segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Poesia em São Vicente da Beira



“A QUATRO MÃOS” e “CUMPLICIDADES” são dois livros de poesia de Zulmira Mendes e Luis Infante apresentados este domingo, na nossa terra.


A Zulmira, é nossa conterrânea, nascida no Casal da Fraga. Muitos já lhe conhecíamos a voz poderosa para cantar, principalmente o fado, mas a maior parte desconhecíamos-lhe a alma de poeta, que só agora nos revelou.
O Luis Infante nasceu em Castelo Novo, mas, por amor, vai adotando a nossa terra como também um pouco sua. É já um “veterano” no mundo da poesia, com vários livros publicados.
Os poemas contidos nos dois livros apresentados, alguns guardados no “baú” da Zulmira há muito tempo, outros mais recentes, abordam temas muito diversos como o amor, a amizade, a saudade, a natureza; outros são recordações de lugares ou de amigos.
Os poemas não estão assinados por nenhum dos autores, justificando um pouco o título dos livros, e talvez para deixar aos leitores o jogo de adivinhar quem é que terá escrito o quê. Nem sempre é fácil, até porque como dizem os autores, muitos terão resultado do «casamento de duas mentes que lhes deram forma». 
Tive que ler alguns poemas na apresentação, mas não foi fácil escolher. Um dos que li foi este, por falar da Gardunha de que todos, os que crescemos à roda dela, gostamos tanto; talvez também porque, em quaisquer circunstâncias, mantém em nós a esperança de a ver sempre viva.  

ESPERANÇA

O sol já vai alto,
Brilhante, ligeiro,
Aquece o asfalto
Num gesto rotineiro.

Percorre a terra,
Por vezes
Por entre as nuvens se esconde
E eu olho para a serra,
Da minha janela,
Triste por não saber onde.

Onde paira o verde da minha serra?
Foi o sol que o queimou?
Não sei, mas vejo que se extinguiu
E tanta beleza fugiu,
O vento a soprou
E, a minha serra altaneira,
Sozinha ficou.

As estevas,
Os pinhais,
As andorinhas,
Os pardais
Vivem tristes, sem alegria
Porque suas irmãs perdizes
Que ali viviam tão felizes
Já não têm onde se acoitar
Porque a minha serra perdeu
Aquele ar
De saber dar
Tudo quanto tinha de seu.

Foi sentinela,
Agora olho para ela
Com uma tristeza infinda
Mas quero vê-la ainda linda.

Vê-la florir, verdejar,
Ouvir as aves cantar
Em alegre sinfonia
Dando à serra aquela alegria
Desde o amanhecer
Até ao final do dia.



No final da apresentação a Zulmira, o Luis e alguns amigos da USALBI presentearam-nos com um grande momento de fado (eram tantos que não couberam na fotografia…).

M. L. Ferreira
As fotografias são da Luisa Ferreira e Florinda Baptista Carrega

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O nosso falar: astro, fato e garfos

Os fins de semana de um agricultor de fim de semana têm coisas curiosas. Há dias surpreendi-me com uma palavra que me saiu da boca sem que eu me lembrasse sequer daquele nosso significado. Foi ao pequeno-almoço, bem cedo, claro não tão cedo como naquele ano que eu passei em casa, tinha o meu pai regressado de França, e íamos, eu, ele e a minha mãe, alumiados pelas estrelas, madrugar às Quintas, em volta de uma fogueira, à espera que se visse para começar a colher azeitona.
A minha mulher falou-me da previsão do tempo para esse dia, mas eu rematei: O que interessa é como o astro está! Fui à rua e olhei o céu. Estava limpo, sinal de um grande dia de azeitona.
Depois, no olival, tanto falava em fato como em garfos, não estando eu a provar roupa, nem sentado à mesa a almoçar. E ria-me sozinho, naquela terra alheia, a pensar no pragmatismo dos nossos antepassados que, com um vocabulário limitado, usavam as palavras conhecidas dando-lhes diferentes significados. Ali estava eu, ou melhor, o meu cérebro, herdeiro dessa tradição linguística.

A foto é de Monchique, Algarve, do blogue https://sarrabal.blogs.sapo.pt/68734.html

José Teodoro Prata

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

A violência nas escolas - algumas questões


Fala-se hoje muito de violência: violência doméstica, contra os idosos, violência infantil, no desporto ou no meio escolar. Trata-se de situações que, não sendo novas, têm hoje uma abordagem diferente e constituem uma preocupação para toda a sociedade (aquilo que até há relativamente pouco tempo era legitimado culturalmente é hoje considerado crime público). Esta preocupação é, certamente, um sinal de evolução civilizacional.
       Nos últimos tempos são quase diárias as notícias que dão conta de situações de violência nas escolas, seja entre alunos, de alunos contra professores, de professores contra alunos e até de pais contra professores. Não sendo fácil identificar todas as causas, e muito menos encontrar a solução para este fenómeno, convém pensarmos um pouco sobre ele.
       A diversidade social, económica e cultural que passou a caracterizar as nossas escolas depois do 25 de Abril, com o alargamento da escolaridade obrigatória para todas as crianças e adolescentes, os fluxos migratórios vindos de África após a descolonização e, mais recentemente, de alguns países de Leste, asiáticos e Brasil, imprimiram à população escolar características altamente heterogéneas.
       Esta heterogeneidade, podendo constituir um factor positivo, tem confrontado a escola com problemas para os quais não estava preparada. De facto, entre o modelo tradicional de escola, no qual o professor era o único detentor do saber e do poder, e o modelo de escola democrático que tem vindo a implementar-se, muitas coisas mudaram, mas muito está ainda por fazer.
De entre as razões que podem ajudar a compreender os problemas que ainda se verificam em muitas escolas, poderemos salientar as seguintes:
·   Confunde-se muitas vezes democracia com falta de liderança e de autoridade que, como sabemos, são fundamentais no processo educativo de uma criança, quer se trate da educação familiar ou escolar.
· Atribui-se actualmente demasiada importância à educação escolar das crianças esquecendo-se o papel educativo da família. Os pais, por falta de tempo ou outras circunstâncias quaisquer, demitem-se muitas vezes do seu papel, deixando à escola a responsabilidade pelo processo educativo dos seus filhos e culpando-a quando não há sucesso, quer em termos do aproveitamento, quer do comportamento. Por outro lado, acontece também que quando os pais querem participar são muitas vezes incompreendidos e mal aceites pela escola, dificultando-se ou desmotivando-se a sua participação.
·   As turmas são demasiado grandes, na maior parte dos casos, o que dificulta o desenvolvimento de metodologias de trabalho individualizado ou diferenciado que permita responder às necessidades individuais e à diversidade dos alunos.
·   A formação de base e contínua dos professores talvez não se tenha adequado às novas exigências da profissão, e a mobilidade do corpo docente, aliada às frequentes alterações da legislação, também não dá a segurança e a motivação necessárias ao desenvolvimento de práticas inovadoras e galvanizadoras do interesse dos alunos.
·   As escolas, confrontadas com exigências legais, burocráticas e de cumprimento do currículo, (considerados demasiado longos e pouco motivadores), para além das dificuldades financeiras, têm poucas oportunidades para desenvolverem projectos inovadores (por exemplo clubes em diferentes áreas) que motivem, estimulem e respondam às necessidades e interesses dos alunos.
·   As instalações escolares são, por vezes, espaços degradados, frios e desumanizados, onde não apetece permanecer, e que incitam à violência e destruição.
·   Os pais têm cada vez menos tempo para estarem com os filhos, e por isso não conseguem regular o seu quotidiano: têm dificuldade em assumir-se como referência, dando atenção e afecto, mas também impondo regras e limites. Sem tempo para negociar, os pais tendem a satisfazer no imediato os desejos dos filhos, não permitindo que eles desenvolvam capacidades de resistência às frustrações nem aprendam a valorizar aquilo que têm. Esta situação pode levar a uma insatisfação permanente, à tristeza e à revolta.
·   O facto de as crianças e adolescentes viverem cada vez mais fechadas no seu mundo, entregues a actividades solitárias, à televisão ou, mais recentemente, à internet, sem grandes oportunidades de brincar ou conversar com os seus pares, pode dificultar o seu processo de descentração, autonomização e socialização, impedindo que aprendam a ver e aceitar o ponto de vista dos outros, e dificultando o processo de auto regulação do comportamento.
·   A natural tendência que as crianças e adolescentes têm para a transgressão das regras e a contestação da autoridade, quer se trate da autoridade paterna ou do professor: quando não encontram regras firmes, claras e coerentes que possam balizar o seu comportamento, crianças e adolescentes podem transgredir até ao limite, entrando em conflito com quem se lhes oponha.
·  A dificuldade que algumas escolas ainda têm em encontrar percursos alternativos para os alunos que, não estando motivados para o modelo de escola que lhes é oferecido, têm que permanecer no sistema por vários anos. Esta situação é potenciadora de conflitos e pode levar ao abandono escolar e posterior exclusão social.
Estas serão algumas das razões pelas quais a escola, adquirindo cada vez mais importância para a formação e educação dos indivíduos, quer em termos de preparação para o mercado de trabalho quer em termos de preparação para a vida, continua a ser muito desvalorizada por um número significativo de crianças e de jovens. Este desinteresse tem consequências inevitáveis tanto em termos do aproveitamento como do comportamento, podendo levar à violência. 
       Num mundo individualista e competitivo, como é o que temos ainda, torna-se necessário que as famílias e a escola, ajudadas por um quadro legal adequado, se articulem na definição do modelo de educação que querem para os seus filhos e alunos. Terá de ser, necessariamente, um modelo democrático e afectuoso de ensino no qual, através de regras e limites claros, mas também flexíveis e humanizados, eles possam ir adquirindo os saberes disciplinares, mas também as atitudes, valores e competências necessárias à convivência e participação social. Desta forma, a criança irá construindo a sua autonomia, mas simultaneamente a interdependência e capacidade de cooperação com os outros, fundamental à vida em sociedade, quer seja na família, na escola ou na comunidade mais alargada.

Maria Libânia Ferreira

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

José Mário Branco, 1942-2019

«Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe. No fundo deste mar encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco: tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra. O meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui, convosco, e ser-vos alimento e companhia, na viagem para estar aqui de vez.
Sou português, pequeno-burguês de origem. Filho de professores primários. Artista de variedades. Compositor popular. Aprendiz de feiticeiro. Faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto: muito mais vivo que morto. Contai com isto de mim para cantar, e para o resto.»

Travessia do Deserto, do album Ser Solidário:

Que caminho tão longo
Que viagem tão comprida
Que deserto tão grande
Sem fronteira nem medida
Águas do pensamento
Vinde regar o sustento
Da minha vida
Este peso calado
Queima o sol por trás do monte
Queima o tempo parado
Queima o rio com a ponte
Águas dos meus cansaços
Semeai os meus passos
Como uma fonte
Ai que sede tão funda
Ai que fome tão antiga
Quantas noites se perdem
No amor de cada espiga
Ventre calmo da terra
Leva-me na tua guerra
Se és minha amiga
Que caminho tão longo
Que viagem tão comprida
Que deserto tão grande
Sem fronteira nem medida
Águas do pensamento
Vinde regar o sustento
Da minha vida
Este peso calado
Queima o

José Teodoro Prata

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Magusto, 2019



O tempo já não é o que era, e este ano nem o São Martinho quis ajudar-nos.
Mas cumpriu-se a tradição, e o magusto oferecido pela Junta de Freguesia a toda a população realizou-se na mesma. Não teve o cenário nem a participação de outros anos, mas quem esteve presente fartou-se de comer castanhas e beber jeropiga.


No fim, já contentes, o brinde à saúde de todos

M. L. Ferreira
(As fotografias foram tiradas pela Joana Santos Barroso)