Nem sei se percebi bem, mas a notícia do jornal
“Reconquista” desta semana sobre o provável fim da Escola Superior de Educação
de Castelo Branco deixou-me alguma inquietação. A notícia não fala das razões do
encerramento nem refere se já existe ou será criada outra escola de formação de
professores que a substitua. Fica-se com a ideia de que a atual ESECB está a
passar por alguns dos problemas das que a antecederam, mas que, apesar das
muitas dificuldades, foram fundamentais para responder às enormes carências de
pessoal docente para ocupar os lugares criados pela legislação que decretara a
escolaridade obrigatória há já alguns anos (legislação que só muito tempo mais
tarde começou a ser cumprida).
No início do século XX o analfabetismo era muito
elevado em todo o País, mas principalmente nas regiões do interior, e junto das
mulheres (em 1900, no distrito de Castelo Branco, num total de 216.618
habitantes, o número de homens analfabetos era de 84.623, e o das mulheres era
de 102.764. Em 1950 a situação tinha melhorado um pouco, mas continuava a ser
muito desfavorável para o sexo feminino: dos 273.468 habitantes, o analfabetismo
nos homens era de 55.333, e nas mulheres era de 84.765).
As escolas de formação de professores tiveram
também um papel importante na mobilidade social de um número significativo de rapazes
e raparigas, principalmente das zonas rurais, que, sem elas, em meados do
século XX ainda não poderiam sonhar em ter uma vida muito diferente da dos seus
pais e avós.
Coincidência, ou não, por estes dias tenho andado a
ler um trabalho de Francisco Goulão (Instrução Popular na Beira Baixa), onde,
de uma forma muito exaustiva, o autor faz o retrato da primeira escola de
formação de professores de Castelo Branco:
Criada em 1897, por decreto régio de 3 de Dezembro,
iniciou as atividades em 17 de junho de 1898. Começou por se chamar Escola de
Habilitação Distrital para o Magistério Primário; passou depois a Escola Normal
e por fim a Escola Primária Superior (o nome por que era mais frequentemente
designada e conhecida era Escola Normal). Recebia alunos de todo o distrito e
alguns até de localidades mais distantes, como Coimbra, Guarda, ou Lisboa.
Durante os poucos anos de existência, a escola
passou por muitas dificuldades, desde a precariedade das instalações (começou
por funcionar numa casa na rua Vaz Preto; passou depois para outra dentro das
muralhas do Castelo e finalmente para uma casa anexa ao Liceu Nuno Álvares,
junto ao Paço Episcopal), dificuldade em recrutar pessoal docente,
instabilidade política, dificuldades financeiras, oscilação da frequência
(especialmente baixa a partir dos anos de 1924/1925), etc. que por várias vezes
puseram em causa a sua continuidade. Em 1926 foi extinta definitivamente e, por
quase trinta anos, não existiu nenhuma escola de formação de professores em
Castelo Branco.
Consultando a lista dos alunos ao longo dos vários
anos de funcionamento da Escola, encontramos vários nomes de rapazes e
raparigas de São Vicente da Beira, que terão sido os primeiros a formarem-se e
a exercer a profissão de professor primário:
Jorge
Martins Ribeiro – Filho de Manuel António Martins Ribeiro, proprietário, do Louriçal do
Campo, e de Francisca dos Mártires Moura de Brito, de SVB, nasceu no dia 22/01/1877,
na Rua da Fonte. Fez o exame final do curso no ano de 1899, aos 21 anos de
idade.
Terá falecido ainda jovem.
Maria
Hermínia Ramos Lino – Filha de António Lino Lopes, jornaleiro, e de Maria José, ambos naturais
de SVB, nasceu no dia 08/09/1884, na Rua de São Francisco.
Fez o exame final do curso no ano de 1902.
Faleceu em outubro de 1940.
Maria
do Patrocínio Gama – Filha de Manuel Gama, jornaleiro, e de Maria Emília, ambos de SVB,
nasceu no dia 03/07/1880, na Rua de São Francisco. Fez o exame final de curso
no ano de 1903.
Faleceu na freguesia de Santa Maria da Graça,
Setúbal, no dia 15/08/1961(?)
Maria
da Ascensão Caio – Filha de João Maria dos Santos Caio, comerciante, natural de
Monforte, e de Josefa Paulina, de SVB, nasceu no dia 18/05/1887, na Rua do Beco.
Fez o exame final no ano de 1905, aos 19 anos de
idade.
Casou em 08/03/1911 (não é referido o nome do noivo
nem a localidade). Também não se sabe a data e local da morte.
Maria
do Egipto Alves de Sousa – Filha de Simão Alves de Sousa, pedreiro, e de
Maria da Natividade Raposo, ambos naturais de SVB, nasceu no dia 27/08/1887, na
rua das Lajes.
Fez o exame final no ano de 1907, aos 19 anos de
idade.
Terá exercido numa escola de Caria, pois foi lá que
casou, com António José, natural daquela localidade, no dia 26/10/1910(?). Foi
lá que faleceu também.
José
Miguel Lopes – Filho de António Miguel, cultivador, e Mariana Casemira, ambos de
SVB, nasceu no dia 29/12/1898 na rua Dona Úrsula.
Fez o exame final no ano 1918, aos 18 anos.
Casou em SVB com Maria da Purificação Bernardo
Duarte, também professora, no dia 26/10/1921. Faleceu na Freguesia da Pena, em
Lisboa, no dia 02/11/1985.
Sílvio
Alves de Sousa - Filho de Simão Alves de Sousa,
pedreiro, e de Maria da Natividade Raposo, ambos naturais de SVB, nasceu no dia
04/12/1899 na rua de São Francisco.
Fez o exame final no ano de 1920, aos 20 anos de
idade.
Faleceu em Castelo Branco no dia 05/02/1946.
António
de Jesus Craveiro – Filho de Joaquim António Craveiro, jornaleiro, e Mariana Castanheira,
ambos de SVB, nasceu no dia 05/03/1893, na rua do Convento.
Fez o exame final no ano de 1920, aos 27 anos de
idade.
Casou em SVB com Aida Alves de Sousa, no dia
19/09/1927. Faleceu em Belo Horizonte no dia 27 de maio de 1977.
Maria
da Purificação Bernardo – Filha de Agostinho Bernardo, lavrador, e de Maria
da Trindade, ambos de SVB, nasceu no dia 02/06/1902 no Casal do Monte do Surdo.
Fez o exame final no ano de 1920, aos 18 anos.
Casou em SVB, com José Miguel Lopes, também
professor, no dia 26/10/1921. Faleceu em 14 de junho de 1983, na freguesia de
São Sebastião da Pedreira, Lisboa.
Joaquim
António Craveiro - Filho de Joaquim António Craveiro, jornaleiro, e Mariana Castanheira,
ambos de SVB, nasceu no dia 14/04/1900 na rua do Convento.
Fez o exame final do curso no ano de 1922, aos 21
anos de idade.
Casou em Rio Torto, Gouveia, com Maria da Conceição
Marta, no dia 26 de fevereiro de
1927(?). Faleceu nessa localidade em 18 de março de 1976.
Maria
da Luz Gonçalves Batista – Filha de João Gonçalves Batista, feitor do Conde
da Borralha, natural da Póvoa da Atalaia, e de Maria Leonarda, da Atalaia do
Campo, nasceu no dia 04/07/1906 na rua da Igreja.
Fez o exame final do curso no ano de 1923, aos 16
anos de idade.
Casou na Póvoa da Atalaia com Manuel Dias Rato, de
SVB, no dia 30/09/1942(?). Faleceu em 20/08/1986 na freguesia do Campo Grande,
Lisboa.
Faz ainda parte da lista dos alunos que frequentaram
aquela escola o nome de Artur Eugénio
Couto - Era filho de João Alexandre Couto, relojoeiro, natural de Trancoso,
e de Maria Angélica, de Oledo. Nasceu em Castelo Branco, na rua de São Marcos,
no dia 04/01/1901.
Fez o exame final no ano de 1919, com 18 anos de
idade.
Casou com Maria Emília da Ascensão Reis, também
professora formada na mesma escola, natural do Sobral do Campo, no dia
25/12/1922. Viveram em São Vicente, onde foram professores durante muitos anos.
Do corpo docente da Escola Normal também fez parte
um Sanvicentino:
Francisco
Vaz Raposo Gama – Filho de João Hipólito Raposo, cultivador, e de Maria Adelaide Gama,
ambos naturais de SVB. Nasceu no dia 04/09/1877, na rua Velha. Foi professor na
Escola durante o ano de 1908.
O seu registo de batismo não refere se casou e a
data da morte, mas está sepultado no cemitério de São Vicente, na campa dos
pais.
Após a extinção da Escola Normal, só em meados do
século XX foi criada a Escola Normal Amato Lusitano, uma instituição
particular, pouco acessível à maior parte da população da Beira Interior, quase
sempre pobre. Terá sido esta realidade que ajudou à criação da categoria de
professoras regentes, pessoas com conhecimentos muito rudimentares a todos os
níveis, mas provavelmente as que melhor serviam também os objetivos da
educação, num tempo em que a cultura e o saber do povo eram considerados um
entrave ao governo do País, como o recorte seguinte bem revela.
“A Voz” era um jornal católico, apoiante do regime,
como se depreende pelo discurso.
M. L. Ferreira