Deus completamente diferente daquele
imposto pelos líderes religiosos, um Pai que nunca pede a seus filhos, mas que
sempre dá.
A próspera economia do templo de Jerusalém, que o
tornava o banco mais forte em todo o Oriente Médio, era sustentada pelos
impostos, ofertas e, acima de tudo, pelos rituais para obter, mediante
pagamento, o perdão de Deus. Era todo um comércio de animais, de peles, de
ofertas em dinheiro, frutos, grãos, tudo para a “honra de Deus” e os bolsos dos
sacerdotes, nunca saturados: “cães vorazes: desconhecem a saciedade;
são pastores sem entendimento; todos seguem seu próprio caminho, cada um
procura vantagem própria” (Is 56, 11).
Quando os escribas, a mais alta autoridade teológica
no país, considerando o ensinamento infalível da Lei, vêem Jesus perdoar os
pecados a um paralítico, imediatamente sentenciam: “Este homem está
blasfemando!” (Mt 9,3). E os blasfemos devem ser mortos imediatamente
(Lv 24,11-14). A indignação dos escribas pode parecer uma defesa da ortodoxia,
mas na verdade, visa salvaguardar a economia. Para receber o perdão dos
pecados, de fato, o pecador tinha que ir ao templo e oferecer aquilo que o
tarifário das culpas prescrevia, de acordo com a categoria do pecado, listando
detalhadamente quantas cabras, galinhas, pombos ou outras coisas se deveria
oferecer em reparação pela ofensa ao Senhor. E Jesus, pelo contrário, perdoa
gratuitamente, sem convidar o perdoado a subir ao templo para levar a sua
oferta.
“Perdoai e sereis perdoados” (Lc 6,37) é, de
fato, o chocante anúncio de Jesus: apenas duas palavras que, no entanto,
ameaçaram desestabilizar toda a economia de Jerusalém. Para obter o perdão de
Deus, não havia mais necessidade de ir ao templo levando ofertas, nem de
submeter-se a ritos de purificação, nada disso. Não, bastava perdoar para ser
imediatamente perdoado…
O alarme cresceu, os sumos sacerdotes e escribas, os
fariseus e saduceus ficaram todos inquietos, sentiram o chão afundar sob seus
pés, até que, em uma reunião dramática do Sinédrio, o mais alto órgão jurídico
do país, o sumo sacerdote Caifás tomou a decisão. “Jesus deve ser morto”, e não
apenas ele, mas também todos os discípulos porque não era perigoso apenas o
Nazareno, mas a sua doutrina, e enquanto houvesse apenas um seguidor capaz de
propagá-la, as autoridades não dormiriram tranquilas (“Se deixarmos ele
continuar, todos acreditarão nele … “, Jo 11,48).
Para convencer o Sinédrio da urgência de eliminar
Jesus, Caifás não se referiu a temas teológicos, espirituais; não, o sumo
sacerdote conhecia bem os seus, então brutalmente pôs em jogo o que mais estava
em seu coração, o interesse: “Não compreendeis que é de vosso interesse que
um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?” (Jo 11,50).
Jesus não morreu pelos nossos pecados, e muito menos
por ser essa a vontade de Deus, mas pela ganância da instituição religiosa,
capaz de eliminar qualquer um que interfira em seus interesses, até mesmo o
Filho de Deus: “Este é o herdeiro: vamos! Matemo-lo e apoderemo-nos da sua
herança” (Mt 21,38). O verdadeiro inimigo de Deus não é o pecado, que o Senhor
em sua misericórdia sempre consegue apagar, mas o interesse, a conveniência e a
cobiça que tornam os homens completamente refratários à ação divina.
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Alberto Maggi, biblista italiano, frade da Ordem
dos Servos de Maria, estudou nas Pontifícias Faculdades Teológicas Marianum e
Gregoriana de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É
autor de diversos livros, como A loucura de Deus: o Cristo de João, Nossa
Senhora dos heréticos
Francisco Cornélio, sacerdote e biblista brasileiro, é
professor no curso de Teologia da Faculdade Diocesana de Mossoró (RN). Fez
seu bacharelado no Ateneo Pontificio Regina Apostolorum, em Roma.
Atualmente, está em Roma novamente, para o doutorado no Angelicum (Pontifícia
Universidade Santo Tomás de Aquino), onde fez seu mestrado
Há anos, com o Album Cabeças no Ar, Rui Veloso, Tim, Jorge Palma, João Gil e Carlos Tê brincaram com o tema, tentando atualizar o primeiro confronto entre Jesus e os doutores do Templo. O resultado foi Jesus no Secundário:
https://www.youtube.com/watch?v=mQ9-ykfZpw8
Fechem os olhos e ouçam...
José Teodoro Prata