O autocarro parou na entrada do bosque de bétulas, aos pés do Cântaro Magro. Metemos as mãos na água fresca do Zêzere ainda menino e fomos caminhando para o interior, extasiados com a paisagem.
No final do parque, o terreno começava a subir e o passeio tornou-se mais difícil, por entre matos altos e pedras aguçadas. O Pe. Jerónimo parou e disse:
“Quem quiser, vem comigo a pé até à estrada que passa além, no alto. O autocarro espera lá por nós.”
A provocação era irrecusável. Embora ele fosse filho e irmão de quem era, não lhe conhecia pergaminhos que não fossem livros e missas, tirando talvez umas investidas semanais contra as balizas adversárias. E ainda uma paixão total pelo Benfica que, em todo o caso, não exigia a ele destreza física.
Habituado às andanças na serra, fui logo atrás dele, eu e umas duas dezenas de colegas. Subimos por uma passagem estreita entre encostas rochosas a pique e chegámos a uma zona plana, parecia o fundo de uma malga partida na borda, por onde tínhamos entrado.
Em lado nenhum estrada ou autocarro, isso ficava lá num cimo ainda invisível! Continuámos, pois o nosso guia mal parara e já nos ganhava dianteira. Subimos, subimos, agachados, avançando com o impulso da força que fazíamos agarrados nos matos e nas pedras. Mal nos atrevíamos a endireitar o corpo, pois parecia que caíamos para o precipício lá no fundo.
Não parávamos, pois temíamos ficar para trás, o Pe. Jerónimo já lá ia à frente. Arfávamos de boca aberta, uma sede atroz! Mas um fio de água descia por entre tufos de ervas: deitei-me no chão, fiz uma covinha, esperei que a água aclarasse e bebi sofregamente. Depois continuei, agora de gatas, pois o meu medo de cair para trás aumentava na razão directa do aumento do declive.
Mais umas braçadas e já se viam as guardas da estrada e depois os nossos colegas. Chegámos, meio embriagados pelo cansaço e pelo entusiasmo de termos conseguido. Penso que foi no meu 5.º ano (9.º ano) e tenho esta subida a parte do Cântaro Magro no quadro de honra dos melhores momentos da minha adolescência.
Depois do almoço, natação na Lagoa Comprida. Novo desafio do Pe. Jerónimo: nadar até ao paredão da barragem. Alguns acompanharam-no e conseguiram, outros voltaram para trás, mas eu nem passei das margens. Sou terra, nada de água, nem ar.
No final, comentámos a pujança do nosso prefeito. O velhote tinha garra!
No final da crónica, fiz as contas à idade do Pe. Jerónimo, na época: cerca de 30 anos! É curiosa a perceção que os mais novos têm dos mais velhos.
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