Ontem, passei o dia com a família, na Senhora da Orada.
Estive com a prima Celeste de Alcongosta, filha do ti Joaquim Teodoro, que me confirmou o que este e o meu pai já me tinham contado: a fonte antiga era nas atuais traseiras da capela (há referências antigas à fonte frente à porta da capela, pelo que talvez na Idade Média a porta estivesse virada para nascente e não para o poente, como hoje).
À tardinha, muitos foram os que regressaram a casa com os tradicionais garrafões de água da fonte da ermida.
Curiosamente, hoje, o José Miguel Teodoro enviou-me um artigo do jornal A Batalha, de 21 de fevereiro de 1926.
Meses mais tarde, terminaria a I República, com o golpe militar de 28 de maio, que instituiu uma Ditadura Militar, seguida da ditadura do Estado Novo. Estes anos da I República foram marcados por uma intensa polémica religiosa, com posições extremas de ambos os lados.
O artigo refere o regresso clandestino dos jesuítas a Portugal, de onde tinham sido expulsos em 1910, e indica as povoações mais dominadas pelo fanatismo religioso (Alpedrinha, Fundão e São Vicente da Beira). Demora-se particularmente na nossa terra:
«Nesta última vila as supertições religiosas estão fortemente enraizadas. Existe até, nela, uma água que é considerada milagrosa: - a água da Senhora da Ourada que até tem restituído a vista a cegos... Em Fátima chegaram a ser comentados estes fantásticos milagres, aventando-se a hipótese de que a água da Senhora da Ourada viesse a fazer concorrência à outra. Essa água da Senhora da Ourada tem ainda outra particularidade milagrosa: faz crescer o cabelo às raparigas que lhe façam rezas em vésperas de São João ao bater da fatídica e clássica meia noite. Em São Vicente da Beira há a imagem de São Anselmo que é um santo preto: serve para os pais amedrontarem seus filhos, batendo-lhes com as cabecitas nos pés da imagem.
Numa terra imbuída destas supertições, onde a alegria foi banida e as próprias raparigas são lúgubres, fácil foi a penetração dos jesuítas.
Inimigos fidagais de todos os sentimentos humanos são insensíveis a todas as dores: sacrificam tudo e todos aos seus planos. De São Vicente da Beira saíu para Espanha, levado por eles, um rapaz de 20 anos que era o único amparo de seus velhos pais, condenado-os assim à miséria. Este seu gesto foi tão indigno que até os mais fanáticos o desaprovaram.
A Beira Baixa está infestada destas aves de rapina: missões de jesuítas percorrem-na constantemente realizando, com frequência, retiros espirituais.»
2 comentários:
Ahhhhhhhh, agora fez-se luz...e mais não digo por respeito ...
Margarida Gramunha
É uma pena que as nossas gentes, muitas vezes mal lideradas pelas elites locais, tenham sido quase sempre arrastadas para a facção política errada.
Basta recordar a perda do nosso concelho em 1895, para a qual não terá sido alheio o facto de as pessoas influentes da época terem abraçado a causa absolutista em vez da causa liberal, vencedora (com o que de negativo isso representa). É neste sentido que vem o texto de 1926, ano do levantamento militar de Braga que deu início ao período do Estado Novo e que diz bem da mentalidade que por aqui grassava. E da qual ainda hoje existem resquícios, por exemplo, na nossa "falta de sentido colectivo".
Embora também se perceba que o texto foi escrito por um anticlericalista. Pois, sendo verdade que os jesuítas tinham posições extremamente retrógradas, nem todos eram fanáticos. Mas como eram muito cultos e brilhantes, afrontavam muita gente.
Dois exemplos comprovam isso mesmo: o Padre António Vieira que (até) defendeu os índios do Brasil contra os abusos dos colonos e, por essas e por outras, teve problemas com a Inquisição e S. Francisco Xavier, o apóstolo da Índia.
Neste extremar de posições, os contendores quase nunca têm razão. Por um motivo muito simples: habitualmente, falta-lhes a razoabilidade e o equilíbrio. Porque, como é sabido, o fanatismo tolda-lhes a sensatez.
Mas o problema da peculiar mentalidade dos Vicentinos, patente no mesmo texto, é um problema local que muito tem contribuído para nos prejudicar.
Um dia podemos discutir tudo isto, porque estão por fazer quase todos os debates sobre a nossa terra.
Zé Barroso
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