No início de cada ano letivo, sempre que me calham turmas novas, tenho alguma dificuldade, na primeira aula, em saber se determinados alunos são meninos ou meninas.
Quase todos têm carinhas bem nutridas, cabelos sedosos e compridos, com franjinhas à maneira, calças de ganga e brincos/piercings. Só depois de alguns dias e muitos protestos é que consigo fazer totalmente a distinção dos sexos.
Mas esta história passou-se há muitos anos, no tempo em que apresentar-se como rapaz ou rapariga era uma questão muito séria!
Não sei o que levou a minha mãe à Covilhã, no tempo frio, mas voltou da sua visita à minha tia Santa com duas canadianas lindíssimas. Uma era para mim, cor de mel, nunca tinha visto coisa mais bonita.
Mas a minha irmã Eulália recebeu uma igualzinha! Fiquei chocado. Como iria eu apresentar-me na Escola, com roupa igual à de uma menina? Seria motivo de gozo para toda a rapaziada.
Disse à minha mãe que não a queria e porquê. Ela repetiu-me o que a tia Santa lhe explicara: roupa unissexo. Achei aquilo uma esquisitice da Covilhã e mantive-me na minha.
Deixei a minha mãe ralada para o resto do dia, pois o dinheiro era tão pouco e a jaja tão linda! Eu acabaria por habituar-me!
No dia seguinte, à partida para a Escola, lá estava a canadiana para eu vestir, já com a Eulália vestida de igual. Que não e não. Todos iam rir-se de mim e chamar-me menina!
Depois de tentar vestir-me, com palavras ralhadas, a minha mãe chamou o meu pai e entregou-lhe o caso. Desabituado de resolver questões daquelas, terá ficado à rasca. Teimou com palavras e depois passou à ação: dei voltas pela sala, no ar e pelo chão, sentia-me tonto, aflito, chorava, gritava. As minhas irmãs à porta do balcão, à minha espera, atónitas com o que viam. Acabei prostrado no chão e muito choroso.
As minhas irmãs foram mandadas para a Escola e eu para a cama, onde fiquei toda a manhã, a curar o nervosismo e as dores de alma, pois no corpo não tinha nenhuma. Ainda hoje não percebi como é que o meu pai fez para me meter tamanho cagaço sem me magoar.
No dia seguinte, lá vesti a maldita canadiana, cheio de vergonha. Cheguei à Escola muito afastado da Eulália, com medo que os rapazes vissem a minha irmã vestida de igual. Sempre que a vestia, nunca íamos juntos.
A canadiana era bonita, mas nunca gostei de a vestir e felizmente tinha muitas irmãs que a acabaram de romper.
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