Lembram-se do Pe. Miguel do Meimão, autêntico fenómeno dos anos 80/90? Recebi este texto do António Fernandes e não resisti a partilhá-lo convosco.
Amanheci
cedo para uma viagem que há dias estava acertada, uma passagem por Terras de
Missão do Padre Zé Miguel, natural do Soito (Sabugal), e muitos anos Pároco no
Meimão (Penamacor).
Há
muito que não passava pelos Três Povos-Escarigo (Fundão), onde fixei os meus
olhares na pintura mural “O Almocreve”, avistei igrejas, campanários e capelas
com grandes tradições religiosas, rodeadas por pomares floridos.
A
primeira paragem foi na Meimoa (Penamacor) e, junto à Capela de São Domingos,
saboreamos o almoço, com a bênção daquele frade.
Partida
para o Meimão, mas antes de chegarmos à população visitámos a Capela de Nossa
Senhora do Pilar, mandada construir pelo Padre José Miguel Garcia Ferreira.
Descemos
à freguesia que na sua génese simbólica tem um javali, embora também fosse
habitat de linces, da Serra de Malcata.
A
pastoral do Padre José Miguel naquelas terras foi muito marcante e nada melhor
do que ouvir a voz daqueles que foram seus paroquianos:
Manuel Joaquim Domingues Borrego, ex-taxista: “conduzi mais de quarenta anos o meu táxi
e transportei muita gente para o país e para o estrangeiro. Levei muita gente a
bruxos, bruxas, curandeiros, astrólogos, endireitas, padres para lhes libertar
os maus espíritos, mas não acredito em milagres. A verdade é que aos fins de
semana chegavam ao Meimão muitas centenas de viaturas. Num desses, cheguei a
contar setenta e dois autocarros e várias dezenas de automóveis. Vinham de todo
o País e até de Espanha. Transportes do Alto do Tâmega, da zona de Chaves e
Trás-os-Montes, contei doze autocarros. Veja o que esta gente dava ao Meimão,
mas gentes mais poderosas, com invejas do protagonismo dos outros, forçaram-no
a sair daqui.
O
Padre José Miguel recebia diariamente muitas cartas de cidadãos nacionais e
estrangeiros. Por todos estes factos, as memórias do Padre José Miguel estão
bem vivas e ficarão para sempre na história da nossa terra.”
José Martins Frederico, empregado da Junta de Freguesia: “com o Padre Miguel
era uma alegria e de que maneira! Era bom homem e já não aparece aqui um padre
como ele.”
Deolinda Oliveira, ex-comerciante: “gostava dele como pessoa, tinha os
seus defeitos como todos nós. Nesses tempos tinha aqui um comércio e ganhei
muito dinheiro. Vendia-se tudo. Muitas vezes, apesar de muitas fornadas, o pão
não chegava para as encomendas. Se não tivesse saído daqui, esta terra seria
totalmente diferente.”
Guilhermina Augusto da Fonseca, reformada: “nunca aceitou que vivesse com o meu
companheiro, com o qual faço vida conjugal há mais de quarenta anos. Viuvei e
se voltasse a casar perdia a reforma. Não deixou ir os meus filhos para o
seminário, apesar de o meu companheiro ajudar sempre que necessário nas
necessidades da igreja.”
José Maria Reino, emigrante: “fui muito amigo do Padre Miguel e
tinha-lhe um grande apreço. Sempre que o visitava pedia-lhe para me tocar no
volante da viatura. Com muitos e muitos milhares de quilómetros nunca tive um
acidente”.
Maria de Lurdes Fonseca, proprietária do Café Lince: “o Senhor Padre José
Miguel nunca pedia dinheiro a ninguém, mas as pessoas eram generosas e lá
tinham as suas razões. Foi pena não ter arranjado pessoas da sua confiança no
Meimão. Escolheu um senhor da zona do Fundão que lhe não foi fiel e honesto.
Não soube gerir algumas situações. Se tem investido na nossa terra nós seríamos
um local privilegiado. O meu filho andou por diversos hospitais e só encontrou
cura nas mãos do Senhor Padre José Miguel”.
Uma
senhora idosa, no Lar da Santa Casa da Misericórdia do Fundão, ainda hoje
guarda religiosamente um simbólico objeto ofertado pelo Padre Miguel,
referindo-se com emoção à fé e à espiritualidade daquele sacerdote.
Seguimos
para o Sabugal e paramos no antigo curral de António Ferrão, “O Peças”, onde o
transporte, a montada do Padre José Miguel, descansava e era alimentado, findas
as lides pastorais.
Esse
antigo local de recolha de animais está hoje situado na Rua Nuno de Montemor,
padre, poeta e escritor. No seu livro “Maria Mim” também encontramos alguns
“milagres”, quando os contrabandistas de Quadrazais e limites, na sua gíria
linguística, acordavam esconder nos altares o material trazido de Castela,
fitando as autoridades.
Como são diferentes os tempos de hoje, já
temos as fronteiras abertas e os “evangelizadores” andam com carros de alta
cilindrada e puxados por muitos cavalos.
O
Padre José Miguel nunca precisou de automóvel para fazer apostolado a bem do
povo de Deus.
Passa-se
pela Biblioteca do Sabugal e não se encontra uma obra, um livro dedicado ao
Padre José Miguel.
Nascido
no Soito (Sabugal), onde está sepultado, ordenado padre em 1936, por D. João de
Oliveira Matos, que nas palavras do Padre Miguel era “um exemplo de santidade,
o meu guia espiritual, o verdadeiro representante de Deus na terra, o heroico
defensor da verdade, e sobretudo e acima de tudo foi um crente extraordinário…
Vi-o cair em êxtase místico, adorando a cruz em lágrimas… Jejuava dias
inteiros. Percorria de bordão os caminhos da sua Diocese… ouvia em confissão os
mais humildes das pequenas aldeias. Dava esmolas aos pobres… era de uma
humildade extrema...era um Santo” (cf. páginas 147 e 148 do Livro “Os Milagres
da Esperança” de Cunha Simões, Edição do Semanário “A Província”).
Esteve
no pensamento do Padre José Miguel a constituição de uma Fundação com o nome de
D. João de Oliveira Matos, que por razões que desconheço não chegou a
concretizar.
A
vida e obra merecem um estudo humano, social e religioso aprofundado, porque se
todos “perdêssemos” alguns minutos a ouvir e a pensar nos outros, o mundo seria
diferente.
A
grandeza do Padre José Miguel ultrapassava mentalidades mesquinhas, talvez com
sede de protagonismos. “Tens Fé, acredita e vai porque esta move montanhas e a
Manuela amanhã tem o problema de saúde resolvido e sairá do hospital bem.” E
saiu… muito bem.
António
Alves Fernandes
Aldeia
de Joanes
Março/2019